Estado moçambicano ‘ganha’ com conflito, mas o povo vai sofrer ainda mais

por Gonçalo Lopes
Gonçalo Lopes
Nyusi palop

Moçambique escolheu ser neutro na questão do conflito entre a Ucrânia e a Rússia. Haviam muitas razões para isso não acontecer, sobretudo do ponto de vista social, mas a verdade é que o equilíbrio comercial num país pobre pesou mais na balança. O presente poderá ser negro para as famílias, mas o futuro abre outras portas, salientou um especialista económico ao PLATATAFORMA

A invasão militar da Rússia à Ucrânia fez com que praticamente todo o mundo se colocasse do lado dos ucranianos, mas houve países que não tomaram partido de nenhum dos lados, como foi o caso de Moçambique, que se absteve na votação da resolução da ONU de condenação da invasão russa. Na altura o governo de Filipe Nyusi assinalou que esta decisão baseava-se nos interesses soberanos do país africano, tendo, por sua vez, pedido o diálogo para uma solução de fim de conflito. Houve quem criticasse, como os EUA, e quem elogiasse. Especialistas dizem ao PLATAFORMA, contudo, que esta posição entende-se, pois poderá beneficiar as finanças do estado, ainda que o povo possa vir a sofrer ainda mais.

A neutralidade de Moçambique muito tem a ver com a balança comercial. Ou melhor, as ligações do país africano à Ucrânia, mas também à Rússia. No final do ano passado, o governo de Nyusi abordou a questão da escassez de trigo e fertilizantes naquele país. Entretanto, já em 2022, rebentou o conflito militar. E se, em 2021, as palavras do presidente moçambicano já deixavam o alerta, pior ficou aquando da invasão, não fossem os dois países deste conflito os responsáveis por quase 20% da exportação de trigo para Moçambique.

“A guerra ainda não tinha começado, mas todo o mundo sabia que o conflito poderia ser uma realidade. O alerta de Filipe Nyusi não foi em vão, tal como a sua decisão sobre a neutralidade pode entender-se. Neste momento, Moçambique não pode abdicar das exportações da Ucrânia e da Rússia”, começou por dizer Rodrigues Gonçalves, do Instituto de Estudos Económicos de Maputo, perspetivando, contudo, mais dificuldades para a população.

“A inflação vai continuar a aumentar. Já tinha sido assim no início do ano, tendo na altura subida para mais de 10%, devido ao aumento do petróleo e dos fertilizantes e agora o aumento dos produtos alimentares irá continuar essa mesma escalada, o que afetará, sobretudo, a população mais pobre”, revelou.

Mas nem tudo são más notícias para Moçambique. Se o povo vai continuar a ter dias difíceis com o aumento do custo de vida, a verdade é que o estado moçambicano deverá sair a ganhar com este conflito. E, a longo prazo, também a população poderá beneficiar. “No presente será sempre o povo que irá sofrer as consequência deste conflito, mas no futuro tudo poderá ser diferente. Este conflito na Europa veio dar armas a outros países de outros continentes, como é o caso de Moçambique. No nosso caso, as tensões entre a Rússia e o resto do mundo poderá fazer com que a África subsaariana esteja bem posicionada para fornecimento de gás, ao contrário do russo. E a realidade é que Moçambique e a Nigéria poderão ser responsáveis por 80% dessa produção. São boas notícias para o governo moçambicano no imediato e futuras para o povo”, salientou Rodrigues Gonçalves.

Cabo Delgado poderá sair prejudicado

Se há um conflito militar entre Ucrânia e Rússia, Moçambique também passa por um há largos meses, concretamente em Cabo Delgado. E se os especialistas acreditam que este na Europa até poderá beneficiar as finanças do estado moçambicano, a questão social em Cabo Delgado poderá ser ainda mais agravada.

“É um conflito que irá prejudicar a grande maioria dos países, até as principais potências. As sanções económicas à Rússia também têm o inverso da medalha, dado que este país também é fundamental para o equilíbrio financeiro de muitos outros países. Assim, muitos desses países que têm ajudado Cabo Delgado terão agora de começar a canalizar recursos a nível interno, pensando no futuro, pois não se sabe até quando irá durar este conflito. Serão, certamente, muitos menos milhões de euros que utilizarão para a cooperação com países menos desenvolvidos”, assinalou o especialista do Instituto de Económicos de Maputo, considerando mesmo que a neutralidade de Moçambique face ao conflito poderá prejudicar ainda mais a ajuda a Cabo Delgado.

“Um dos países que mais tem tentado ajudar são os Estados Unidos e foram eles também os mais críticos face à neutralidade de Moçambique. Ainda recentemente o Sr. Embaixador dos Estados Unidos em Moçambique fez questão de relembrar que em questões humanitárias os EUA sempre apoiaram o nosso país e que agora esperavam uma resposta positiva de Moçambique face à Ucrânia. Os apoios continuam, é verdade, mas o futuro desconhecemos”, concluiu.

Estudantes querem regressar

Quando do início do conflito, mais de duas dezenas de jovens moçambicanos estavam a estudar em vários distritos na Ucrânia. O governo conseguiu retirá-los do país, mas a verdade é que praticamente todos ainda sonham em regressar para continuarem os estudos.

“Quero agradecer a proteção do povo moçambicano por nos ter ajudado neste momento. A verdade é que os nossos estudos e sonhos foram interrompidos, mas queremos continuá-los no futuro, por isso pedimos a ajuda à embaixada para que isso seja possível”, disse a estudante Keyla Chichava ao jornal Voa.

São mais de duas dezenas então os que estudam naquele país agora em conflito. Apesar do conflito, no entanto, a grande maioria elogia o que encontrou naquele país. “Nunca tivemos qualquer problema, o sistema de ensino é muito bom e estávamos ali para crescer em termos académicos e depois profissionalmente. Ninguém estava à espera disto e todos só queremos continuar os nossos sonhos”, assinalou

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