Hengqin: Uma viagem à Ilha da diversificação

por Guilherme Rego
Guilherme Rego
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Inaugurada há três meses, a Zona de Cooperação Aprofundada entre Guangdong e Macau em Hengqin caminha para cumprir em 2035 a missão anunciada de atingir em pleno a promoção do desenvolvimento da diversificação adequada da economia de Macau. Numa visita organizada pelo Gabinete de Ligação do Governo Central na RAEM, jornalistas de língua portuguesa e inglesa visitaram a Ilha que acelera a sua aposta no desenvolvimento com foco em sete áreas estratégicas estratégicas: Turismo, Alta Tecnologia, Comércio, Finanças Modernas, Indústrias Culturais e Criativas, Medicina Tradicional Chinesa (MTC), Pesquisa e Desenvolvimento de Tecnologia e Educação.

Uma da tarde de quinta-feira (9), a delegação constituída por 25 jornalistas concentra-se à porta do Gabinete de Ligação do Governo Central na Região Administrativa Especial de Macau. O destino é Hengqin, uma ilha que, a 17 de setembro do ano corrente, foi oficialmente batizada de Zona de Cooperação Aprofundada entre Guangdong e Macau. Situada no sul de Zhuhai e separada de Macau por uma faixa de água, projeta-se que seja uma força motriz para o desenvolvimento e diversificação económica de Macau a longo prazo, bem como uma ação importante para a execução aprofundada das Linhas Gerais do Planeamento para o Desenvolvimento da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau.

Meia hora depois, por meio de autocarro, a delegação encontra-se nos portões do Porto de Hengqin. Este posto transfronteiriço é relativamente jovem. Aberto ao público em agosto de 2020, marcou um novo capítulo na integração da região da Grande Baía. Com operações 24 horas vezes 7, tem capacidade de servir 220.000 pessoas por dia – 80 milhões por ano. No futuro, ambiciona-se ligar o Metro Ligeiro de Macau ao Porto de Hengqin, facilitando ainda mais a circulação de pessoas. Não obstante, o processo burocrático ainda deixa a desejar, tendo sido precisa mais de uma hora para todos os jornalistas estrangeiros passarem efetivamente a fronteira. Esta é uma das áreas que está a ser trabalhada por um escritório de advocacia, o qual será mencionado mais tarde no texto.

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Hengqin-Port
O Porto de Hengqin tem capacidade de servir 220,000 pessoas por dia e 80 milhões por ano.

Ultrapassados os condicionalismos fronteiriços, a delegação parte para a primeira paragem desta visita: Sala de Exposição da Zona de Cooperação Aprofundada de Hengqin. Aqui, deu para absorver cada detalhe do projeto – o que foi feito e o que está para vir. A visita guiada foi auxiliada por tecnologia de ponta, promovendo a interatividade dos participantes. Ao longo do percurso, pode-se aprender mais sobre a história de Hengqin, a sua evolução, acompanhado de um filme que demonstra o planeamento urbano delineado para a Ilha – com execução plena prevista para 2035.

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Sala de Exposição da Zona de Cooperação Aprofundada de Hengqin.

De seguida, após fotografia com a delegação, que se tornou habitual durante os dois dias, os jornalistas e os restantes membros partiram para o Chimelong Ocean Kingdom, um parque temático inaugurado em 2014 e que é um reflexo do potencial que Hengqin tem para impulsionar a indústria turística de Macau. Além das atrações base, como as montanhas russas e performances com recurso a vários animais, o parque alberga o maior aquário do mundo, com 48,75 milhões de litros de água. Este recorde Guinness permite que o aquário tenha oito tubarões-baleia, sendo que o maior tem um comprimento de 8,5 metros e pesa cinco toneladas. Sem contar com os maiores peixes do mundo, este tanque de água ainda conta com mais de 2.000 peixes divididos em 200 espécies diferentes, segundo indicou ao PLATAFORMA o gerente do parque.

Chimelong Ocean Kingdom.

Dada a imensidão do espaço, uma hora é pouco para se explorar tudo o que este oferece, mas ainda deu para fazer uma paragem rápida pelos pinguins. Primeira coisa de realce foi a criação de condições artificiais que permite “nevar” dentro do pavilhão onde os animais estão concentrados. Deu para ver os pinguins imperadores – o maior dos pinguins – e que pode mergulhar até 565 metros de profundidade, algo inigualável pelos outros da mesma família.

Pela vitrine, o gerente aponta para uns mais acinzentados e de estatura menor, e diz com ar de satisfação e orgulho: “Este ano tivemos 11 novas crias”. Com a pandemia de Covid-19, o Chimelong Ocean Kingdom enfrenta as dificuldades de qualquer espaço que viva de fluxo turístico. À porta de saída o PLATAFORMA ainda perguntou a um membro do staff quantas pessoas têm entrado diariamente no parque. Este respondeu cerca de 3,000. De acordo com o The Park Data Base, o espaço tem capacidade diária para receber 11,000 visitantes.

Pinguins imperadores no Chimelong Ocean Kingdom.

De novo no autocarro, anseia-se pelo próximo destino. É hora de jantar e a delegação tem encontro marcado com o buffet do Chimelong Hengqin Bay Hotel, local onde também se pernoitou. Este hotel foi erguido em articulação com o Chimelong Ocean Kingdom e nos anos de 2015 e 2016 conquistou o “prémio global de liderança em hotéis temáticos”. Os elementos marítimos estão presentes por todos os corredores e o espaço é predileto para muitos viajantes chineses durante as épocas festivas. Este ano, por exemplo, foi dos hotéis que mais beneficiou durante a Semana Dourada, na primeira semana de outubro.

Chimelong Hengqin Bay Hotel.

E o buffet apresentado pode explicar a escolha dos visitantes. Num restaurante que parecia não ter fim, tal como a oferta gastronómica, a simbiose entre a cozinha ocidental e oriental esteve presente. No meio do restaurante Dolphin Buffet, um aquário relembra os turistas a preocupação do Chimelong Hengqin Bay Hotel com a criação de um ambiente próximo da vida animal marítima.

Restaurante Dolphin Buffet, no Chimelong Hengqin Bay Hotel.

Depois do repasto, ainda deu tempo para um espetáculo no China International Circus Festival, literalmente do outro lado da rua. Durante hora e meia, artistas de várias regiões do mundo proporcionaram um grande espetáculo repleto de malabarismos, introduzido animais exóticos, e peripécias que poucos seres humanos conseguem.

O segundo dia começa mais cedo, às 9h para ser mais exato. A primeira paragem é no Vale do Empreendedorismo dos Jovens de Hengqin-Macau, onde se situa o Instituto de Estudo da Ciência e Tecnologia da Universidade de Macau. Neste espaço foram estabelecidos cinco laboratórios de investigação e um de formação comercial: Centro de Investigação Microeletrónica, Centro de Investigação de Medicina Tradicional Chinesa, Centro de Investigação de Cidade Inteligente, Centro de Investigação de Medicina e Centro de Investigação de Materiais Avançados. Sobre este último, Liang Rui, académica, apresentou aos jornalistas um dos projetos de maior relevo desenvolvido pelo centro. Trata-se da mutação do cimento, através de nanotecnologia, permitindo que este seja mais resiliente, absorvente e, por consequência, mais sustentável.

A académica refere que a utilização deste material permite que se gaste menos na sua produção e aplicação. Por outro lado, a sua característica absorvente permitiu a aplicação em outros campos. Ao PLATAFORMA, Liang Rui explica que este cimento, ao entrar em contacto com água gelada, absorve-a e cria “bolsas”. Atualmente, na Mongólia Interior, esta nanotecnologia serviu para preservar a água no deserto, um recurso precioso para quem vive nestas condições áridas e secas; uma companhia agrícola também se serviu da tecnologia para introdução de um novo sistema de rega de plantas; e ainda uma companhia de petróleo para absorção do produto. Liang Rui explica que a recolha nos poços de petróleo é difícil, e esta tecnologia permite a sua remoção na totalidade.  

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Vale do Empreendedorismo dos Jovens de Hengqin-Macau.

Duas horas depois, sensívelmente, foi altura de visitar o escritório de advocacia ZLF. Este é o primeiro escritório na China com parcerias entre o Interior (Zhong Yin), Hong Kong (FONGS Lawyers) e Macau (Rato, Ling, Lei & Cortés). O projeto tem cinco anos e conta com 32 advogados no total. Entre esses, 11 são oriundos de Macau e 17 provenientes de Hong Kong. De acordo com Chen Yi, senior partner, o escritório foi estabelecido em Hengqin com o objetivo de resolver os problemas relacionados com o investimento transfronteiriço. A diretora refere que a responsabilidade da empresa é a de ajudar quem deseja investir nos Países de Língua Portuguesa e vinca também que a maioria dos investidores chineses têm procurado Portugal e Brasil para o fazer. Mas a grande vantagem desta joint-venture é, de facto, a cobertura de três jurisdições distintas. Quer isto dizer que os advogados de Macau e Hong Kong têm licenças para operar no Interior da China e, como tal, as entidades governamentais envolvidas no desenvolvimento da Zona de Cooperação têm procurado os seus serviços para resolver uma das questões mais importantes para quem é residente de Macau mas é detentor de passaporte estrangeiro: facilidade de acesso.

Escritório de advocacia ZLF, situado em Hengqin.

A tal facilidade que não foi encontrada aquando da passagem da fronteira por parte dos jornalistas de língua portuguesa e inglesa. O que a firma pode assegurar até ao momento é que estão a criar os diplomas legais necessários para que a abertura aos estrangeiros seja facilitada. Um dos caminhos passa por fazer uso das bases legais de Macau em Hengqin, hipótese à qual a China não se opõe, de acordo com Chen Yi. Outra possibilidade será utilizar as áreas de supervisão aduaneira da Ilha para relaxar as restrições. A “primeira linha” de alfândega é entre Henqgin e a RAEM – seria aí facilitada a entrada de estrangeiros, sobretudo residentes de Macau – e as restrições fronteiriças seriam apertadas na “segunda linha”, entre Hengqin e a China Interior.

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Depois desta visita, onde deu para entender melhor os diversos mecanismos legais em construção para abrir Hengqin ao mundo, o Gabinete de Ligação quis que os jornalistas vivessem o ambiente da cantina do Vale do Empreendedorismo. O espaço estava repleto de jovens e a comida era um reflexo de várias regiões da China, mostrando o ambiente convidativo para talentos dos quatro cantos do país.  

Com o estômago confortado, foi altura de passear pelo “Corredor das Flores”, mas aqui a viagem foi um pouco mais longa do que o habitual, dando a oportunidade aos jornalistas de absorverem a paisagem urbana e natural da Ilha. Quanto à natural, percebe-se o cuidado que se está a ter para executar o plano de desenvolvimento urbano e económico em conformidade com a preservação do ambiente, que também confere a Hengqin uma identidade distinta. Sobre o quadro citadino, é impressionante a velocidade à qual se ergue vários dos edifícios do núcleo financeiro.

Destaca-se a figura imponente do Centro Financeiro Internacional de Hengqin (IFC). O arranha-céus, já de obra concluída, tem 339 metros de altura, ultrapassando a Torre de Macau por um mísero metro. O seu volume em espiral invoca o mito chinês dos dragões que emergem do mar – uma metáfora perfeita para a força e poder da região. É o símbolo de uma nova vida que rompe as barreiras e floresce. Andy Wen, diretor de design global da Aedas, empresa encarregue de fazer este dragão emergir, explica que o edifício representa um “impulso para futuros desenvolvimentos”, bem como uma expressão da “velocidade, crescimento e vitalidade” da região. “Reflete a prosperidade do novo distrito e a ascensão do país”, disse em entrevista a um portal digital de arquitetura. O projeto financeiro levado a cabo em Hengqin é fulcral para a dinamização económica de Macau. Como disse ao PLATAFORMA Ip Kuai Peng, especialista na Área da Grande Baía e Países de Língua Portuguesa, “a área financeira será das mais importantes no futuro de Macau”, proporcionando ainda as condições necessárias para a criação de uma bolsa de valores local.

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Chega-se então ao já mencionado “Corredor das Flores”. Este trecho estende-se ao longo de 14 quilómetros, acompanhados de uma ciclovia larga para que permite ir desde a ponte de Hengqin até ao parque de Mangzhou. De um lado rio; do outro, mais de 7,500 árvores de seda enfeitam o jardim que é, seguramente, um dos ícones de Hengqin.

Seguiu-se para o Parque Científico e Industrial de Medicina Tradicional Chinesa para a Cooperação entre Guangdong-Macau. Este espaço tem uma área de 500,000 mil metros quadrados e uma área total de desenvolvimento de 1,4 milhões de metros quadrados. O foco não é apenas a Medicina Tradicional Chinesa, também existe a preocupação de fomentar o desenvolvimento de produtos cosméticos e de saúde. Mais uma vez foi mencionada a ligação com os Países de Língua Portuguesa: em Moçambique, o parque explora um novo modelo para promover a comercialização de medicamentos através da prestação de serviços médicos, entretanto estendido a Cabo Verde e outros países vizinhos. Até ao momento, o parque formou um grupo de médicos de hospitais públicos, terapeutas e farmacêuticos de Moçambique que já prestaram serviço a mais de 30,000 moçambicanos.

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Inaugurado em 2011, o parque já atraiu o registo de 216 empresas, incluindo 52 de Macau. Uma das companhias é a Authenmole (Zhuhai Hengqin) Traditional Chinese Medicine and Health Industry Development Co., a qual também foi alvo de visita e questões por parte dos jornalistas. Esta empresa é líder mundial em alta tecnologia de investigação e desenvolvimento, fabrico e venda por grosso de chá natural e extratos de plantas. Através da invenção patenteada da tecnologia de purificação de moléculas com aplicação em plantas naturais de processamento e extração em profundidade, construíram a primeira cadeia industrial do mundo para o fabrico padronizado de alimentos moleculares.

Authenmole (Zhuhai Hengqin) Traditional Chinese Medicine and Health Industry Development Co.

A aplicação de tecnologia patenteada de invenção PLEESIT (Tecnologia de Extração a Baixa Temperatura de Plantas e Integração de Separação Eficiente), permitiu desenvolver cinco categorias de chás, vegetais, flores e frutas, fungos e medicina tradicional chinesa à base de ervas, com nutrientes naturais em componentes e proporções definidas, sem resíduos de pesticidas. Com mais de 30 patentes de invenções internacionais e nacionais, é uma das empresas que lidera a revolução da indústria de produtos de saúde no mundo.

A delegação pôde também observar a evolução da MTC ao longo dos anos, dividida em cinco gerações: primeiro, os ingredientes utilizados nesta medicina eram apenas cozidos em água; segundo, fez-se a mutação para cápsulas ou compridos, onde os ingredientes já eram triturados; a terceira geração levou pacotes solúveis a casa das pessoas; a quarta consolida esse processo, reduzindo a quantidade de pacotes necessários para produzir o efeito desejado e, por último, a quinta geração refinou o pó de tal modo que o corpo absorve o produto em tempo recorde. Dos produtos apresentados pela diretora de estratégia da empresa, Sunny, destaca-se o álcool não combustível e comestível (até certo ponto) e o chá que provou ser eficaz contra a Covid-19.

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Terminada a visita ao Parque Científico e Industrial de Medicina Tradicional Chinesa para a Cooperação entre Guangdong-Macau, foi altura de jantar no Sumlodol Camping Town, um hotel com um parque de campismo integrado. Desde contentores de latão e rulotes a autênticas casas de madeira, este é um projeto-piloto a nível nacional, sendo mesmo o primeiro parque de campismo temáticos de veículos recreativos na China. Lá foi o jantar e também a despedida de Hengqin. Em plena cidade, um parque de campismo, demonstrando o desejo de manter viva a presença da Natureza na construção de uma Ilha que caminha a passos largos para concretizar o seu objetivo no plano nacional do país.

Sumlodol Camping Town, situado em Hengqin.

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