“As pessoas tendem a esquecer-se do que havia em Macau em 2002”

por Guilherme Rego
Guilherme RegoGuilherme Rego
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O Governo de Macau vai optar pela continuidade do número de operadoras existentes. Esta é a opinião de Pedro Cortés, advogado e sócio do escritório Rato, Ling, Lei & Cortés. No entanto, alerta para possíveis alterações que enfraqueçam a competitividade do mercado, ao afastar os investidores internacionais, lembrando que a atual indústria do jogo permitiu à cidade um crescimento económico sem precedentes e continua a ser “o grande (talvez único) motor económico da Região”. Quanto à introdução da moeda digital como método de pagamento, diz que a possibilidade “pode salvar a indústria e afastar a corrente abolicionista”

-Relativamente ao número de concessões, a maioria das opiniões recebidas (43,8 por cento) acredita que deve haver seis, pois assegura a estabilidade social e emprego dos profissionais do setor do jogo, favorecendo assim o desenvolvimento sustentável do setor e a estabilidade das receitas fiscais do Governo. Há quem entenda que o número deve ser superior ou inferior a seis. Qual é a sua posição?

Pedro Cortés – Penso que o Governo irá ponderar a conjuntura atual e optar pela continuidade do número de operadoras existentes, acabando com a figura das subconcessões e alterando o número 2 do artigo 7º da Lei 16/2001. Talvez “baralhe e dê de novo” provavelmente às que já estão e têm experiência no mercado. Mais interessante será perceber quais as alterações na estrutura acionista dos que cá estão e se haverá a tentação de algumas das operadoras de ir a jogo em conjunto. Refira-se que algumas delas já participam no capital de outras, ainda que com as limitações impostas pela Lei 16/2001. Mas podemos ter surpresas não obstante o Governo preferir manter o status quo. Mudanças no número de operadoras (6), nesta altura, podem não ser o melhor para Macau, mas não deverão ser totalmente descartadas, tendo em vista a política pública centrada na diversificação que finalmente parece estar em marcha ao fim de vários anos.

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– Quanto ao prazo das concessões, atualmente de vinte anos e sujeito a prorrogação por mais cinco, apesar da maioria (42,1 por cento) entender que o prazo deve ser reduzido, grande parte (32,8 por cento) prefere a manutenção do atual. Há vantagens em reduzir o período atual? Poderão os investidores desinteressar-se?

P.C. – Tudo depende das políticas públicas e daquilo que se pretende para indústria. Se a ideia é, de acordo com a Zona de Cooperação Aprofundada em Hengqin, diminuir o peso do jogo na economia, talvez a opção seja ter um prazo mais curto. Mas sendo esse o caso, naturalmente que não se conseguirá atrair novos investidores. Tenho muitas dúvidas que, na circunstância atual, Macau ainda seja um mercado atrativo para os investidores internacionais, sobretudo para os que não estão cá. Por outro lado, estou muito cético com o futuro da indústria do jogo em Macau. Alguns sinais vão no sentido daquilo que já o Governador Tamagnini Barbosa pretendia em 1929: “abolir certas formas de receita” onde estava incluído, a par do ópio, o jogo. Espero estar errado – até porque uma indústria de entretenimento à semelhança de Las Vegas, onde o jogo representa apenas 25 por cento das receitas, ainda pode ser alcançada.

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– Acredita que a revisão da lei do jogo significa o fim do regime de subconcessão?

P.C. – O “regime” da subconcessão autónomo para a área do jogo nunca existiu. Foi uma solução inteligente e possível saída da cabeça do Dr. Jorge Costa Oliveira para solucionar um problema concreto entre uma adjudicatária da concessão que veio a ganhar uma das concessões e a sociedade gestora com que se apresentou a concurso. Depois foi, e bem, uma solução replicada nas outras concessionárias. Até porque ninguém pensou, em 2001, que o mercado seria o que veio a ser. A solução é juridicamente defensável, não obstante todas as dúvidas que se levantaram ao longo dos anos. A revisão da lei do jogo poderá, de uma vez por todas, proibir a figura da subconcessão para esta área concreta.

– O aumento do capital social detido pelo administrador-delegado que seja residente permanente da RAEM pode desincentivar o investimento estrangeiro? Entende que se deve balizar entre 20 a 50 por cento?

P.C. – O aumento do capital social detido pelo administrador-delegado é uma questão que poderá ter ou não impacto, dependendo daquilo que são os direitos económicos das ações por eles detidas. Em teoria, podemos ter 99 por cento do capital de uma concessionária para a exploração de jogos de fortuna ou azar detidos pelos administradores-delegados e, no final, quem recebe o sumo da operação – que são dividendos – são os que detêm 1 por cento. Na altura em que a medida foi implementada parece-me ter sido a melhor opção. O Governo pretendia alguém com quem dialogar e nada como ter um residente permanente para esse efeito. Hoje tenho as minhas dúvidas, compreendendo o espírito de uma norma desse tipo.

– A proposta do Governo para a distribuição de lucros a acionistas – mediante preenchimento de requisitos específicos e autorização prévia do Governo interfere com o princípio do mercado livre? Quais são as consequências de estabelecer este limite?

P.C. – Interfere e, como se viu, causou nervosismo nos mercados internacionais. Talvez esse impacto fará com que o Governo pondere se uma medida desse tipo não afastará ainda mais os investidores internacionais. Ou então pode ser apenas como se diz na arma de cavalaria “o cavaleiro nunca recua, dá meia-volta e segue em frente”. Não tenhamos dúvidas que o maior mercado de jogos de fortuna ou azar até 2019 só chegou a este ponto porque teve capacidade de atrair empresas internacionais de gabarito ao concurso de 2001. E, antes disso, em 1961, teve a capacidade de atrair o Dr. Stanley Ho e os seus sócios Teddy Yip, Yip Hon e Henry Fok para o concurso que veio a modernizar Macau, sempre na esperança de ganhos com a operação e com uma contribuição decisiva para o desenvolvimento da cidade. Isto, claro, sem esquecer a política do visto individual implementada pelo Governo Central a partir de 2003, a qual, mais do que qualquer política pública, foi o elemento central de todo este desenvolvimento. Há outras formas de chegarmos ao mesmo desiderato. Por exemplo, obrigar que uma determinada percentagem dos lucros seja reinvestida na operação ou em projetos que o Governo considere importantes para a Região. Atenção que as operadoras têm investido fortemente em Macau. Foram e, até ver, continuarão a ser o grande (talvez único) motor económico da Região. As pessoas tendem a esquecer-se do que havia em Macau em 2002 e o que temos hoje em termos de oferta.

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– O cumprimento de responsabilidades sociais mais rigorosas pode levar ao enfraquecimento da competitividade no mercado internacional?

P.C. – Em qualquer economia normal, metade dos trabalhadores do jogo já teria visto cessado o seu vínculo laboral. As concessionárias andam num frenesim, quase uma “feira das vaidades” a pôr ênfase na responsabilidade social, mas parece-me que deveriam indicar que se têm mantido fiéis a Macau e cooperantes com a política de estabilidade do emprego da RAEM. Há sempre espaço para melhorar e não podemos falar de diversidade económica sem as concessionárias. Não podemos falar em desenvolver o sistema de educação pública e a criação de oportunidades de emprego qualificado, atraindo novos talentos (e retendo os que cá temos), sem as concessionárias. Pena que, nalguns departamentos, se prefira pôr umas vendas nos olhos e alhear-se da realidade. Tivemos e temos talentos internacionais em diversas áreas dos resorts integrados que podem ser desperdiçados se a política de fixação de residência não for mudada. Criação de um destino internacional de turismo, cultural e de entretenimento de classe mundial? Quem mais do que as nossas concessionárias para o fazer? Inovação? Contribuição para o bem-estar? Um crescimento sustentável do mercado do jogo é possível com políticas, medidas e objetivos inovadores que contribuam para o desenvolvimento de todas as áreas de uma sociedade, criando igualdade e diminuindo o fosso entre ricos e pobres. As operadoras estão e sempre se demonstraram disponíveis para isso. Agora não podemos esquecer que numa economia de mercado o objetivo final é o lucro.

– Relativamente à responsabilidade criminal, em retrospetiva dos últimos 20 anos, o que precisa de ser melhorado?

P.C. – Mais do que implementar medidas – não esquecer que a receção ilegal de depósitos é punida desde pelo menos 1993 – é preciso fiscalizar as atividades. Se o Governo tinha meios para prevenir o que aconteceu? Bem, aí tenho as minhas dúvidas. Veja-se que houve no ano passado uma alteração na “lei orgânica” da DICJ que prevê um reforço significativo dos quadros. Macau é das poucas jurisdições do mundo que cumpre com todas as 40 recomendações da Financial Action Task Force. Justiça seja feita a todos os envolvidos neste processo que dura há duas décadas, em especial ao Gabinete de Informação Financeira. Mas de que vale ter isto no papel se depois na prática continuaram a acontecer situações dúbias, pouco claras e sem fiscalização.

– Fora do âmbito da consulta pública, há quem defenda que a segurança nacional deve ser priorizada na revisão da lei vigente. Em que medida?

P.C. – Faz parte das, em linguagem futebolística, “defesas para a fotografia”. A segurança nacional nunca esteve em causa em Macau e, felizmente para todos nós residentes, não parece que algum dia vá estar. Temos uma Lei de Segurança Nacional que nunca foi aplicada pelo que, pode concluir-se com certeza, que cumpriu os seus propósitos. Os que falam em segurança nacional neste campo parecem-me mal informados ou apenas têm o enorme desejo de ser, por vezes, mais papistas que o próprio Papa. A responsabilidade política do Governo é fazer-nos sair desta crise pandémica, ter um plano claro para a abertura das fronteiras e diversificar a economia para alcançarmos uma sociedade moderadamente próspera. Se a ideia das sugestões nessa matéria é: são empresas estrangeiras e, por isso, uma ameaça à segurança nacional, talvez fosse interessante perceber o que essas empresas fizeram por Macau e pelas suas gentes, quem são os acionistas últimos de muitas destas empresas. A conclusão poderá ser que estes são fundos de investimento cujas participações são, em última análise, detidas por bancos ou sociedades financeiras nacionais. Para mim é uma falsa questão e que não deverá ter discussão neste foro. Queremos um destino turístico de classe internacional? Temos de ter aqui os melhores. E alguns dos que são os melhores até já cá estão e devem continuar.

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– Dado o número reduzido de visitantes nos últimos dois anos, devido à pandemia da Covid-19, há quem proponha uma redução do imposto sobre o jogo. Concorda?

P.C. – Nesta altura falar em redução dos impostos é utópico até porque a receita está muito aquém do esperado. No entanto, parece-me possível incluir nos contratos de concessão futuros uma diminuição do imposto sobre o jogo ou de outras contribuições, em consonância com os esforços de diversificação. Por exemplo, se uma concessionária demonstrar que as suas receitas consolidadas com base nos elementos não relacionados com o jogo aumentam e que o agregado da mão-de-obra não relacionada com o jogo é proporcional a essas receitas, então as contribuições que podem chegar a 4 por cento da receita bruta de jogo poderiam diminuir ou mesmo desaparecer.

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– O jogo online e a introdução de pagamento por meios eletrónicos e moeda eletrónica podem ser introduzidos no futuro? Do ponto de vista legal, quais são as principais razões para a hesitação em implementar estes mecanismos?

P.C. – Não obstante o ‘boom’ a nível global do jogo online, Macau parece fugir como “o diabo da cruz” dessa possibilidade. Não é fácil chegar a opiniões definitivas sobre o assunto. Consideramos que é sempre melhor regular do que ter um mercado não regulamentado que leva à ilegalidade, áreas cinzentas e a fortiori, um aumento das taxas de criminalidade que de outra forma poderiam ser evitadas. Deve ponderar-se levando sempre em conta o desenvolvimento sustentável. Mas a diversificação da oferta de apostas desportivas por parte das concessionárias pode ser considerada. Relativamente à moeda digital, é um dos meios que pode salvar a indústria e afastar a corrente abolicionista dos seus intentos. Com a introdução do yuan digital, os governos central e local poderão controlar a fuga de capitais, limitando o montante que pode ser apostado num determinado período de tempo. Mas, antes disso tudo, é preciso de uma vez por todas definir o que se quer em termos de política pública para que não tenhamos um fantasma de hotéis vazios e antigas salas de jogo transformadas em museus a pairar no próximo ciclo económico. É também importante considerar que a geração dos Millennials não considera as salas de jogo tão atrativas como a Geração X. O mesmo se aplicará certamente à Geração Z. Tudo isso tem de ser ponderado e planeado para que o futuro da nossa terra seja moderadamente próspero.

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