Um Futuro Digital? Ou Futuro Digitizado?

por Guilherme Rego
Nelson SilvaNelson Silva*

Nesta semana trago uma temática ligeiramente diferente e existe uma razão para tal. Acontece que estive nos últimos dias em representação da Comissão de Economia da Assembleia da República, no 30º Fórum Económico em Karpacz, na Polónia, e um dos temas em que intervi como orador foi uma temática constante ao longo desta conferência. Mas vou começar por fazer uma clarificação importante. Ao ler o título desta crónica, poderá ter pensado “Que gaffe de português!! Este tipo não sabe escrever”. Posso assegurar que na realidade não é gafe nenhuma. O termo “digitizado” que deriva do inglês digitalization (e que não é o conceito de digitalização como é descrito na maioria das vezes) é um conceito que se prende mais com o objeto da economia digital, os negócios digitais e a conversão dos negócios na estrutura do mundo digital. Enquanto a digitalização é um procedimento que põe a tecnologia no centro das prioridades de uma empresa ou organização. E esta é uma distinção importante.

No painel de debate em que participei, estava presente o anterior Ministro para a Digitização polaco,  Marek Zagorski. Foi uma oportunidade incrível ter tido assim conhecimento das grandes prioridades deste país, as quais são um reflexo das agendas políticas dos países ditos da Europa de Leste.

E existe um ponto que sempre me pareceu estranho, mas para os governantes e empresas destes países é o mais fundamental de todos: a soberania nacional digital. Convém situar os leitores e dar nota de que a questão nacionalista nos países de leste é sempre muito importante e tem sido um dos principais motores governativos desde a queda do muro de Berlim. Ora, seria completamente natural esperar que a manutenção da soberania também fosse uma questão no espaço digital, mas existe aqui um problema que também afetará o nosso país. A larga maioria dos países da antiga União Soviética está muito atrasada no que às infraestruturas necessárias para uma efetiva digitização diz respeito. Porém, o orgulho nacional – que é um sentimento muito comum e presente em todos os aspetos da cultura da Europa de Leste – está a impedir um investimento certo quer nas infraestruturas, quer na digitalização (transformação digital). Isto porque existe um princípio que nas minhas intervenções nesta conferência procurei evidenciar: simplesmente, não existe o conceito de soberania nacional no espaço digital. E se já se regista um atraso em relação dos países de Leste face a outros, optar por não investir neste objetivo enquanto não estiver resolvida a questão da soberania nacional é fatal para a economia destes países mas também para a economia europeia.

E agora faço a relação entre outro ponto amplamente discutido nesta conferência e que, de resto, gerou um debate mais intenso entre mim e o senhor Marek Zagorski: a falta de competitividade da Polónia em relação à China ou aos Estados Unidos. Ora bem, esta visão de que os países de Leste têm de conseguir competir com estas potências é partilhada por governantes, ex-governantes e pela vasta maioria dos CEO’s, CTO’s e CFO’s que estavam presentes. Mas, claro, que é um erro. Não existe nenhum cenário em que um Estado-membro consiga competir de frente com uma destas super-potências. Não nego a necessidade de a China e Estados Unidos terem concorrência à altura, mas tem de ser feito de outra forma. A União Europeia tem realmente de se unir em torno deste objetivo e partilhar recursos nomeadamente financeiros, mas não só, para que os Estados-membros mais atrasados neste setor consigam recuperar, bem como para que, em conjunto e como um bloco comercial e económico que somos, consigamos sim almejar ter essa capacidade competitiva. Felizmente os CEO’s presentes no painel acabaram por concordar com esta visão, no entanto, é preocupante perceber que ainda existem muitos países com uma visão unitária da cooperação e da digitização. E essa intransigência de soberanias pode ser a derrota da economia da União Europeia. E a de Portugal por arrasto.

*Deputado do PAN

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