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Quem são os locais? A questão da segunda geração de imigrantes em Macau

Lok Un WaLok Un Wa*

Como definir um “local de Macau”? Alguém que nasceu, estudou e cresceu aqui, que fala fluentemente Cantonês e compreende a cultura do Território? Quem preenche todos os requisitos acima mencionados é um “local”? A verdade é que isso não chega. Carl nasceu e cresceu aqui e faz parte da segunda geração de uma família de imigrantes das Filipinas. No entanto, a sua identidade sempre o deixou confuso. Como se encontra o equilíbrio entre a preservação das nossas raízes e a integração na cultura de Macau?

NASCIDOS E CRIADOS EM MACAU

Os seus pais conheceram-se nos anos 90, quando vieram trabalhar para Macau. Carl nasceria em 2002. Devido à barreira linguística, não houve muitas opções a seu dispôr no que diz respeito à sua educação, mas os pais queriam que aprendesse a língua local e que se integrasse culturalmente. Por essa razão, inscreveram-no numa escola luso-chinesa, onde a principal língua de ensino era o Chinês, mas também se aprendia Inglês e Português.

Segundo Carl, quase 80 por cento dos alunos nessa escola eram filipinos de segunda geração, como ele. Havia também alguns macaenses e chineses. Em casa falava Tagalog; na escola estudava Chinês, Inglês e Português. Tal como os seus colegas filipinos, a comunicação baseia- se numa mistura de várias línguas. Entre gargalhadas, conta: “Uma vez eu e a minha irmã mais nova estávamos a discutir em Chinês, mas a minha mãe não conseguia entender, por isso continuámos a gritaria em Tagalog”.

A QUESTÃO DA IDENTIDADE

Crianças como Carl, criadas no seio de uma família de imigrantes, sofrem frequentemente de problemas de identidade, pelo choque de culturas. Antes da pandemia, Carl viajava regularmente para as Filipinas para visitar a família. Fala Tagalog fluentemente, mas é um estranho no país. Durante um festival cultural na sua universidade, foi convidado a apresentar a secção filipina, mas na hora de aceitar, hesitou. “Na verdade, não conheço muito bem”, admitiu. Embora a família lhe tenha ensinado a nunca esquecer as suas raízes, é inevitável que se sinta mais familiarizado com a cultura e sociedade local. “Sinto que sou de Macau”, reitera. Cresceu a ver filmes de Hong Kong e a ouvir música em Cantonês tal como qualquer outro local (até cantarolou algumas).

Mas apesar das evidências, não consegue justificar a definição que lhe possam atribuir de “local de Macau” – visto que não possui um Bilhete de Identidade de Residente (BIR), apenas passaporte filipino. De acordo com o Artigo 4º da Lei n.º 8/2002, que estabelece o Regime do bilhete de identidade de residente de Macau, após o nascimento de uma criança na região, os pais podem requisitar o bilhete de identidade de residente, mas apenas se possuirem uma “Autorização de Residência” ou bilhete de identidade de residente válido. Os pais de Carl, que trabalham como Trabalhadores Não Residentes (TNR), segundo a lei – independentemente de há quanto tempo trabalham em Macau -, estão apenas a “viver” na cidade e não a “residir”. O direito à residência de Carl está completamente dependente do “cartão azul” dos pais. Quer isto dizer que, caso estes percam o emprego e ele não consiga entrar numa universidade em Macau, terá de abandonar a cidade onde vive há 20 anos e regressar a uma “casa” que não conhece.

EXPLORANDO AS QUALIDADES MULTICULTURAIS

Sem um estatuto de “residente” reconhecido de forma legal, Carl precisa de lutar muito mais do qualquer colega que não seja imigrante para viver, estudar e trabalhar aqui. Talvez devido à pressão que sente pela incerteza do seu futuro, ao falar com Carl sentimos que é mais culto e maduro que outros jovens da sua idade. O próprio admite que gostaria de trabalhar para ajudar a sustentar a sua família, lamentando o facto de ser ilegal trabalhar em Macau com um visto de estudante. Depois de acabar os estudos, gostaria de cá ficar a trabalhar, contribuindo para a sociedade e pondo em prática tudo o que aprendeu ao longo dos anos. Contudo, a prioridade na contratação está a ser oferecida a locais. Por isso, precisa de dar o seu melhor e tornar-se num profissional qualificado para poder viver e trabalhar em Macau como TNR.

O seu contexto justificou a sua constante dedicação aos estudos, tendo sido premiado recentemente com uma bolsa universitária que cobre totalmente as suas propinas. Este possível talento, falante de quatro línguas, tem a vantagem de ser recipiente de uma bolsa pelo seu histórico multicultural, mas parece não haver espaço para Carl em Macau. Como podemos tirar o melhor partido destas qualidades multiculturais da segunda geração de imigrantes?

*Presidente da Associação de Intercâmbio Linguístico e Promoção Cultural (LECPA)

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