A parceria sino-brasileira acredita que mais tecnologia pode melhorar a produtividade e proteger o ambiente. O sistema de monitorização do bem-estar de bovinos, que está a ser testado no Brasil, pode no futuro prever a evolução dos animais, identificar doenças e certificar a carne.
A parceria sino-brasileira vê no Brasil, segundo maior produtor de carne bovina do mundo e maior exportador, o local perfeito para desenvolver esta experiência. O país sul-americano fixou um novo recorde mensal em setembro, enviando 187 mil toneladas para o estrangeiro, revelou a Secretaria de Comércio Exterior do Ministério brasileiro da Economia.
Mas o recorde não impediu a queda do preço da carne de vaca brasileira para 19,2 reais (28,7 patacas) por quilo, menos 13 por cento do que em junho.
A culpa é da suspensão das exportações para a China, devido à deteção de dois casos de encefalopatia espongiforme bovina (EEB), mais conhecida por doença das vacas loucas, a 4 de setembro.
A China é o único país importador do Brasil que conta com um protocolo sanitário que exige a suspensão temporária quando se deteta um caso de EEB.
A medida “irá manter-se até que as autoridades chinesas concluam a avaliação das informações já remetidas”, disse o Ministério brasileiro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).
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Em 2019, o Brasil também foi obrigado a suspender as exportações para a China devido à doença das vacas loucas, mas apenas durante duas semanas.
Desta vez já passou mais de um mês, numa altura em que os importadores chineses já preparam o pico do consumo, o período do Ano Novo Lunar, em fevereiro de 2022.
Os dois casos foram detetados em animais que seriam “descartados” da finalidade alimentar, devido à idade avançada. Mas um projeto-piloto de uma parceria sino-brasileira poderia tê-los identificado mais cedo, disse ao PLATAFORMA Camilo Carromeu, analista da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Gado de Corte, sob a tutela do MAPA.
As vacas com EEB têm sintomas como ansiedade, nervosismo e perda de peso. Sinais que podem ser detetados por sensores que a Embrapa, o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPQD) e a gigante tecnológica chinesa Huawei Technologies estão a testar, no âmbito de uma parceria sino-brasileira.
Camilo acredita que o projeto pode criar algoritmos “treinados para justamente identificar” doenças em animais. “Não preciso esperar que a doença se propague por todo o meu rebanho”, sublinha.
Prever o futuro
Os 32 bovinos que pastam no campo experimental da Embrapa Gado de Corte, em Mato Grosso do Sul, nem sonham que são o objeto de um projeto de um ano com um orçamento de 1,2 milhões de reais.
Cada um tem um “cabresto inteligente”, desenvolvido pela Embrapa e pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, que regista “índices de bem-estar animal”, como a frequência cardíaca e respiratória, a temperatura do pelo e se está à sombra ou ao sol, explica Camilo.
Uma balança de passagem pesa os bovinos, cada vez que um animal passa nos corredores que levam o gado aos bebedouros ou à secção alimentar.
Um conjunto de sensores de microclima da Pong Yuen, uma parceira tecnológica da Huawei, regista a temperatura e a humidade, mas também a humidade do solo e até a temperatura da água nos bebedouros, sublinha Camilo.
Todos estes dados são enviados através da Internet das Coisas (IoT, na sigla inglesa) para a nuvem da Huawei. O CPQD está a desenvolver um painel para permitir ao produtor acompanhar cada animal.
“A gente já observou que existe uma redução do tempo” de maturação dos bovinos, disse ao PLATAFORMA Bruno Zitnick. O Diretor de Relações Públicas e Governamentais da Huawei Brasil acredita que esta tecnologia irá também reduzir os custos.
O próximo passo, disse ao PLATAFORMA Norberto Alves Ferreira, Gestor de Soluções IoT e Inteligência Artificial do CPQD, é “usar plataformas de inteligência artificial para gerar algoritmos” que possam prever a evolução dos bovinos.
Caso não estejam a crescer como esperado, o produtor pode, “por exemplo, entrar com um novo suplemento ou regime de pasto”, explica Camilo Carromeu.
O objetivo é criar até abril de 2022 um produto para testar “em algumas empresas que já estão a procurar-nos para fazer parcerias”, diz Bruno Zitnick. Essa segunda fase traria mais dados e a possibilidade de introduzir novas funcionalidades, acrescenta.
“É como se ao longo do tempo a gente almejasse criar ali um mundo virtual onde eu consiga ter já o conhecimento de tudo o que possa acontecer no mundo físico”, refere Norberto Alves Ferreira.
Parceria sino-brasileiro no celeiro do mundo
Em 2020, o Brasil recebeu 8,4 mil milhões de dólares norte-americanos (67,4 mil milhões de patacas) graças às exportações de carne bovina, com a China a ser o principal destino, segundo a associação brasileira de matadouros Abrafrigo.
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Mas Camilo Carromeu acredita que a tecnologia testada pela Embrapa pode no futuro trazer valor acrescentado, através da certificação.
O analista dá como exemplo a iniciativa Carne Carbono Neutro, um selo da Embrapa para carne cujas emissões foram compensadas. “Está mesmo sendo copiada por outros países, como a Austrália”, diz.
Hoje o processo é manual, mas Camilo tem esperança que no futuro “possamos olhar para todo esse histórico do animal no campo e subsidiar a certificação de forma automatizada”.
Um manancial de informação que permite ao produtor garantir a rastreabilidade da carne, “o que é exigido pelo mercado exterior hoje”, diz Bruno Zitnick.
Alguns mercados, “sobretudo na Europa”, permanecem inacessíveis aos produtores brasileiros, lamenta Camilo Carromeu.
Ele refere que o processo testado pela Embrapa poderia “comprovar que aquele animal foi criado nas melhores condições”, abrindo assim novos mercados para a carne bovina brasileira.
A China é o principal mercado da agropecuária brasileira, absorvendo 39 por cento das exportações deste setor na primeira metade de 2021, segundo o Instituto de Pesquisa Económica Aplicada, vinculado ao Ministério da Economia do Brasil.
“Os chineses têm uma população muito grande e a dificuldade de produzir alimentos por não disporem de uma base hídrica como o Brasil dispõe”, disse na semana passada o Ministro brasileiro da Economia, Paulo Guedes.
Mas vários estudos académicos têm relacionado as exportações para a China com os problemas ambientais observados no Brasil, incluindo a desflorestação da savana brasileira, o Cerrado, e do Amazonas.
Uma desflorestação que pode pôr em risco cerca de 12 milhões de pessoas devido ao calor extremo, sublinha um estudo da Fundação Oswaldo Cruz, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e da Universidade de São Paulo, divulgado a 1 de outubro.
Camilo Carromeu é mais otimista.
No final de 2020, o Brasil tinha mais de 218 milhões de bovinos, revelou na semana passada o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Embora seja o dobro do registado nos anos 60, a área utilizada pela pecuária caiu para metade, sublinha Camilo.
O analista não tem dúvidas de que o Brasil pode continuar a alimentar a China, produzindo mais “com ‘input tecnológico, sem necessariamente crescer em novas áreas”. “O Brasil tem uma aptidão natural para ser o celeiro do mundo”, diz.
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Huawei na montra
Para a Huawei Technologies, a parceria sino-brasileira com a Embrapa e o CPQD serve também como montra da gigante chinesa, disse ao PLATAFORMA Bruno Zitnick, Diretor de Relações Públicas e Governamentais da Huawei Brasil.
“A nossa ideia é provocar não somente o setor da agricultura, mas todas as verticais industriais a já pensar em como utilizar tecnologia para resolver os problemas”, explica.
E Bruno acredita que o sistema que está a ser criado em Mato Grosso do Sul e os algoritmos que estão a ser treinados na nuvem da Huawei podem depois ser “plenamente aplicáveis a qualquer outro país, seja a China ou na Europa”.
Além de parcerias com empresas brasileiras, o grupo chinês quer também trabalhar com “empresas que tenham interesse em levar a nossa tecnologia para outros mercados”, acrescenta.