Macaenses cada vez mais chineses

por Guilherme Rego
To Weng Kei

Circulam rumores no continente sobre a possibilidade de ser proibida a participação de artistas estrangeiros no mundo do entretenimento chinês. Maria Cordero, conhecida como “mãe gorda”, embora não mencionada na lista, declarou renunciar à nacionalidade portuguesa; lançando o debate nos Media e da população de Hong Kong. Em Macau, apesar de vários comentários online, com humor à mistura, foi pouco discutida a questão da nacionalidade dos macaenses.  

Maria Cordero é conhecida na comunidade macaense, mas a sua decisão não gerou grande discussão. Não é a primeira a fazê-lo – e não será a última. Um dos que o fez foi o advogado Leonel Alberto Alves, figura proeminente na comunidade macaense, que cinco anos após o retorno de Macau à China, abdicou da nacionalidade portuguesa e pediu a chinesa. Mais tarde, em 2008, foi nomeado membro do Comité Nacional da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês – primeiro macaense a assumir tal posição. Segundo a Declaração Conjunta, após o regresso de Macau à China, os residentes da cidade podem usar o passaporte português como “documento de viagem”; contudo, na China continental, não estão sob a proteção do Consulado Português. 

Melvin Assunção, macaense nascido na década de 90, recorda que o pai foi um dos que escolheu a nacionalidade chinesa e a assumiu um nome chinês. Já na década de 80, o pai testemunhara mudanças no estatuto dos macaenses: “Já não passeiam pela rua como dantes”. Começou então a estudar chinês em Pequim, tornando-se posteriormente funcionário público. A escolha do pai não influenciou Melvin, que deste pequeno vive entre as duas culturas. Prefere essa identidade itinerante, tendo durante a entrevista misturado o português e o inglês, sem nunca definir completamente a sua identidade.  

Melvin Assunção

Representante de outra geração, Miguel de Senna Fernandes, nascido nos anos 60, é presidente da Associação dos Macaenses e tem dedicado toda a sua vida à promoção da cultura macaense. A sua família chegou a Macau há mais de 200 anos, e admite ter ficado chocado quando, há mais de uma década, soube que um macaense renunciara à nacionalidade portuguesa. Agora já compreende: “Temos de reconhecer as novas tendências e compreender que a vida é feita de escolhas; devemos saber respeitar as dos outros”. 

Melvin Assunção: “Os benefícios da proteção chinesa são muito maiores” 

Senna Fernandes explica que a primeira geração de macaenses se apelidava de portugueses, norma que se manteve até à década de 80. Embora seja difícil definir a dimensão atual da comunidade macaense, garante que, por conveniência, existem muitos com nacionalidade chinesa. Por exemplo, os que compram casa e vivem em Zhuhai ou Tanzhou, o que seria complicado sem um “salvo-conduto para Deslocação à China”; ou os que utilizam o passaporte de Macau para viajar no sudeste asiático. Miguel salienta, no entanto, que “nacionalidade e identidade são coisas diferentes”.  

A questão dos passaportes está intimamente ligada ao ambiente em que crescemos. Melvin conta um caso vivido na Suíça, onde o acusaram de falsificar a carta de condução por ter cartão de cidadão português e carta de Macau. Acabou mesmo por ser detido, visto que nenhuma autoridade portuguesa foi chamada em seu auxílio. Indignado, percebeu que a escolha inteligente seria o passaporte de Macau, acreditando que “as autoridades de Macau iriam enviar alguém para ajudar”, e que “os benefícios da proteção chinesa são muito maiores.” Pediu então o passaporte de Macau e assumiu a nacionalidade chinesa. No entanto, identifica-se com a filosofia de Bruce Lee: “Sê a água, não a garrafa”.  

Leia mais sobre o assunto em: Estudo conclui que nova geração de Macaenses assume naturalmente mistura racial

“É legalmente possível renunciar à nacionalidade portuguesa”, lembra Miguel de Senna Fernandes, advogado de profissão. Mas o processo não termina apenas com a entrega do passaporte, devendo seguir-se a “Lei de Nacionalidade” portuguesa; caso contrário, a pessoa em causa continua a possuir nacionalidade portuguesa. Reconhecendo os problemas de identidade que enfrentam as novas gerações de macaenses, diz que “o ambiente e os desafios são completamente novos”. A geração nascida após o regresso de Macau à China cresceu com uma base educativa e cultural diferente da “velha escola”. Há sempre conflito entre gerações, mas admite que os novos macaenses “estão mais adaptados ao ambiente; sabem a tendência futura”.  

Miguel de Senna Fernandes

Miguel de Senna Fernandes acrescenta que a atitude da nova geração em relação à cultura macaense não possui qualquer correlação com o conhecimento da língua portuguesa, trata-se de uma desconexão com a cultura transmitida pelos seus antepassados. Caso a nova geração continue indiferente, a cultura macaense acabará por desaparecer.  

Melvin Assunção já não está sequer muito envolvido na cultura macaense, e acredita que a evolução natural é acabar por desaparecer, incluindo as línguas Macaísta e Patuá. “Mas se alguém estiver disposto a preservar esta cultura para futuras gerações, então irei respeitar”, ressalva. Foi convidado a participar em atividades relacionadas com o Patuá, mas perdeu o interesse: “Eles (organização) querem estandardizar, mas tal fará com que perca as suas características. Por exemplo, todas as famílias possuem uma receita diferente de Minchi, não existe uma forma oficial de cozinhar este prato”. Melvin diz que o Patuá também varia de família para família: “Não existe uma versão ortodoxa”. 

Miguel de Senna Fernandes: “Ao nível de ensino do português, a RAEM pode fazer muito melhor” 

No que respeita à importância da cultura macaense, ambos concordam que a atitude é muito pragmática: as pessoas preocupam-se em ganhar dinheiro para se sustentar, sem tempo livre para as questões culturais. Senna Fernandes reconhece que o Governo da RAEM tem ajudado, com o Teatro em Patuá a ser definido como Património Cultural Intangível. Contudo, denuncia uma atitude “conservadora e superficial” nessa defesa da cultura macaense. 

Melvin Assunção diz que entre os amigos macaenses que já pouco se usa português; a maioria fala chinês e inglês. Já no continente, reconhece, há muitos falantes de português – “até melhores que os residentes de Macau”. A promoção de Macau como ponte entre a China e Países de Língua Portuguesa é uma grande oportunidade de desenvolvimento para a cidade, mas muitos residentes não possuem interesse. “E só mais um trabalho”.  

Senna Fernandes conclui que o ensino da língua portuguesa em Macau não está a um nível suficientemente alto: “A cidade assume uma posição essencial nas políticas de cooperação com os Países de Língua Portuguesa; por isso, ao nível de ensino do português, a RAEM pode fazer muito melhor”.  

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