Segurança Nacional condiciona leis laborais

por Guilherme Rego
Mei Mei Wong

O documento de consulta pública da Lei Sindical procura repetidamente ligar a organização e formação das associações sindicais a “ameaças à Lei de Segurança Nacional”, quase como um alerta à população para “terem cuidado ao aderirem a sindicatos”, refere ao PLATAFORMA Alex Choi, professor assistente do Departamento Governamental e Administração Pública da Universidade de Macau

O documento de consulta indica que o Governo de Macau continuará a seguir as normas estabelecidas pela Lei Básica, garantindo que a estrutura legislativa irá salvaguardar “a segurança do Estado, a sua harmonia e estabilidade social.” 

De acordo com Alex Choi, além de mencionar a possibilidade de associações sindicais ameaçarem a Segurança Nacional, inclui ainda vários parágrafos altamente influenciados por essa preocupação. Lê-se no texto que “dadas as características especiais da associação sindical, cuja finalidade difere das associações em geral, e a fim de evitar que esta seja utilizada para colocar em perigo a segurança do Estado e perturbar a ordem pública, é adequado estabelecer normas sobre a necessidade do procedimento de inscrição.” O académico sublinha que o processo de candidatura e inscrição sindical necessita da aprovação de uma autoridade responsável, antes da associação sindical ser formada. “Não é simplesmente um sistema de inscrição. É um processo que necessita de aprovação. Resta responder: Quais serão os critérios utilizados pelas autoridades para vetar tais sindicatos? E quais serão aprovados ou rejeitados? Esta dúvida não é esclarecida”, lamenta. 

Alex Choi, professor assistente do Departamento Governamental e Administração Pública da Universidade de Macau

As associações sindicais gozam do direito de participação em organizações internacionais, consagrado pelo artigo 134º da “Lei Básica”, o “Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais” e a Convenção n.º 87. Contudo, existe receio “quanto à sua participação ou aderência em organizações internacionais, a fim de evitar o desvio à sua finalidade, e até o exercício de acções que ameaçam a segurança do Estado”, sugerindo assim a monitorização da participação sindical no estrangeiro. No documento lê-se: “É necessário assegurar a sua legalidade e também que a sua fonte e a sua utilização contribuam para a concretização da sua finalidade, evitando principalmente que as associações ou organizações estrangeiras atribuam quantias monetárias ou objectos de valor que afectem o funcionamento da associação sindical, bem como evitando que as associações sindicais utilizem directa ou indirectamente o financiamento em actividades incompatíveis com a sua finalidade e competências e que possam colocar em risco a segurança do Estado.” Como tal, sugere que as associações sindicais “devem submeter anualmente as suas contas ou a demonstração financeira às autoridades competentes, permitindo à Administração o conhecimento e a fiscalização da fonte e da utilização do financiamento.”

Leia mais sobre o assunto em: Na Lei Sindical de Macau manda o Governo

É necessário fazer com que o público compreenda a relação entre as associações sindicais e a Lei de Segurança Nacional

ALEx choi

Por um lado, Alex Choi acredita na afirmação do Governo de que a Lei Sindical é um direito garantido aos residentes de Macau pela Lei Básica, porém, usa a Segurança Nacional para limitar a atividade destas associações sindicais. “A atual Lei Sindical está interligada à Lei de Segurança Nacional, ou seja, o Governo receia que os sindicatos representem uma ameaça à segurança do Estado e já desenvolveu forma de os limitar.” Por outro, o académico não deixa de questionar se na última década as associações de trabalhadores representaram ou não uma ameaça à segurança do Estado. “Temos de compreender que ao longo do tempo foram surgindo vários movimentos operários independentes, especialmente na indústria do jogo, com forte impacto na sociedade local. A Federação das Associações dos Operários de Macau (FAOM) tem promovido harmonia laboral, recusando-se até a utilizar atividades mais radicais na luta pelos seus direitos. Por esta razão é que, por vezes, durante as demonstrações do Dia do Trabalhador na última década, estiveram presentes alguns manifestantes de grupos operários independentes na procura de mais direitos, benefícios e melhores salários. Grande parte participa nestas atividades para demonstrar o seu descontentamento com a contratação de mão de obra estrangeira, como dealers de casinos, por exemplo. Estas associações têm atraído vários trabalhadores.” 

O professor analisa que o documento procura ir ao detalhe na explicação das várias formas como os anteriores movimentos operários afetaram a segurança do Estado e como as atuais exigências irão salvaguardá-la. “É necessário fazer com que o público compreenda a relação entre as associações sindicais e a Lei de Segurança Nacional, podendo estas ser uma ameaça à segurança de Estado. Não basta apenas apelidá-las como tal e esperar que a população não fique confusa.” Nesse sentido, Alex Choi afirma que as autoridades devem encontrar uma “ligação entre a Lei Sindical e a Segurança do Estado mutuamente benéfica.” No entanto, observa que alguns dos conteúdos do documento se direcionam a grupos de ativistas operários independentes, que muito provavelmente serão reprovados. “É importante discutir com a população o processo de participação em sindicatos laborais”, enfatiza.  

FAOM é quem sai a ganhar 

Para cada empresa, o documento sugere a criação de apenas uma associação sindical, pois “se existir mais do que uma associação sindical com a mesma natureza numa empresa, a vontade colectiva poderá dispersar-se, não favorecendo a luta pelos direitos e interesses laborais comuns do trabalhador.” Acrescenta ainda a possibilidade de a empresa só poder constituir a “associação sindical das empresas” quando tiver ao seu serviço um determinado número de trabalhadores, visto que a maioria das empresas de Macau são PME. 

Também é preocupante o facto de o documento nem sequer mencionar qualquer solução para quando não houver acordo entre os dois partidos

ALEX CHOI

Para a cidade, Alex Choi diz que esta legislação representa um sistema que não deixa espaço para a atividade dos sindicatos independentes e que quem acaba por ganhar com isso é a FAOM. “Já existem imensas associações operárias na Federação, será praticamente impossível que sejam criadas outras associações independentes dentro da mesma empresa. A competição será reduzida e a instituição ficará ainda mais forte. Por esta razão é que várias empresas estão abertas a receber associações-membro da FAOM em vez de associações consideradas independentes.” 

“Falta de sinceridade” por parte do Governo 

Na primeira sessão de esclarecimentos do documento, a 7 de novembro, Chan Weng Chi, chefe do Departamento de Estudos e Informática da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL), quanto à ausência do “direito à greve”, respondeu que quando forem reunidas todas as condições para iniciar o processo de negociação coletiva, a entidade patronal é obrigada a negociar com os trabalhadores. Após formulação de um acordo, ambos os partidos devem cumpri-lo, impedindo a associação sindical de renegociar nos próximos dois anos. Caso as negociações sejam inconclusivas, as autoridades poderão intervir como mediador. “Atualmente, mais de 90 por cento das disputas laborais em Macau conseguem ser resolvidas em coordenação com a DSAL. A implementação de um sistema de negociação coletiva irá, no futuro, servir como um canal adicional de comunicação e negociação entre as entidades patronais e laborais”, reforçou. 

Chan Weng Chi, chefe do Departamento de Estudos e Informática da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL)

“Acho que toda a gente tem a consciência de que a negociação coletiva não é um processo sem percalços”, reflete Alex Choi, explicando que os operários “precisam do direito à greve pela mesma razão que o empregador tem o direito de fechar o local de trabalho. Também é preocupante o facto de o documento nem sequer mencionar qualquer solução para quando não houver acordo entre os dois partidos. Isso vai provocar uma série de atrasos nas negociações laborais. O documento transparece a falta de sinceridade do Governo. A entidade patronal pode sempre dialogar com os seus trabalhadores, mas os resultados que nascem da negociação não estão protegidos.”

Alex Choi salienta que a Lei Sindical, além de oferecer a estas associações uma forma de lutarem pelos seus direitos, cria um sistema que as regula. “Não podemos presumir que com esta lei as associações fiquem com espaço infinito de crescimento. Na verdade, existem vários lugares em que estas legislações são utilizadas para limitar os sindicatos”, explica. 

O professor assistente, que se tem dedicado ao estudo do desenvolvimento sociopolítico de Macau, argumenta que apesar do atual documento permitir que os trabalhadores criem livremente associações sindicais, na prática, a aprovação e regulamentação está nas mãos do Governo, enfraquecendo largamente a sua autonomia. “A Lei Sindical deveria, pelo menos, procurar ser mais equilibrada. Deve proteger os direitos básicos dos grupos operários, incluindo o direito à greve e formas de lidar com negociações sem acordo final. Macau tem procurado realçar a importância de harmonia e igualdade, espero que a Lei Sindical siga o mesmo caminho”, conclui. 

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