Macau em Mandarim

por Guilherme Rego
Leonel GuerraLeonel Guerra
Mandarim Cantonês

O CONSELHO DE ESTADO CHINÊS PUBLICOU RECENTEMENTE UM DOCUMENTO DE REFERÊNCIA PARA O DESENVOLVIMENTO DA LÍNGUA CHINESA ESCRITA E FALADA, REFORÇANDO O USO DE MANDARIM POR TODO O PAÍS. AO PLATAFORMA, ACADÉMICOS EXPRESSAM A SUA VISÃO POLÍTICA E IMPLEMENTAÇÃO EM MACAU, SALIENTANDO QUE O GOVERNO LOCAL DEVE GARANTIR A PRESERVAÇÃO DA CULTURA CANTONESA.

No final do mês passado, a secretaria-ge­ral do Conselho de Estado publicou um conjunto de sugestões para a “Consoli­dação Ampla do Uso da Língua Chinesa Escrita e Falada numa Nova Era”. No tex­to, é mencionado que “até ao ano de 2025 o uso de Mandarim a nível nacional deve atingir os 85%”, sendo “oferecido apoio ao desenvolvimento do ensino” para me­lhorar o nível de proficiência da língua em Hong Kong e Macau. Desde o ano letivo 2019/2020 que o “Quadro da orga­nização curricular da educação regular do regime escolar local” e as “Exigências das competências académicas básicas” em Macau estabelecem que todas as escolas do ensino básico e secundário sob administração académica local são obrigadas a ensinar Mandarim se utili­zarem o chinês como língua principal, de acordo com uma interpelação escrita da Direcção dos Serviços de Educação e de Desenvolvimento da Juventude (DSEDJ) enviada ao PLATAFORMA.

Chio Ieong Sio, professor assistente da Faculdade de Letras da Universidade de Macau

PROMOÇÃO AMPLA NAS ESCOLAS

Para avaliar a abrangência do uso de Mandarim entre os estudantes de Ma­cau, o PLATAFORMA entrevistou dois professores do ensino primário: um que pertence a uma escola não chinesa; outro leciona numa escola chinesa. Ambos preferiram manter o anonimato. Onde ensinam, as aulas de Mandarim são obrigatórias até ao segundo ciclo ou o Mandarim é utilizado para ensinar chi­nês. No desempenho de funções, reve­lam que os alunos demonstram interesse na língua e que serão capazes de atingir um nível de proficiência suficiente até ao sexto ano de escolaridade.

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Chio Ieong Sio, professor assistente da Faculdade de Letras da Universidade de Macau, afirma que o nível de proficiên­cia em Mandarim dos estudantes locais inscritos no ensino superior tem melho­rado significativamente. “Há 20 anos, grande parte dos alunos universitários não compreendia Mandarim. Agora, a si­tuação é completamente diferente. Pra­ticamente todos os alunos que começam o ensino superior dominam a língua. No geral, o ensino da Universidade de Macau é dividido entre Inglês e Man­darim e os estudantes não expressam descontentamento e comunicam com os professores nestas línguas”, reitera.

A “MANDARIZAÇÃO” DO CANTONÊS

Choi Lan Tong, professora associada da Escola Superior de Línguas e Tradução do Instituto Politécnico de Macau (IPM), mostra alguma preocupação relativamente ao impacto que o ensino do chinês em Mandarim tem sobre a língua cantonesa. A académica explica que em termos de fonética, vocabulário e gramática, a área do vocabulário é a mais suscetível. “Ao longo dos últimos anos, tenho vindo a notar que vários alunos fazem uso de partículas do Mandarim quando falam Cantonês. Por exemplo, usam a partícula “ba(吧)” em vez de “gua(掛)” na frase”, remata. “Tenho assistido à influência gradual do Mandarim e do chinês escrito sobre o Cantonês nesta nova geração de alunos. Alguns já nem sabem usar expressões típicas cantonesas”, afirma.

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Segundo Choi Lan Tong, todos os do­centes de escolas integradas na rede são obrigadas a atingir um determina­do nível de proficiência num exame de Mandarim. No entanto, não se exige o mesmo para o Cantonês. A académica receia que num sistema de ensino onde os professores de chinês não possuam qualquer conhecimento de Cantonês, os alunos sejam obrigados a seguir as normas impostas por estes docentes, afetando gravemente o domínio da língua nativa.

“EM MANDARIM OU EM CANTONÊS?”

A professora do IPM não acredita na ideia de que “em Mandarim é que se aprende bem chinês”, sublinhando que a proficiência e a lógica são duas capa­cidades distintas. “Alguém que utilize palavras semelhantes à língua escrita, ou que através do estudo se tenha tor­nado familiar com estas expressões e gramática, mas não possua um sentido lógico forte, conseguirá atingir um ní­vel linguístico satisfatório?”, questiona. Por essa razão, reafirma que o atual pro­blema dos estudantes está na sua fraca compreensão escrita, e o foco do Gover­no não dever ser o ensino em Mandarim, mas sim a promoção de uma cultura de leitura, melhorando a capacidade de ex­pressão e uso linguístico dos estudantes.

Chio Ieong Sio não é da opinião de que haja conflito entre o ensino em Man­darim e em Cantonês, defendendo que ambas devem ser usadas na sala de aula durante a aprendizagem do chinês. “De­vemos pensar em como se pode combinar as duas línguas no ensino. Por exemplo, é inegável que o Mandarim é mais conve­niente para ensinar expressões contem­porâneas, todavia, para leitura de textos antigos, como poemas das dinastias Tang ou Song, o cantonês é muito mais útil em termos fonéticos”, refere. O académico sugere ainda que sejam disponibilizados currículos de ensino em Cantonês, para auxiliar os estudantes na compreensão da sua fonética, vocabulário e gramática, adquirindo assim a cultura tradicional cantonesa.

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O FUTURO AMBIENTE LINGUÍSTICO EM MACAU

Para se chegar ao objetivo de uma abran­gência de 85 por cento de falantes de Man­darim a nível nacional, meta definida pelo Conselho de Estado até 2025, Choi Lan Tong defende ser essencial admitir que mais de metade dos residentes de Macau são falantes nativos de Cantonês. A per­centagem desejada não deve ter por base a totalidade da população, mas sim ape­nas os estudantes do ensino secundário, onde possivelmente 85 por cento poderá adquirir um domínio suficiente da língua. Contudo, salienta que apesar do sucesso do Governo na promoção do Mandarim, deve respeitar o estatuto do Cantonês em Macau e evitar conflitos entre os falantes de ambas as línguas, ou até entre a popu­lação e o Governo.

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Já Chio Ieong Sio acredita que o Gover­no deve seguir a implementação natural do Mandarim, mas sem grande interfe­rência. “De uma perspetiva de política internacional e económica abrangente, através do desenvolvimento da China, da Área da Grande Baía e a nível so­cioeconómico em Macau, a cidade irá naturalmente atingir este objetivo. No futuro, será extremamente difícil para a nova geração de Macau sobreviver sem conhecimentos de Mandarim. Não existe necessidade de nos preocuparmos com o seu ensino, nem é necessário que o Governo implemente medidas especí­ficas. A presença reduzida de políticas reguladoras dá liberdade à sociedade e economia local de se desenvolver mais abertamente a nível linguístico”, projeta.

O professor explica que o Mandarim é cada vez mais popular numa série de atividades socioeconómicas locais, podendo até tornar-se numa das lín­guas nativas da população. “Será como uma língua franca da futura sociedade de Macau. Agora fala-se Cantonês, no futuro teremos também o Mandarim. Isto aplica-se também à Assembleia Le­gislativa, Polícia Judiciária, Executivo, Educação, restauração, lojas, paques de diversão, entre outros. O Cantonês e o Mandarim serão as duas línguas nativas de grande parte da população local, num conceito bilingue em que uma língua é a nacional e outra a regional. Já as línguas estrangeiras, como o Inglês e o Português, serão utilizadas como se­gunda e terceira língua de acordo com as necessidades e contextos de cada um. É assim que vejo o futuro linguístico de Macau”, conclui

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