Eternos adolescentes

por Filipa Rodrigues
João MeloJoão Melo*

Na minha infância assistia a desenhos animados dos Looney Tunes, lia BD de Super-Heróis da Marvel, brincava na rua o dia inteiro, geralmente a jogar à bola, a andar de bicicleta e a assaltar nespereiras dos vizinhos. As brincadeiras associavam o corpo, particularmente as mãos, ao cérebro. Cresci numa época em que pilotos de corrida e toureiros podiam ser playboys num dia e cadáveres no outro. Uma destas noites esqueci-me da gelatina fora do frigorífico, de manhã estava líquida; será que volta a solidificar se a recolocar no frigorífico? Sim, confirma-se, embora me parecesse com uma textura diferente enquanto a comia mas também podia ser só psicológico. Ora ao invés de meditar previamente sobre as consequências, fi-lo depois de a ingerir e sem considerar desarranjos digestivos; pelo contrário: será que a gelatina sujeita a estas pressões moleculares desorganizou a misteriosa ordem do universo e fornecer-me-á super-poderes? E se me transformasse no… Super Jelly?

A cena desenrola-se à noite. Às escuras no escritório da grande fábrica dois homens de mascarilha e bonés aos quadrados segurando lanternas e pés-de-cabra tentam arrombar o cofre que sabem estar recheado com o dinheiro do mês para pagar aos funcionários. De repente um diz:

“-Zé, não te cheira a pêssego?
-Pêssego? Ya, agora que falas nisso…
-Oh não…
(e gritam os dois em uníssono)
-É o Super Jelly!”

Música de acção, enquanto o líquido alaranjado que se espraiava vagarosamente pelo chão solidifica-se no… Super Jelly, ta-chan!

Os larápios socam o super-herói, ouvem-se sons como “Thug”, “Pás”, “Poff” mas é como se batessem em sumaúma; o Super Jelly manieta-os, amarra-os a um cano e liga para as autoridades. Quando os carros da polícia chegam em grande algazarra o trabalhinho está feito e nem sinais de quem o realizou. Super Jelly dissolveu-se após a chamada para as autoridades, escapulindo-se pelas frestas do soalho. Sabem como é, o típico justiceiro solitário não faz questão de dar nas vistas…

É verdade, há homens que são eternos adolescentes. Manda o bom senso que quando ocupam cargos públicos se munam de adicionais cautelas para que a criatividade e voluntariedade não os leve a dar tiros no pé, uma vez que tendem a ser os seus próprios piores inimigos. Pedro Nuno Santos ficou conhecido em 2011 por defender que Portugal deveria suspender o pagamento da dívida soberana. Num jantar de Natal do PS em Castelo Branco, o então vice-presidente da bancada socialista afirmou que se estava a “marimbar para o banco alemão que emprestou dinheiro a Portugal nas condições em que emprestou”: “se não pagarmos a dívida e se lhes dissermos, as pernas dos banqueiros alemães até tremem”. Tido por muitos (quiçá mais pelo próprio) como o sucessor de Costa no castelo rosa, o homem que há 11 anos tocava marimbas enquanto dava a receita para pôr as pernas dos banqueiros a tremer transformou-se no actual Ministro das Infraestruturas e Habitação e com apenas 3 meses no cargo foi o autor da maior “bomba” deste governo: lançou um despacho respeitante à construção dos novos aeroportos de Lisboa, despacho que terá sido publicado sem o conhecimento do chefe do executivo, Presidente da República, e à revelia dos acordos anteriormente estabelecidos com a oposição.

Na minha condição de cidadão português interessado no progresso do país e utilizador de aeroportos pelo mundo inteiro, o aeroporto de Lisboa não é uma obra urgente, é “A” obra estrutural mais urgente a nível nacional. Contudo não esperem que vá opinar sobre questões técnicas; contrariamente à generalidade dos comentadores não disponho de competência para tal, julgo é que com despacho deste ou de outro ministro a obra já deveria estar “despachada” há pelo menos uma década, e acho bem que todos os partidos se envolvam na discussão porque a responsabilidade é enorme, por isso ninguém a assumiu antes, foi-se empurrando com a barriga para a frente até chegarmos à beira do precipício. Faltou coragem? Claro, é uma obra arriscada sob vários aspectos, logo a consciência pesada pela sua não realização abrange todos, e todos se devem envolver na inevitável solução. Não é possível concluir um novo aeroporto antes de 2035? Pois, a procrastinação criou o monstro: nem hoje o da Portela é funcional nem nada me garante que quando o novo estiver pronto ele não se tenha tornado num elefante branco; apesar dos múltiplos estudos e previsões no papel, o futuro pode trazer uma profunda alteração de paradigma, quer resulte de factores naturais ou da intervenção humana.

Qualquer humorista sabe que o timing é um dos principais factores que contribui para o sucesso de uma piada; todos os ângulos desta história mostram desacertos no timing, não tem graça nenhuma. A secular discussão lusitana sobre o sexo dos anjos misturou-se com a Era dos estudos de impacto de todo o género para produzir a total inércia. Na hipótese mais pura de intenções talvez Pedro Nuno Santos achasse que já se perdera excessivo tempo a engonhar; porém demonstrou não possuir talento para desengonhar e pior, se tivesse mais poder usá-lo-ia despudorada e traiçoeiramente, como se verifica ao aproveitar para agir quando Costa estava fora do país e se mudavam os líderes no PSD. Fica o aviso, gente. O ímpeto juvenil (ou simples falta de noção dos limites) originou uma cadeia de embaraçosas reprimendas do Presidente da República ao Primeiro Ministro e deste ao Pedrinho: Marcelo puxou as orelhas a Costa afirmando “o PM é responsável pelas escolhas do governo”, Costa qual paizão disse para o exterior que “houve um erro grave, está corrigido, agora é seguir em frente”, para o interior deu um humilhante puxão de orelhas ao Pedrinho, baixando-lhe a crista revogando o despacho. Por sua vez o irreverente adolescente mostrou-se arrependido da boca para fora, isto é, assumiu que errou, atribuiu a “falha” a “problemas de comunicação”… e não se demitiu, significando uma, duas ou as três seguintes hipóteses: 1- está convencido que merece mais oportunidades e sabia ser problemático para o chefe demiti-lo, 2- a cultura do erro sem consequências está enraizada no partido, ou 3- no fundo acha que teve azar, infelizes foram só as circunstâncias, podia ter pegado, e ninguém o pode acusar de não ter pelo menos tentado. Quem sabe, se calhar até julgou que prestava um bom serviço ao chefe, aproveitando a fase de transição de líderes no PSD para os entalar à sua conta, somando pontos com a iniciativa. Saiu tudo ao contrário e isto configura uma atitude que tem tanto de irresponsável como de ambição desmedida: prontifica-se a desconsiderar a importância dos compromissos e consensos, está alheado do grande plano, focado apenas na sua carreira. O Pedro é a consequência de décadas a escutar líderes de todos os partidos afirmarem que “não aceitam lições de democracia de ninguém”. Os partidos são tribos de gente orgulhosa, sem nada para aprender dos adversários, e no caso do PS é mais notório, a soberba de certos emergentes há muito que se suporta em vitórias, iriam acanhar-se porquê? Há 6 anos num governo deste partido houve inclusivamente um enfant terrible que chegou a oferecer umas “salutares bofetadas” a dois conhecidos cavalheiros da praça; no entanto honra seja feita ao Dr João Soares, pelo menos demitiu-se após esta infeliz declaração.

Não sei se ficaram claras as diferentes consequências das ambições de adolescentes palermas: uma coisa é ambicionar ser o Super Jelly, outra é ambicionar (por enquanto) ser o Duarte Pacheco do século XXI. Uma lição de arrefecimento ao ímpeto não faria mal ao jovem, olhem, como a que o Costa mas o do Castelo deu acerca do rádio: “as bobines ainda estão frias, frappé, a onda bate na lâmpada e recua, daí o som quer sair e não pode”.

*Músico e embaixador do PLATAFORMA

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