São ou não as vacinas perigosas a longo prazo?

por Guilherme Rego
Catarina Brites Soares

A Organização Mundial de Saúde insiste que sem vacinação os riscos associados à Covid-19 permanecem, mas a resistência mantém-se maioritariamente por desconfiança e medo. Macau é exemplo disso.  

Os médicos Mário Freitas, Ricardo Mexia e Mónica Pon são categóricos: nada mostrou até hoje que as vacinas contra a pandemia podem gerar complicações de saúde a longo prazo. 

A vice-presidente da Associação dos Médicos de Língua Portuguesa de Macau afirma que é preciso ter presente que as armas mais eficazes que o mundo tem contra o vírus neste momento são a prevenção e a vacinação. Mónica Pon admite ser impossível determinar os efeitos a longo prazo tendo em conta o pouco tempo de circulação, mas ressalva que estão em vigor sistemas de monitorização que estudam os efeitos secundários. E realça: “Importa sublinhar que os estudos completaram as três fases exigidas no âmbito dos ensaios clínicos, levando ao estatuto de ‘Emergência’. Estes pressupostos levam a acreditar que aquando do encorajamento da vacinação comunitária, verificamos uma margem de segurança perfeitamente aceitável”, enfatiza.  

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“Ao longo deste tempo, que começa a ser bastante substancial, nada nos indica que vamos ter efeitos secundários decorrentes da vacina num futuro próximo ou longínquo”, defende o médico português Mário Freitas. “O que sabemos e temos evidências bastante robustas, é que com as vacinas é muito menor a taxa de pessoas infetadas, com complicações e mortes”, acrescenta. 

O presidente da Associação de Médicos de Saúde Pública corrobora. “Não há nenhuma indicação de que representem um risco superior ao da doença, e essa é a base das vacinas. É importante perceber que não são inócuas, mas só são administradas quando as vantagens são muito superiores aos perigos. Não há dúvida absolutamente nenhuma que as vacinas são vantajosas, particularmente no momento que atravessamos em que a situação ainda não está resolvida e estamos a assistir em diversos países um aumento da incidência”, avisa Ricardo Mexia. 

Mário Freitas

“Se há ato médico e de saúde pública que salvou vidas foi o da vacinação” 

Mário Freitas, médico

Da mesma forma que os medicamentos são diferentes, explica o epidemiologista, também são as vacinas e consequentemente os efeitos secundários ou riscos associados. É por isso, continua, que as indicações variam em função de critérios como a idade, sexo e condição de saúde. “Mas em geral, as vacinas que estão no mercado são indicadas”, garante.  

Apesar disso, nem todas são aceites. A União Europeia, por exemplo, não reconhece as vacinas chinesas – Sinovac e Sinopharm. Ricardo Mexia desconhece a razão, mas afasta motivações políticas. “Os critérios para aprovar uma vacina ou não são técnicos. Se as empresas apresentarem a documentação necessária às indústrias farmacêuticas, de certeza que serão licenciadas. A questão é se o fizeram. Não conheço a submissão de todas as vacinas, incluindo das rejeitadas”, ressalva o médico de saúde pública.  

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Verdades à prova 

Os estudos sobre as vacinas sucedem-se. No início de novembro foi divulgado mais um pela revista científica The Lancet. Com base numa investigação que monitorizou 621 cidadãos do Reino Unido, a publicação concluiu que a vacinação não reduz o risco de transmissão da variante Delta, a estirpe predominante do vírus responsável pela Covid-19; e que, no auge da infeção, uma pessoa vacinada tem uma carga viral similar ao de uma pessoa que não foi vacinada. Ou seja, vacinados transmitem o vírus tanto como os não vacinados, mas por menos tempo. 

Freitas diz desconhecer o estudo, mas lembra que as conclusões podem mudar desde que as variáveis sejam outras, por exemplo, a população que se analisa. O que importa, reforça, é que há um antes e um após a vacinação. “Antes, 30 por cento dos infetados acima dos 80 anos morria. Agora, a proporção é significativamente mais baixa.”. No que respeita à carga viral – um dos pontos do estudo -, Freitas explica que tal não quer dizer que haja hospitalização, internamento nos cuidados intensivos ou morte. “E é isso que é relevante. Não é de balde que a Alemanha está a braços com uma epidemia de não vacinados, uma situação que daqui a quatro ou cinco semanas pode deixar o país numa situação extremamente complicada e que começou com os não vacinados. Os movimentos anti-vacinas são grupos lunáticos. Se há ato médico e de saúde pública que salvou vidas foi o da vacinação”, vinca. 

Ricardo Mexia

“A questão da inutilidade (das vacinas) nem faz sentido”

Ricardo Mexia, presidente da Associação de Médicos de Saúde Pública

Pon refere que a falta de aderência se deve à campanha negacionista que corre nos media e também ao receio, que deriva da constatação de que as vacinas anti-Covid-19 foram feitas e aprovadas em tempo recorde. A médica local lembra que celeridade e pressa são conceitos distintos. “Há muitos anos que os cientistas têm vindo a trabalhar no desenvolvimento de vacinas anti-virais e esse conhecimento acumulado, associado ao avanço técnico recente, permitiu o acelerar do desenvolvimento das atuais vacinas”, explica. 

Os estudos, insiste a especialista, confirmam que a vacina oferece proteção contra formas de contração grave – apesar de não impedir a infeção e transmissão do vírus -, permitiu amenizar o número de internados nos Cuidados Intensivos e “uma gritante” diminuição na mortalidade geral. 

Ricardo Mexia alinha pelo mesmo diapasão. “As vacinas têm dois objetivos: evitar a doença grave e reduzir a mortalidade. Tendencialmente o que achávamos, e esse estudo aparenta ir noutro sentido, é que reduzindo a carga da doença também se reduziria a infecciosidade, mas na prática os fins das vacinas são aqueles e isso está documentado. Portanto, a questão da inutilidade nem faz sentido”, atesta. 

Custo de oportunidade 

A falta de confiança faz, no entanto, com que muitos continuem a rejeitar serem vacinados. As vacinas são sempre uma questão complicada, desabafa Mexia. “Até porque na prática são muitas vezes vítimas do seu próprio sucesso. Se as pessoas não veem a doença, tendem a não valorizar algo que as protege”. 

A par disto, há a questão da desinformação e da iliteracia científica que é preciso combater. “Parece-me fundamental que as pessoas percebam que as vacinas são seguras e eficazes, têm riscos associados, mas que são muito menores que os da doença”, reforça o epidemiologista. 

Mónica Pon

“Há que não baixar a guarda e continuar com as medidas de prevenção, sublinhando a vacinação” 

Mónica Pon, vice-presidente da Associação dos Médicos de Língua Portuguesa de Macau

“Os números são esmagadores”, acrescenta Mário Freitas. “Com as vacinas, a taxa de mortalidade desce exponencialmente como se fosse um abismo. Todos temos uma tia-avó que fumou dois maços de tabaco e viveu até aos 120 anos. Pode acontecer, mas o que sabemos é que quem fuma tem uma probabilidade muito maior de ter complicações que podem levar à morte”, ironiza. 

Mónica Pon diz ser expectável que este vírus venha a perder agressividade e que se junte aos outros quatro tipos de coronavírus com os quais temos vivido, sendo o mais comum o da gripe sazonal e para o qual é recomendada a vacinação anual. “Até se constar uma descida na curva de casualidades da Covid-19, há que não baixar a guarda e continuar com as medidas de prevenção, sublinhando a vacinação”, sustenta. 

População aquém das expectativas 

A 1 de dezembro, a taxa de vacinação (pessoas inoculadas com duas doses ou mais) tinha atingido os 64 por cento segundo dados oficiais. A percentagem continua distante do esperado pelo Governo, que avisa sucessivamente que o aliviar das restrições contra a pandemia depende de se lograr uma percentagem da população vacinada acima dos 80 por cento. Medidas como reduzir as quarentenas e abrir as fronteiras com Hong Kong estão pendentes da adesão dos residentes à campanha.

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“Tenho constado que tendencialmente os não vacinados denunciam receio de apanhar a vacina devido ao porte de enfermidade e idade avançada. Dadas as condições atuais, é aconselhado que estes sejam vacinados prioritariamente”, alerta a vice-presidente da Associação dos Médicos de Língua Portuguesa, Mónica Pon. “Talvez em Macau, por não se ter sentido um surto na comunidade, há um género de sensação de segurança que alimenta o argumento da não vacinação”, explica a médica local. 

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