“Sou mulher e jornalista, os Talibã não aguentam isso”

por Guilherme Rego
Dinis Chan

Depois do colapso do Governo afegão apoiado pelo ocidente, os Talibã ocuparam o poder com promessas de respeitar os direitos das mulheres. Contudo, nas semanas seguintes, essas garantias pouco contribuíram para atenuar o receio das mulheres que vivem no país. Zainab Farhmand, jornalista afegã, revela ao PLATAFORMA que, depois do novo Governo ter sido delineado, a vida das mulheres afegãs – e do próprio jornalismo local – ficou mais difícil.  

Em várias províncias do país, as mulheres afegãs têm-se feito ouvir através de manifestações, exigindo o reconhecimento dos seus direitos e liberdades. Os Talibã tinham prometido não interferir na educação ou no trabalho das mulheres, mas agora pedem que fiquem em casa, pelo menos até a situação de segurança melhorar. “Eles forçam-nas a ficar em casa, mas hoje já não se aceita a ideologia Talibã, apoiada pelos serviços de inteligência do Paquistão (ISI)”, diz Zainab Farahmand, que agora trabalha na Alemanha, no jornal Die Welt. A jornalista explica também que o novo gabinete interino dos Talibã está cheio de Mullahs – termo geralmente utilizado para referir um homem muçulmano, educado na teologia islâmica e na lei sagrada –, sem a participação de mulheres. O novo Governo, constituído só por homens, até removeu o Ministério dos Assuntos da Mulher, decisão que Zainab considera “inaceitável”.  

“Disseram que trariam paz, mas isto não é paz” 

Mulheres sem dignidade e com medo 

“Sentia-me mesmo ameaçada, e não era só eu”, refere a jornalista de 26 anos. Nenhuma mulher pode ir sozinha a lado nenhum, sem ser acompanhada por um Mahram. Mas e aquelas mulheres que não são casadas, que não têm um homem na família, viúvas ou solteiras? Os Talibã não dão resposta concreta ao dilema das mulheres, aponta Zainab.  

Com uma licenciatura em Ciência Política e Direito, na Universidade de Gawharshad, a jornalista não consegue concordar com os ideais Talibã relativamente às mulheres. “Para eles, as mulheres deviam casar cedo, não sair de casa, usar burqa, não ter trabalho nem educação. Nós não somos um objeto que se possa prender em casa. Somos 50 por cento da população do Afeganistão”.  

“Muitos foram presos nas primeiras semanas de controlo Talibã no Afeganistão” 

O porta-voz talibã, Suhail Shaheen, anunciou a trasinção pacífica do poder numa das suas primeiras conferências de imprensa. Porém, Zainab duvida das intenções. “Disseram que trariam paz, mas isto não é paz. Dispararam sobre protestantes, mataram pessoas inocentes e desarmadas e cometeram genocídio”, analisa. Apesar da maioria do Afeganistão ser muçulmana, a jornalista é da opinião de que a interpretação dos Talibã do Islamismo diverge do que outrora se acreditou no país. “De acordo com a ideologia Talibã, se trabalhares e obtiveres o salário num país estrangeiro, então és Kafir (infiel). Estudar matemática, biologia ou geografia não é permitido, porque consideram que estas matérias não têm grande importância. Zainab argumenta que “o Governo não pode apenas assumir o controlo do país, pois precisa de prestar serviços que respondem às necessidades do seu povo”.  

Deixar a pátria 

Zainab nasceu no Afeganistão e dedicou-se ao jornalismo. No entanto, decidiu mudar-se para a Alemanha para desempenhar a profissão. Ao ser questionada sobre a decisão, explica que queria liberdade e não suportava a ideia dos Talibã assumirem o poder do país de onde vem. “Vimos que mataram mulheres pacíficas, que estavam a fazer buscas nas casas dos jornalistas e, inclusive, mataram um dos membros familiares da jornalista em Herat, da Deutsche Welle (DW)”, responde ao PLATAFORMA. A jornalista lembra ainda que “forçaram os Media do Afeganistão a não cobrir os eventos de resistência”, acrescentando que “muitos foram presos nas primeiras semanas de controlo Talibã no Afeganistão”.  

Leia mais sobre o assunto em: Afeganistão: “As nossas vidas estão em jogo”

Agora a trabalhar no jornal Die Welt, na Alemanha, lamenta pelos colegas e por todas as mulheres do Afeganistão. “Tive de escapar de uma situação muito difícil. Estou contente por ter conseguido sair do Afeganistão”, remata. “Sou mulher e jornalista, e os Talibã não aguentam isso. Não são a favor da liberdade de uma mulher, nem da liberdade dos Media. Não suportam que diga qualquer coisa contra eles, não suportam o que acredito e eu não suporto o que eles acreditam”, refere.  

Zainab está desapontada com a ideologia fascista e extremista dos Talibã. A jornalista lembra notícias recentes: “Os Talibã bateram violentamente em dois jornalistas, só porque eram Hazaras e estavam a cobrir protesto feministas em Karte-Char, um bairo na parte ocidental de Cabul (capital do Afeganistão)”. Sobre planos de regressar ao país de origem, Zainab não tem certezas, mas garante que, se acontecer, será quando o país se libertar do extremismo e o genocídio terminar.  

Apelo à comunidade internacional 

A jornalista afegã pede que a comunidade internacional esteja atenta à realidade do Afeganistão, de difícil acesso a ajuda humanitária e à qual a população não consegue escapar. Além disso, encoraja o mundo e os governos a não apoiarem e não reconhecerem o regime Talibã no Afeganistão. “A população afegã não está contente com os Talibã, não era isto que queriam. O país precisa de um Governo que acredite na liberdade, justiça, direitos humanos, direitos das mulheres e liberdade de expressão. Infelizmente, os Talibã não respeitam nada senão as suas crenças”, conclui. 

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