Desvendando o mistério da Mansão Chiu

por Mei Mei Wong
Carol LawCarol Law
mansão chui Macau

A casa do Mandarim e a casa de Lou Kau são edifícios históricos que todos já devem ter ouvido falar, mas e a Mansão Chiu? Este é um património histórico que o Instituto Cultural (IC) adquiriu em meados de 2021 por oito milhões de patacas. Contudo, a aquisição foi apenas revelada no final do mês passado, causando grande discussão entre a comunidade. A população, preocupada com o seu valor histórico, receia que sejam repetidos os mesmos erros de restauração de outros monumentos

QUEM ERAM OS CHIU?

A Mansão Chiu está localizada na Travessa da Porta, nº24, perto da Rua dos Mercadores e de acordo com o registo oficial da mesma, é uma propriedade privada inserida numa área de 56 metros quadrados. Foi adquirida e registada em nome do IC em novembro passado, sendo que o nº26 da Travessa da Porta, em frente à mansão, ainda não possui registo. Segundo as histórias que se contam, o proprietário desta mansão fazia parte do clã Chiu, da povoação de Mong-Há, que se mudou depois para a Travessa da Porta quando a sua casa foi destruída por ventos fortes.

No nº26 está localizado o templo ancestral desta família e no nº24 foi construída uma casa para servir de residência. Em 2012, foi ainda emitida uma planta de alinhamento oficial para o terreno nº24, de acordo com a Rede de Informação Cadastral de Macau. Os requisitos exigiam que a fachada fosse preservada, assim como a sua altura, volume, disposição do interior e exterior do edifício, e que a renovação da fachada e decoração interior fosse feita de acordo com as suas características e materiais originais. Este plano teria também de ser aprovado pelo IC.

Travessa da Porta, nº26, perto da Rua dos Mercadores
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A maior referência da família Chiu é a famosa história de “Pai e filho aprovados no exame imperial”. Durante os reinados de Qianlong e Jiaqing, da dinastia Qing, consta que a 25ª e a 26ª gerações do clã Chiu, Chio Un Leok e Chiu Vun Ching (pai e filho), tiveram grande sucesso na área da ciência e tecnologia de Macau. A primeira escola privada em Macau foi também fundada por estes dois homens que se encontram no templo familiar dos Chiu. Alguns registos orais afirmam ainda que um dos alunos de Chiu Vun Ching, Bao Jun, se tornou jinshi (grau mais alto do exame imperial da China) durante o reinado do imperador Daoguang, da dinastia Qing.

É até referido que esteve envolvido no planeamento do assassinato do Governador Pedro Alexandrino da Cunha. Vários artefactos sugerem que a família possuía uma relação próxima com as Treze Fábricas de Guangzhou durante a dinastia Qing, provando que a sua influência não se limitava a Macau.

Em entrevista ao PLATAFORMA, a vice-presidente executiva da Associação de História Oral de Macau afirma que segundo a genealogia da família Chiu, os Chiu de Mong-Há eram descendentes do imperador Taizong of Song, Zhao Guangyi, ou seja, a 22ª geração de descendentes que se mudou para Macau em 1644. Segundo Chan Sok I, estes esforçaram-se imensamente nos estudos, e membros da 23ª e 24ª geração, por exemplo, receberam até títulos oficiais de mérito pelo Governo.

“Chiu Vun Ching era também comendador em Macau, envolvido em vários assuntos internos da cidade, fiscalizando diretamente o Governo ao longo deste processo”, explicou. Leia também: IC promete estudar “mapa histórico” De acordo com a “Cronologia da história de Macau do século XIX”, em 1818 houve um incêndio na Rua dos Mercadores que afetou 89 lojas da zona.

Chiu Vun Ching juntou-se então a uma série de pessoas para escrever uma carta ao magistrado do condado de Xiangshan, queixando-se de que toda a área desde a Rua dos Mercadores até à Rua dos Ervanários estava coberta de lojas e era necessário organizar atividades de consciencialização sobre incêndios. “Chiu Vun Ching dava ainda imensa importância ao uso privado de edifícios e propriedades públicas. Na altura, os portugueses estavam a colaborar com chineses na ocupação privada de terrenos para alargar a sua influência e Chiu pedia que o Governo local tivesse consciência da severidade da situação para salvaguardar a autoridade de Qing sobre o Território. Tudo isto prova que a família Chiu fez parte do desenvolvimento social de Macau e deixou a sua marca”, conta.

“PRESTAÇÃO DO GOVERNO FOI INSUFICIENTE”

A Mansão Chiu não é património protegido, nem faz parte do Centro Histórico de Macau. Pouca é a informação sobre o edifício na Internet. Leong Wai Man, nova diretora do IC, explica que a família Chiu contribuiu imensamente para a evolução da educação local. A aquisição da sua mansão histórica, construída em meados do séc. XIX, foi iniciada há alguns anos apenas após consulta com o Conselho do Património Cultural (CPC).

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Espera-se que através da restauração do edifício seja preservada a sua estrutura original e oferecida à população a oportunidade de experienciar a arquitetura de mansões daquele tempo, promovendo educação sobre a tradição chinesa. A aquisição do Governo diz respeito ao edifício, negociada com o proprietário com base no valor de mercado da altura, tendo sido concluído que oito milhões de patacas era uma quantia razoável para um imóvel daquela dimensão. O IC irá primeiro avaliar a condição da estrutura e anunciar posteriormente um plano. Segundo o Jornal Cheng Pou, o IC consultou o CPC “antes da compra da Mansão Chiu”.

Contudo, não é feita menção do facto de a imprensa não ter sido informada, nem de qualquer ‘comunicado oficial pós-compra’. Leia também: Desenvolvimento urbano em Macau pouco claro O mesmo jornal pesquisou ‘Mansão Chiu’ e ‘Travessa da Porta’ no website do IC, porém não obteve quaisquer resultados. Ao pesquisar no website do Gabinete de Comunicação Social do Executivo, não houve qualquer nota relacionada do CPC nos últimos cinco anos.

No entanto, é referido que a consulta com o Conselho concluiu que a Mansão Chiu tinha valor cultural, mas porquê?

Ron Lam

Ron Lam, membro da Assembleia Legislativa (AL), acredita que é necessário avaliar todo o processo de decisão. O mesmo relembra que apenas após inquisição por parte da Comissão é que o Governo explicou os gastos desta compra, afirmando que o CPC foi notificado. Um “exemplo muito mau” de uma aquisição de património cultural por parte do Executivo, considera. O deputado esclarece ainda que apesar das aquisições públicas em sigilo poderem evitar o aumento de preço das propriedades, a população não foi informada do acontecido mesmo após a compra ter sido efetuada. “Não consigo imaginar uma razão válida para esta decisão do Governo”.

Para Ron Lam, cabe ao Executivo fazer comunicados públicos sobre estas situações, principalmente existindo a possibilidade de o mesmo problema surgir no futuro. “A Comissão da AL encontrou-se à porta fechada e só depois de inquirir é que soube da compra. Temos o direito de estar informados e de discutir melhores formas de supervisionar”, conclui.

REVITALIZAÇÃO PRECISA DE APOIO

O restauro de vários monumentos em Macau, como a Antiga Farmácia Chong Sai, o Pátio da Eterna Felicidade ou o Posto do guarda-noturno no Patane, na sua maioria servirão como espaços de exposição permanentes, mas a sua história não é devidamente apresentada. No segundo trimestre de 2021, as visitas culturais cresceram em comparação a 2019 e 2020.

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Porém, números das autoridades revelam que mais de 20 por cento dos residentes não visitam certos locais por “já os terem visitado”, superior aos 11,9 por cento que não visitam “devido à pandemia”, seguindo-se aqueles que não têm interesse ou tempo. Matias Lau, vice-presidente da Associação para a Reinvenção de Estudos do Património Cultural de Macau, acredita que “dificilmente poderemos depender exclusivamente do Governo”, acrescentando que “a participação da comunidade é necessária”.

“A vantagem da abordagem da revitalização e atividades de exposição do Governo é a sua estrutura sistemática à preservação cultural. Por outro lado, é demasiado homogénea. O resultado final é uma exposição permanente que carece de novas ideias e deixa um impacto gigantesco nos fundos públicos”, especificou.

Matias Lau

O mesmo diz que existem muitos outros monumentos nos arredores da Mansão Chiu, como o Posto do Guarda-noturno no Patane, a Sede da Associação Seong Ká Môk Ngai de Macau e a Casa de Penhores Tak Seng On, “que podem ser ligados numa rota histórica de promoção à forma tradicional de vida chinesa, direcionada tanto a locais como turistas”.

Para Chan Sok I, com base em experiências passadas, poderá ser criado um tema educacional neste local para atrair encarregados de educação, crianças e estudantes, sem qualquer receio de falta de interesse. A vice-presidente espera que após o restauro da Mansão Chiu e a sua abertura ao público, para além das tradicionais ‘tours’ e workshops culturais, seja ainda criada uma biblioteca sobre a história da evolução da educação desta família. Poderão ser organizadas discussões regulares sobre tópicos educacionais, convidando até académicos de regiões vizinhas para estudarem o local e tomar a história do “Pai e Filho aprovados no exame imperial” como direção principal.

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