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Guia básico para criar um sucesso musical – 1ª parte: a música

João MeloJoão Melo*

Dou hoje início à primeira de três partes de um guia que vos permitirá construir um sucesso musical. Começarei pela vertente da música, e em próximos artigos debruçar-me-ei sobre a letra e a atitude.

Existem múltiplos ritmos mas para fabricar um sucesso na música popular usaremos apenas o quaternário, o único que interessa. O ritmo quaternário pode-se considerar uma variação do binário (a dois tempos como o pulsar do coração) e compõe-se de quatro tempos, forte, fraco, intermédio, fraco. É usado em marchas e, pasmai ó gentes, em uns 99% de toda a música actual não erudita.

Se há notáveis excepções como por exemplo “Amar pelos dois” interpretado pelo Salvador Sobral, “Norwegian wood” dos Beatles, “Are you lonesome tonight” por Elvis Presley e “Manic depression” de Jimi Hendrix num compasso 3/4, ou o tema de “Missão Impossível” em 5/4, mais raros são os que utilizam vários andamentos no mesmo tema; à parte certos dinossauros como Frank Zappa, Genesis, ELP e mais uns poucos, assim de repente, sucessos só me lembro de “All you need is Love”, “We can work it out” dos Beatles, e “Money” dos Pink Floyd. A música popular está mais pobre? Sim, vivemos há muitas décadas sob a afinação de 440hz e na ditadura do ritmo quaternário. Este é o ritmo ideal porque como escreveu Hermann Rauschning, dissidente do partido nazi e autor do livro Revolução do Nihilismo, “marchar diverte os pensamentos dos homens. A marcha mata o pensamento. A marcha mata o fim da individualidade. A marcha é o passe de mágica indispensável com o fim de habituar o povo a uma actividade mecânica, quase ritual, até que se torne uma segunda natureza”. Esclarecidos? O batimento cardíaco dos adultos anda à volta das 70 pulsações por minuto; canções que tenham uma cadência próxima desse valor absorvem-se por osmose. É o andamento das músicas que “tocam no coração”, também conhecidas como slows. Caso se pretenda induzir ao movimento, vulgo dançar, utiliza-se um andamento de 120 bpm (beats per minute), academicamente denominado Allegro. Se a ideia é pôr os receptores em transe, interferir com o seu ritmo orgânico, o andamento deverá ser Vivace, 140 bpm, o dobro do batimento cardíaco, ou mais; são os valores usados na música techno e trance. Ajuda ouvi-las no meio da multidão onde as luzes piscando freneticamente são um elemento essencial na criação de um efeito hipnótico. Para experimentar a sensação de integrar uma entidade colectiva pulsando em sintonia, a pessoa deve acelerar o seu ritmo cardíaco, entregando-se a substâncias desinibidoras ou simplesmente abdicando do auto-controlo ao deixar-se conduzir pela cadência de uma lenga-lenga que possui padrões repetidos ad nauseam. Eis como se produzem estados de euforia e êxtase através do som. Uma discoteca será portanto uma espécie de congregação religiosa onde cada um se anula para se sentir parte do todo; mesmo sem consciência disso os jovens procuram orientação espiritual e esta é uma maneira prosaica de a obterem. O disc jockey do alto do seu púlpito faz o papel de pastor do rebanho. Foi assim que Bruno de Carvalho, destituído presidente do Sporting e patológico narcisista encontrou um escape para dar largas à necessidade de estar no centro das atenções, controlando massas.

Na música pop os gostos estão tão formatados que é melhor não arriscarem em modelos esquisitos, concebam a vossa criação no seguinte “clássico”: introdução (nunca ultrapassando os 10 segundos), após a qual entram a cantar numa parte a que chamaremos “A”; 30 a 40 segundos depois já devem ter saído da parte “A” e passado para a “B”, vulgo refrão. Qualquer que seja o andamento é conveniente o refrão aparecer antes de um minuto, a atenção dos receptores não aguenta longos engonhanços até perceber pelo refrão se vale a pena continuar a ouvir. Depois do refrão regressamos à parte “A” e de seguida novamente ao refrão. A partir daqui há duas possibilidades: segue-se para uma parte “C” designada “bridge”, ponte em português, que deriva numa parte instrumental geralmente com um solo de um instrumento, ou a parte “C” segue para mais refrões. O final é à escolha; se não souberem como o resolver não se preocupem, façam como milhões antes de vós, repitam o refrão baixando o som geral até desaparecer, o chamado “fade out”.

Se não forem particularmente tocados pelo talento não desesperem, há uma fórmula mágica para compor um tema, a regra dos 4 acordes. É uma sequência de acordes que por parecerem tão óbvios provavelmente surgiram no Big Bang mas a primeira vez que tive noção deles foi em “Let it Be” dos Beatles e na altura não sonhava que os escutaria para o resto da vida reproduzidos por outros artistas e canções originais. Encontramo-los em James Blunt – You’re Beautiful, Alphaville – Forever Young, Jason Mraz – I’m Yours, Mika – Happy Ending, Elton John – Can You Feel The Love Tonight, Maroon 5 – She Will Be Loved, U2 – With Or Without You, Crowded House – Fall At Your Feet, Red Hot Chili Peppers – Under the Bridge, Green Day – When I Come Around, Beyoncé – If I Were A Boy, The Offspring – Self Esteem, Pink – You and Your Hand, Lady Gaga – Poker Face, Aqua – Barbie Girl e (ufa!…) em milhares de outras canções. Iniciemos por exemplo em dó maior; de seguida vem o sol maior, lá menor, fá maior e volta ao início. Desde que se respeitem estas distâncias entre acordes, o carrossel serve para qualquer acorde inicial.

Como já toda a gente sabe cantar e se não sabe existe o auto-tune,um afinador digital, passemos ao próximo passo, a melodia. Quanto a esta o melhor é usar o seguinte estratagema: melodias familiares promovem a aproximação emocional com o ouvinte predispondo-o a aceitá-la, daí o sucesso das versões e das remixes; ficamos com a vaga sensação de déjá vu, bastando modificar a composição do acorde ou fazer pequenas modificações na melodia para se conseguir um tema original. Ponto importante a reter: o segredo do sucesso está no arranjo, não confundir com composição. Pelo fastidioso exemplo supra citado a composição baseia-se em 3/4 acordes, e o que transmite a distinção entre as músicas é o arranjo que se lhes dá. O arranjo serve para lançar brilhantes para cima da composição, distrair-nos da sua intrínseca pobreza melódica.

Último ponto importante: neste processo ninguém está a produzir arte, logo é favor não misturar música com arte; a arte não se destina a agradar a um público e a música de que falo é a de “variedades”, ou seja, uma sequência de notas que servem de base à venda de um produto de entretenimento. Devem por isso encontrar um produtor que forneça o arranjo, a “roupagem” adequada de modo a atingirem o público alvo do produto. O autor pega num instrumento e mostra-lhe o encadeamento dos acordes que tanto pode resultar num género pimba ou numa pop de culto, o que se quiser; ao “vesti-lo” com um estilo, o produtor salvará o tema do buraco negro da vulgaridade.

*Músico e embaixador do PLATAFORMA

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