O Governo deve manter e reforçar o programa 365 Algarve

por Guilherme Rego
João VasconcelosJoão Vasconcelos*

A pandemia da Covid-19 colocou a nu as fragilidades da economia do país, assente fundamentalmente nos setores das exportações e do turismo e que ainda não se tinha refeito totalmente da última crise que eclodiu, de forma violente, há 10 anos atrás. De todas as regiões do país, o Algarve surge como a mais vulnerável, logo, onde a crise é, assustadoramente, mais elevada. Esta maior vulnerabilidade explica-se com o modelo económico que tem imperado na região nas últimas décadas, assente quase exclusivamente na monocultura do turismo.

Impõe-se, assim, a diversificação do tecido económico regional, tornando a economia e a sociedade mais resiliente a crises futuras. Nos últimos anos foram dados alguns passos positivos para combater a sazonalidade no Algarve e é importante que se continue e se reforce esse caminho. Uma destas medidas foi a criação do Programa 365 Algarve, no ano de 2016, lançado em conjunto pelas Secretarias de Estado da Cultura e do Turismo com a finalidade de aliar cultura e turismo. Este Programa acabou por ser vivamente acolhido pela Região de Turismo do Algarve e pela Direção Regional de Cultura. O Programa 365 Algarve atingiu quatro temporadas com a realização de mais de um milhar de espetáculos e de outras iniciativas em todos os 16 concelhos da região.

Foram projetos concebidos e propostos por diversos agentes culturais do próprio Algarve, em que a cultura, de forma transversal, se articulou com a economia, o ambiente e a educação, com benefícios para além do próprio turismo. Projetos muito diversificados e que tinham ligação com as comunidades, com as Câmaras Municipais e com as Juntas de Freguesia.

Foram assim vários os projetos desenvolvidos pelas associações culturais do Algarve ao longo de quatro anos, envolvendo todos os concelhos algarvios, com destaque para a reativação do Festival de Música do Algarve pela mão da Orquestra Clássica do Sul. Entre outras iniciativas podemos mencionar o Festival do Contrabando na Vila de Alcoutim, rio Guadiana e Sanlúcar; a Festa de Anos de Álvaro de Campos, em Tavira; a Primavera Literária, em Faro; as Adegas com Jazz, em Silves; a Cantata Mundi, em Vila do Bispo; o Ciclo Guitarras & Património, em todos os concelhos do Algarve; o FIMA, Festival Internacional de Música do Algarve, em Faro, Silves, Loulé, Portimão, Lagos, Albufeira e Tavira; o Festival de Coros de Câmara, em Olhão; o Festival “encontros do Devir – cidades utópicas”, em Faro, Loulé, Olhão e São Brás de Alportel; a Mostra Internacional de Cinema de Fronteiras, em Vila Real de Santo António; Lavrar o Mar – as Artes no alto da serra e na costa vicentina, em Monchique e Aljezur; o Festival da Comida Esquecida; o Festival do Verão Azul; o Festival do Barrocal Algarvio, em Santo Estêvão, Tavira, o Festival Internacional de Cinema e Literatura de Olhão (FICLO); Festival Out (In)verno; Ventania – Festival de Artes Performativas do Algarve e LAMA/À Babuja.

 Com o aparecimento da pandemia da Covid-19 os projetos foram interrompidos e posteriormente condicionados. Mas, mesmo num ano atípico, atraíram muitos cidadãos nacionais e estrangeiros em muitos locais do Algarve e fora da época alta da atividade turística. No início da presente temporada de inverno e quando a pandemia estava longe do seu agravamento, as entidades governamentais primaram pelo silêncio em relação à continuidade do Programa 365 Algarve, provocando grandes apreensões nos agentes culturais da região.

O receio é que o Programa termine, sem nada em sua substituição, e nem ao menos uma avaliação e uma decisão oficial por parte dos responsáveis políticos. Foram gastas muitas horas a planificar e pôr em prática os projetos, a fazer relatórios, a preencher inquéritos, conduzindo a uma dinâmica cultural em todos os concelhos do Algarve fora da época baixa da atividade turística. Será muito negativo para a região que vá tudo por água abaixo. E será muito prejudicial para um tipo de cultura produzida na região por artistas e grupos que cá vivem e trabalham. A continuidade deste projeto permite a consecução do direito constitucional à fruição e criação cultural.

O Algarve não pode ser só turismo e, muito em particular, na época alta. Há que diversificar as suas atividades e a dinamização cultural durante o inverno constituirá um importante fator para a quebra da sazonalidade. Também é um facto que a cultura é um veículo de dinamismo económico para os agentes do turismo, para a restauração e para os hotéis. Torna-se fundamental manter o Programa 365 Algarve, mesmo que seja objeto de alguma reformulação. Tem muito mais lógica que um programa desta natureza se encontre sob a tutela do ministério da Cultura do que do ministério da Economia. A manutenção e o reforço do Programa 365 Algarve ainda mais se justifica por ser esta região uma das mais atingidas pela grave crise social e económica e com tendência a agravar-se ainda mais, e onde a cultura é uma das atividades fortemente afetadas.

*Deputado do partido português Bloco de Esquerda (BE)

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