Restaurantes ao domícilio

por Gonçalo Lopes
Inês Lei

Em meados de junho, com o grande surto epidémico em Macau, o governo passou de não recomendar refeições dentro de restaurantes, para as proibir por completo. A indústria da restauração foi por isso a primeira a ser atingida, muitos restaurantes foram obrigados a fazer entregas e a oferecer todo o tipo de descontos nas suas redes sociais. Atualmente podemos ver inúmeros estafetas destas plataformas de entrega de comida pelas ruas. O PLATAFORMA entrevistou proprietários de dois restaurantes, em Macau e na Taipa, para descobrir como transformaram os seus negócios e sobreviveram a esta pandemia.

Inovação takeaway

O café Bookand, no distrito Sul, está em funcionamento há cerca de três meses. O proprietário, James, estudou multimédia, por isso sempre quis incluir alguns elementos teatrais e literários juntamente com as comidas e bebidas no seu café. De dia é uma livraria, à hora de almoço um restaurante e à noite um bar.

Embora o aspeto de venda de livros não seja muito lucrativo, para James é um elemento essencial e por isso inclui outros elementos de rendimento estável, como restauração e bar, para sustentar o café. O proprietário pretende ainda organizar outras atividades no futuro, como workshops, exposições e performances para atrair mais clientes.

James admite que o maior fardo é a renda. “Os últimos seis meses foram algo inédito em Macau. Foi a primeira vez que abri a loja mas não consegui fazer negócio.”

Mesmo com a pandemia, o café continuou a manter a sua característica de promoção da leitura e numa publicação sobre entregas em casa na sua página das redes sociais escrevem: “Livros podem ser comprados individualmente, mas comidas e bebidas devem ser acompanhadas por pelo menos um livro!”

James partilha que o primeiro dia de vendas para fora foi bom. “O negócio está melhor do que refeições durante a semana. Normalmente os clientes vêm beber um café e ler um livro, gastam algumas dezenas de patacas e passam cá a tarde, mas agora que cada compra tem de ser acompanhada por um livro, apesar de o número de vendas ser maior, o número de clientes não.” O proprietário, que nunca trabalhou na área do turismo, acredita que o mercado local tem potencial, mas ainda terá de se desenvolver.

Por isso refere que demorou até conseguir pensar numa forma de integrar o Bookand no sistema de entregas ao domicílio. “Por isso a compra de livros é obrigatória, a nossa prioridade não é apenas o lucro.” Acrescenta ainda que outros restaurantes têm oferecido promoções de 50% durante a pandemia para atrair clientes, mas James tem resistido associar o seu negócio a números. Prefere adotar uma filosofia diferente, promovendo vendas com criatividade em vez de redução de preços.

Durante o surto epidémico o café não esteve presente em nenhuma plataforma de entregas, era o próprio proprietário a fazer todas as entregas. James viu tal como uma sondagem de mercado, ofereceu-lhe oportunidade de ficar a conhecer o tipo de livros que os seus clientes compravam.

Questionado sobre as suas perspetivas futuras, James parece esperançoso. “Nós brincamos: Caso exista alguém que consiga fazer dinheiro com um café, suficiente para pagar um salário e a renda, então também é possível para um restaurante. Além disso também temos uma loja, vendemos livros, com todos estes elementos é possível. Desde que seja possível aguentar o negócio, com a qualidade e rendimento estável que merecemos, então continuarei.”

Restaurante macaense luta pela sobrevivência

Florita Alves, gerente do restaurante macaense La Famiglia, situado no centro histórico da Taipa, tem uma visão muito diferente de James. Inaugurado há 5 anos, em 2017, o seu restaurante tem um decor elegante, focado em pratos locais macaenses, por isso transmite um sentimento de nostalgia.

Florita Alves acredita que com a atual situação económica de Macau, onde o poder de consumo local é fraco, a proibição de consumo dentro de restaurantes deixou um impacto enorme, onde até a entrega para fora enfrenta dificuldades. Takeaway é a única solução na pandemia, explica Florita Alves: “Claro que quando se transforma um restaurante num serviço de takeaway, temos de fazer mudanças na nossa equipa, stock e menu. À medida que tentávamos acompanhar a pandemia, continuámos a tentar desenvolver novos pratos que conseguissem apelar aos clientes de takeaway.”

Todos os dias nos preocupamos com a possibilidade de não conseguir pagar o dinheiro de volta ao Governo. Acredito que muitas pequenas e médias empresas também tenham pedido empréstimos

Florita Alves, proprietária do restaurante macaense La Famiglia.

Florita Alves acredita que esta transformação é difícil devido às diferenças entre o consumo dentro do restaurante e as entregas, além do facto do takeaway depender das plataformas de entrega, que cobram comissões altas. “Por cada venda que faço, a plataforma fica com 20%, que tenho de cobrar aos clientes.” Por isso admite que não consegue seguir o exemplo de outros restaurantes que oferecem descontos de 60% ou 50%. “Não é uma forma saudável de fazer negócio”, afirma.

Por isso a gerente não vê grandes perspetivas futuras para o restaurante com o impacto gigantesco da pandemia: “Não foi só este surto que impactou o nosso restaurante, melhor dizendo, tudo começou em 2020, especialmente durante setembro e outubro do ano passado e janeiro deste ano. O dano agora é ainda maior porque, como resposta às recomendações do governo, deixou de haver consumo dentro dos restaurantes a 19 de junho. Inicialmente pensámos que seria algo curto, com apenas uma ou duas semanas de duração, por isso fomos cooperativos, contudo, tendo em conta a gravidade da atual epidemia, acredito que não será possível operarmos de forma normal durante muito tempo.”

Como chefe, os funcionários são altamente importantes. Em tempos de crise, além das preocupações com o negócio, é importante garantir a subsistência dos trabalhadores. Florita Alves salienta que pequenos restaurantes não querem encerrar, mas também não querem deixar o staff sem rendimentos, por isso acabam por abrir portas com relutância. “Como chefes, temos de viver com o prejuízo.”

Devido à pandemia, não quis ter muitos funcionários a trabalhar ao mesmo tempo, por isso a equipa foi dividida em dois grupos, que trabalham em turnos ao longo da semana. Florita Alves afirma: “Eu tive de dividir a minha equipa em dois grupos e pedir para que tirassem as suas férias anuais. Contudo, os dias de folga não são assim tantos, em pouco mais de duas semanas já tinham esgotado. Numa situação como esta teria de mandá-los com licença sem vencimento, apesar do salário já baixo que recebem? Estas licenças apenas criam um ciclo vicioso e empurram os funcionários para um canto.”

Dilema económico

“As medidas do governo são bem concebidas e amplas, abrangendo todos os membros da população, mas caso o governo insista nesta política “zero tolerância” acredito que não será possível abrirmos portas durante muito tempo”, Florita relembra quando se mudou para o atual local do restaurante no início de 2020, com esperança de que o surto fosse combatido com sucesso. “Apesar de termos encontrado um local com uma renda relativamente baixa, agora praticamente não a conseguimos sustentar.”

Florita Alves continua: “Perguntou se as medidas do governo nos ajudaram? Nem por isso, é um auxílio que não é sustentável a longo prazo. Estamos a sofrer com esta pandemia há cerca de três anos, o restaurante foi aberto há 5, 3 em pandemia, não vejo como será possível continuar por muito mais.”

“A atitude do governo é bastante boa, com créditos sem juros a pequenas e médias empresas, mas na verdade desde que pedimos este empréstimo que todos os dias nos preocupamos com a possibilidade de não conseguir pagar o dinheiro de volta ao estado. Acredito que muitas pequenas e médias empresas tenham também pedido empréstimos.”

A macaense receia que depois do fim da pandemia Macau não consiga voltar a ser uma “capital gastronómica” com várias lojas e restaurantes a encerrar. “Não é uma afirmação pessimista, é a realidade que enfrentamos, conseguimos ver as dificuldades que o resto da população enfrenta. Diz-se que a medida de 10 milhões poderá ser gasta em pequenas e médias empresas, mas a questão é que estes 10 milhões só nos irão aguentar durante dois meses, e depois? O que fazemos depois?” Acrescenta: “O governo alocou imensos recursos, mas também têm de encontrar um equilibro. Será que as medidas atualmente implementadas merecem os recursos nelas gastos?”

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