Serviços de saúde públicos pressionam clínicas privadas

por Guilherme Rego
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Macau saúde

Embora a grande maioria dos residentes locais tire partido dos serviços de saúde pública da região, médicos acreditam que estes poderão transformar-se num fardo cada vez maior, na medida em que retiram mercado às clínicas privadas. Chan Iek Lap, deputado da Assembleia Legislativa (AL) e também profissional de saúde, salienta que o desenvolvimento do setor público deve ser direcionado para a medicina de prevenção e educação sobre a saúde pública, em vez de oferecer os mesmos serviços que o privado

PRESSÃO SOBRE CLÍNICAS PRIVADAS

Dra. Leung, abriu uma clínica em 2004, relata que a pandemia reduziu em mais de metade o número de pacientes relativamente ao ano de 2019. A médica estima que apenas um quarto dos doentes escolhe a sua clínica, especialmente depois dos Serviços de Saúde de Macau (SSM) apelarem a que as clínicas privadas suspendessem os seus serviços e reportassem doentes com sintomas de Covid-19 às autoridades para que estes fossem testados, entre outras medidas de precaução. O deputado Chan Iek Lap gere uma clínica privada há 23 anos. Para o membro da AL, o grande obstáculo é a competição com os centros de saúde gratuitos.

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Em Macau, as regulamentações são mais restritas para as clínicas privadas, segundo o presidente da Associação Geral do Sector da Medicina de Macau. Um dos exemplos que refere é o facto de não ser concedida autorização para fornecer serviços de assistência durante a gravidez, isto porque as autoridades acreditam que existe o risco da prática de serviços ilegais que violem a ética profissional.

Centro de Saúde na Areia Preta

O deputado explica que em casos de violação desta ética, a maior punição implementada é o cancelamento da licença médica dos profissionais envolvidos, mas que esta possibilidade não deve impedir que se ofereçam diferentes serviços. “O setor público deve ser desenvolvido no sentido de preservação da saúde pública, priorizando a medicina de prevenção e a educação pública.

O tratamento médico não deve ser o seu foco principal, e não devem ser oferecidos os serviços já praticados pelas clínicas privadas, nem desenvolvidos novos produtos e serviços que compitam com esse setor”, defende. Além da pandemia, Ho Iat Seng, Chefe do Executivo partilhou com a AL que a abertura do Complexo de Cuidados de Saúde das Ilhas e do Edifício de Especialidades, juntamente com uma boa equipa médica e instrumentos de qualidade, terá um “impacto relevante” no funcionamento das clínicas, atesta.

Por sua vez, Dra. Fung, que trabalha atualmente numa clínica privada, acredita que não é apenas o setor privado que irá sofrer com a inauguração do Complexo, criticando a vontade do Governo de alargar os serviços publicos de saúde. “Os gastos públicos na saúde só continuarão a crescer.

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Tanto cidadãos sem dinheiro como aqueles que o têm escolhem centros de saúde públicos, mesmo que o Governo queira reduzir os custos, não vai conseguir”, prevê. Formada em Medicina Familiar pela Universidade Chinesa de Hong Kong, a Dra. Leung sublinha que os médicos de cuidados primários do setor privado conseguem não só oferecer serviços de medicina familiar e tratamento de pacientes, como também seguir o seu historial familiar para um diagnóstico profundo.

“Há três anos recebi uma criança com febre alta, seguida do resto dos familiares também com o mesmo sintoma. Era óbvio que toda a família tinha sido infetada pelo mesmo vírus. Caso uma família seja vista por vários médicos num centro de saúde público, a raiz do problema pode não ser encontrada”, salienta. 

COMO REFORMAR O SISTEMA DE SAÚDE?

Segundo a informação fornecida pelos Serviços de Saúde, o Governo investe anualmente cerca de 400 milhões de patacas no seu programa de comparticipação dos cuidados de saúde. Contudo, os médicos entrevistados afirmam que o ‘voucher’ de 600 patacas não beneficia muito as clínicas privadas. Segundo a Dra. Fung, a maioria das pessoas constipadas ou com gripe escolhe centros de saúde, enquanto outros poderão usar os ‘vouchers’ para limpeza dentária ou clínicas privadas de Medicina Tradicional Chinesa.

Além disso, a Dra. Leung prevê que os preços dos medicamentos irão continuar a aumentar pelo menos 5 a 7 por cento todos os anos, levando a ajustes nos preçários das clínicas. No entanto, o valor dos ‘vouchers’ não é alterado há anos, refere, esperando que se possa açargar o espetro.

“Por exemplo, estudantes e idosos já usufruem de subsídios para o Hospital Kiang Wu. Porque não considerar oferecer a um determinado grupo um auxílio entre 50 a 80 patacas para que estes possam escolher médicos do setor privado e aliviar alguma da pressão dos centros de saúde e hospitais públicos?”, questiona.

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Ho Iat Seng salienta que atualmente os gastos anuais do sistema de saúde público rondam as 10 mil milhões de patacas. Chan Iek Lap explica que esta quantia gigantesca se deve ao facto de o Governo ter de cobrir um número alargado de serviços médicos. Todavia, considerando a atual situação económica, reduzir o recurso dos residentes ao setor público iria controlar os gastos. O profissional salienta que as clínicas privadas são igualmente capazes de oferecer serviços de cuidados médicos primários e de tratamento de doenças crónicas.

Sugere também que para cidadãos entre os 55 e 64 anos, vítimas de doenças crónicas, mas que não se qualifiquem para tratamentos gratuitos ou subsidiados, seja criado um programa piloto de seguro de saúde. “Se o Governo alocar parte dos seus recursos de saúde públicos para um sistema de seguro de saúde universal, financiando 50 por cento ou dois terços do mesmo, cerca de 200 a 300 mil pessoas já não vão ter de ficar na lista de espera do setor público. Para Chan Iek Lap, a reforma do sistema de saúde pode ainda ser feita a outros níveis.

“Membros do Governo afirmam que os seguros não cobrem certas doenças, mas já calcularam a maioria dos doentes em Macau durante o ano? Doentes de doença comum? A incidência de cancro ou de certas patologias é de apenas algumas centenas, não podemos basear-nos nestes dois casos para negar de imediato a possibilidade de um sistema de seguro universal. O Governo pode criar um sistema de garantias, já que tem acesso ao número de pacientes com transplantes de fígado e rim, tratamentos de cancro e hemofilia, etc”, reitera.

Ho Iat Seng pretende uma reforma nos serviços de saúde baseada no desenvolvimento de serviços especializados e da indústria da saúde no geral, contando ainda com uma série de profissionais recém-formados para aprender com a sua experiência no tratamento de doenças e infeções de risco através do programa do Peking Union Medical College Hospital. 

Com mais de 15 anos de experiência, a Dra. Fung admite estar disposta a receber formação de especialização, porém, relembra que antes da criação de um programa de formação como este, o sistema de especialização em Macau era diferente – vários médicos formavam-se no exterior e muitos médicos de clínicas privadas não tinham as qualificações necessárias para a formação de especialização.

Mesmo assim, as novas regulamentações não oferecem aos médicos a oportunidade de subir na carreira, o que é totalmente injusto”, diz. De acordo com a “Regulamentação do procedimento da formação médica e em enfermagem especializadas”, que entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 2022, o processo de candidatura para formação especializada será da responsabilidade da Academia Médica.

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O PLATAFORMA contactou a Academia Médica para saber quais os requisitos profissionais para se candidatarem aos programas de especialização, mas não obteve resposta até à data de publicação.

Chan Iek Lap, que é também presidente da Associação Geral do Sector da Medicina, menciona algumas diferenças entre os treinos de especialização em Macau e no Interior, especialmente em termos de duração de formação, conteúdos, exigências e estrutura. Em interpelação escrita ao Governo, o líder associativo questionou ainda a possibilidade de jovens estudantes de medicina locais, que queiram aceitar o convite do Executivo para participar no programa de um a dois anos do Peking Union Medical College Hospital, possam serem reconhecidos pela Academia Médica.

“Caso estes jovens médicos trabalhem no Peking Union Medical College Hospital entre 8 a 10 anos, e depois abandonem o Complexo de Cuidados de Saúde das Ilhas, como poderão ter qualquer possibilidade de subir na carreira sem que a Academia Médica os reconheça como médicos de especialidade?”, indaga.

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