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O papel da Lusofonia na diversificação económica de Macau

Viviana ChanViviana Chan

O Governo acredita que o comércio com os países lusófonos e Hengqin são soluções viáveis para pôr fim à dependência do jogo. Latonya Leong, da Associação Comercial Internacional dos Mercados Lusófonos, e Samuel Tong, economista, consideram importante alterar a composição da economia e vêem a Lusofonia a desempenhar um papel importante. Porém, há aqueles que não partilham do otimismo, como Johnson Ian, vice-presidente da Associação da Sinergia de Macau

À luz do 2º Plano Quinquenal da RAEM, 2025 é visto como o ano em que Macau irá concretizar a “diversificação adequada da economia”. A história não é recente e a pandemia veio revelar a dependência que a RAEM ainda tem relativamente à indústria do jogo. Uma das soluções encontradas pelas autoridades para aumentar a diferenciação da atividade económica da região consiste no fortalecimento da relação com os mercados lusófonos.

O 14º Plano Quinquenal da China e o 2º Plano Quinquenal de Macau estabelecem que a cidade deve reforçar a sua função de “Plataforma de Serviços para a Cooperação Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa”. As exportações de mercadorias dos países lusófonos para Macau subiram 3,2 por cento de janeiro a novembro do ano passado, em comparação com o período homólogo de 2020. O valor exportado pelos Países de Língua Portuguesa para a RAEM atingiu 643 milhões de patacas. Já o montante importado de mercadorias de Macau para o bloco lusófono, no mesmo período, caiu 49,9 por cento, ficando-se pelas seis milhões de patacas.

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TROCA DE CONHECIMENTOS

Para o presidente do Instituto de Gestão de Macau, Samuel Tong, os mercados lusófonos continuam a assumir um papel importante na diversificação económica. O responsável sublinha que embora não haja um plano bem definido para o papel da Lusofonia na construção da Zona de Cooperação Aprofundada entre Guangdong e Macau em Hengqin, o mercado lusófono “não será excluído”, considerando até ser necessário “promover mais nesse sentido”.

Samuel Tong, presidente do Instituto de Gestão de Macau

O especialista estabelece que desenvolver a diversificação económica “serve para aumentar a capacidade de resistência ao risco” e aponta a economia de Hong Kong como exemplo, por não ter sofrido uma oscilação tão grande graças à sua estrutura diversificada. Neste sentido, considera que as barreiras para diferenciação de Macau centram- -se em duas áreas: falta de indústrias diversificadas e a pequena dimensão das mesmas.

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“Devido à dimensão do mercado de Macau, é difícil sustentar muitas indústrias, porque não há tantos consumidores. Temos que expandir o nosso mercado para fora e promover a cooperação inter-regional, até porque agora temos Hengqin”, concretiza. De acordo com os projetos de desenvolvimento definidos pelas autoridades locais, Hengqin irá fomentar áreas como circuitos integrados, informação eletrónica, biomedicina, medicina tradicional chinesa, big health e finanças modernas.

Nesse contexto, o presidente do Instituto de Gestão de Macau sugere a introdução de capitais ou tecnologias dos países lusófonos nestas áreas, referindo que “pode haver vários modos de cooperação, tanto ao nível das empresas, a título individual ou em empreendimento conjunto”. O economista considera que as empresas lusófonas podem ter peso no setor da manufatura e big health, enquanto que as pequenas e médias empresas locais podem explorar as indústrias turísticas e culturais em Hengqin.

NECESSIDADE DE REFORMAS

A pandemia afetou os negócios ligados à Lusofonia em Macau. A vice-presidente da Associação Comercial Internacional dos Mercados Lusófonos (ACIML), Latonya Leong, dá o exemplo de alguns restaurantes portugueses que “suspenderam o funcionamento por falta de clientes”. Defendendo ser “crucial ter indústrias diversificadas”, alerta também para o facto de Hengqin ainda ser um conceito “muito novo”.

Por essa razão, “os empresários lusófonos, sobretudo os mais jovens, continuam numa fase de pesquisa de mercado”. Outra questão que identifica é a constituição das empresas lusófonas, que na maioria têm dimensão familiar. Latonya Leong foi recentemente eleita como delegada na Conferência Consultiva Política do Povo Chinês de Guangzhou, tendo admitido que obteve pouco apoio para auxiliar companhias lusófonas na sua expansão em Hengqin no passado.

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Não obstante, a mesma responsável acredita que o Projecto Geral da Zona de Cooperação, divulgado em setembro do ano passado, deu um grande passo em frente. Por outro lado, a vice-presidente da ACIML recorda que foram montados canais financeiros no setor bancário entre Macau e Angola, mas devido ao aumento do número de bancos no Interior da China, que oferecem o mesmo serviço de liquidação de comércio, muitos serviços lusófonos não atraíram utentes suficientes. A responsável deseja que as autoridades possam lançar mais políticas benéficas, algo que considera vantajoso para Macau.

UM OLHAR DIFERENTE

Embora haja um crescimento significativo no volume comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa nos últimos anos, o vice-presidente da Associação da Sinergia de Macau considera que os mercados lusófonos pouco contribuíram para a diferenciação da economia local. “Macau não está a ser beneficiado por ser a plataforma comercial entre a China e o mundo lusófono. Temos que admitir essa realidade.

vice-presidente da Associação Comercial Internacional dos Mercados Lusófonos

Macau não assume o papel esperado pelo Governo Central”, salienta Johnson Ian. O mesmo responsável reitera que “continuam a existir oportunidades de negócio”, embora seja necessária uma maior exploração do potencial dos mercados lusófonos. Um dos defeitos que aponta é o atraso na atualização das informações no portal digital do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau (IPIM) – órgão principal para promover comércio com o mercado lusófono -, considerando que a interação entre os dois blocos está muito dependente da vontade e determinação dos empresários locais. Como o próprio indica, “a comunicação acontece entre as pequenas e médias empresas, que determinam o que esperam atingir e como”.

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LIMITAÇÕES DE HENGQIN

Johnson Ian mostra-se também pessimista quanto a Hengqin, revelando que “em princípio” não é contra a ideia porque a zona “pode oferecer melhores condições à população”. No entanto, acredita que “o desenvolvimento da região não vai produzir efeitos a curto prazo”.

A longo prazo, “a zona vai sofrer de uma grande incerteza”, prevê. A China já esboçou vários projetos idênticos no passado (incluindo zonas de comércio livre, zonas económicas especiais e de desenvolvimento de alta tecnologia) e “quase que não houve casos de sucesso, com muitas zonas temáticas a falhar”, relembra, apontando que “grande parte dos planos de desenvolvimento tornaram-se em projetos imobiliários e não obtiveram os frutos económicos previstos”. Johnson Ian afirma que Hengqin não possui políticas muito vantajosas comparativamente com as outras zonas de desenvolvimento no Interior da China, esclarecendo ainda que a zona assemelha- se mais “a uma economia planeada”. “O plano de desenvolvimento segue a vontade das autoridades. Temos de ver quem são os clientes”, sublinha.

LONGO CAMINHO PARA A DIVERSIFICAÇÃO

Samuel Tong especifica que Macau está a passar por um “ciclo económico”, por isso, “trata-se a atual crise como um ajustamento periódico”. “O Produto Interno Bruto (PIB) está em queda desde o primeiro trimestre de 2019, registando uma descida de dois por cento em relação a 2018. Isto acentuou-se a partir do primeiro trimestre de 2020 com a Covid-19, tendo o PIB caído 46,4 por cento comparativamente com o primeiro trimestre de 2019. Essa tendência só mudou a partir do segundo trimestre de 2021, quando se registou um crescimento, em grande parte porque 2020 foi um ano muito em baixo”, analisa. Para o economista, o ajustamento económico não foi causado pela pandemia, tendo a recessão “começado mais cedo”, em 2019, e “com uma duração de nove trimestres”.

Johnson Ian, vice-presidente da Associação da Sinergia de Macau

O mesmo responsável não acredita no fim dos tempos difíceis apesar do PIB estar em crescimento, afirmando que “não estamos a sentir a prosperidade económica”. O académico alerta ainda para o desaparecimento permanente de atividades económicas, explicando que “algumas têm estado paradas por causa das mudanças nas circunstâncias e poderão ou não recuperar”.

Para Samuel Tong, o turismo poderá ser um setor capaz de voltar à normalidade quando os visitantes puderem entrar no Território. Em termos concretos, os setores do turismo e do jogo vão “estar focados nas visitas de lazer”, sendo que as atividades de jogo “irão concentrar-se nas salas comuns e não nas salas VIP”, considera. Por outro lado, os empregados “não devem sofrer uma grande mudança em termos do nível salarial, tipo de emprego e outros fatores”. Segundo o presidente do Instituto de Gestão de Macau, a pandemia “causou mudanças irreversíveis, como a chegada da economia digital e a revisão da lei de jogo, algo que muda profundamente o setor”.

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A diversificação económica “não só pretende criar novas fontes de receita, como também visa estabilizar a economia”, realça Johnson Ian. “Macau está muito dependente do jogo, por isso, creio que a diversificação das indústrias serve para evitar grande turbulência na economia local”, esclarece. Acrescentando à crise no setor do jogo, o vice-presidente da Associação da Sinergia de Macau aponta que “o imobiliário está a gerar uma nova”.

Este setor tem “um peso de 17,6 por cento no PIB, de acordo com os dados estatísticos de 2020, sendo assim a segunda maior indústria de Macau”, enfatiza. “Este mercado está na linha vermelha e a bolha é grande. Vários dados de fontes diferentes indicam que é possível que esta bolha rebente. Se tal acontecer, vamos entrar este ano numa fase de subida das taxas de juros. Um colapso no imobiliário significa que Macau irá sofrer uma dupla crise”, alerta.

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