Uma lei eleitoral que discrimina a diáspora portuguesa

por Filipa Rodrigues
Rogério CastroRogério Castro*

Desde que a 8 e 9 de fevereiro foram contados os votos do círculo da Europa no âmbito das eleições legislativas de 2022, uma longa história se desenrolou.

Primeiro, mais de 80% dos votos deste círculo foram anulados, na sequência de um protesto do PSD sobre a ausência de documentos de identificação a acompanhar uma parte dos votos. Depois, partidos como o Pessoas-Animais-Natureza recorreram da decisão de anulação junto do Tribunal Constitucional (TC). E, finalmente, veio o TC determinar a repetição do ato eleitoral no círculo da Europa. Que comece, então, a repetição das eleições neste círculo – mesmo que sob a vigência de uma lei eleitoral que ainda discrimina a diáspora portuguesa!

Sucede que o artigo 13º da lei eleitoral relativa ao número e distribuição de deputados na Assembleia da República presenteia-nos com um fator discriminatório que redunda na subrepresentação da diáspora portuguesa no parlamento. Segundo aquele artigo, no território nacional são eleitos 226 deputados, distribuídos proporcionalmente de acordo com o número de eleitores de cada círculo. Por outro lado, a lei eleitoral fixa arbitrariamente que nos círculos da emigração (Europa e Fora de Europa) apenas são eleitos 2 deputados por cada círculo independentemente do seu número de eleitores. Com esta premissa, vemos que o círculo da Europa com 926.376 eleitores elegerá apenas 2 deputados, enquanto o círculo de Braga, em comparação, com menos eleitores (776.539 inscritos) elege muitos mais deputados (19 mandatos).

Embora os deputados eleitos à Assembleia da República representem a nação como um todo e não os círculos pelos quais são eleitos, não podemos continuar a defender uma lei eleitoral que resulta num claro prejuízo para a democracia, ao invés de salvaguardar a igualdade no peso do voto por todas as pessoas, estejam elas a viver em território nacional ou na diáspora.

Paralelo à subrepresentação da diáspora portuguesa no Parlamento, surge a questão de que historicamente, com o atual modelo, apenas os maiores partidos conseguem eleger deputados na emigração. Assim, milhares de votos em partidos mais pequenos não são, simplesmente, convertidos em mandatos.

Resultados muito diferentes teriam sido produzidos se tivéssemos um modelo diferente de círculos eleitorais, tal como defende, aliás, o PAN. Um modelo assente numa redução dos atuais 22 círculos, previstos no artigo 12º da lei eleitoral, para apenas 10 – unindo-se a diáspora em apenas um círculo de emigração e criando-se um círculo de compensação. Com esta reforma, existiria um aumento abrupto no número de votos convertidos em mandatos. Aliás, utilizando-se este modelo nestas eleições, PS e PSD teriam menos deputados – o PS não teria sequer maioria absoluta neste momento – e os demais partidos teriam mais deputados, sendo que o CDS-PP e o RIR, que não conseguiram nenhum deputado, teriam conseguido eleger.

Uma tal alteração de modelo garante maior representatividade e círculos capazes de agregar as especificidades territoriais das diferentes regiões, a indispensável ligação dos deputados às populações pelos quais foram eleitos, bem como uma maior correspondência entre a vontade expressa pelos cidadãos e a composição do hemiciclo. Resta saber se, como se sucede com o PAN, as outras forças partidárias estarão disponíveis para ouvir a população através de uma assembleia de cidadãos e dar este passo em prol de uma democracia mais participada, viva, plural – e que sobretudo não discrimine a diáspora portuguesa.

*Cabeça de lista do PAN pelo círculo eleitoral da Europa

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