O impacto da Ciência Política em Macau

por Guilherme Rego
Macaology

Macau assistiu este ano a uma série de eventos sem precedentes, entre os quais a proibição das comemorações do 4 de junho – primeira vez em 30 anos – e a desqualificação de vários candidatos à Assembleia Legislativa. Uma grande mudança no contexto político da cidade. Para compreender o que mudou é preciso analisar o sistema político e a forma como foi previamente estudado, entendendo as conclusões que se tiraram.  

Este artigo aborda dois pontos de vista teóricos diferentes: Estudos Regionais e Estudos Interdisciplinares; matérias que representam abordagens diferentes nos estudos de ciência política e refletem a alteração do paradigma a de investigação em Hong Kong e Macau. Os Estudos Regionais, como o nome sugere, dizem respeito ao estudo de uma região específica, com o objetivo de aumentar o “conhecimento local” sobre si mesma. No sentido inverso, os Estudos Interdisciplinares procuram o “conhecimento geral”, cruzando visões e abordagens diferentes entre várias disciplinas específicas. Por exemplo, em termos de classificação disciplinar, a ciência política em Macau pertence ao campo da política comparada. Já no que diz respeito à classificação do seu sistema político, Macau possui um regime híbrido autoritário, devendo por isso ser analisado também tendo em vista a teoria geral do autoritarismo.    

Diferentes conclusões podem ser tiradas conforme o ângulo de estudo adotado. Devido à sua estabilidade, Macau serve de modelo ao regime “Um País, Dois Sistemas”. Pan Guanjin explica o conceito na obra “A Transformação do Sistema de Associativismo em Macau: Auto-Governação, Representação e Participação Política”.  Escreve a propósito o autor: “Sob controlo do Governo colonial, os chineses não possuíam um sistema administrativo que lhes permitisse governar o Território, internamente, dando ainda resposta às forças externas. Por isso organizaram-se em associações, que representavam as mais diversas tendências sociais e políticas, para poderem lidar com problemas internos e externos.  A política em Macau foi mesmo definida como “super estável”, descrita da seguinte forma: 

– Poucos documentos políticos geraram reação ou choque de dimensão relevante na comunidade; 

– Não havendo influência externa, dificilmente tensões sociais conduzem a graves conflitos políticos. As divergências teóricas na Região dificilmente se transformam em batalhas políticas; o desenvolvimento das várias forças políticas que se foram juntando estagnou, anulando também as distinções entre si.  

– Esta situação “super estável” depende em grande parte do associativismo; ou seja, da forma de funcionamento eficaz do Governo e da implementação da autoridade. (pág. 114)” 

A verdade é que a estabilidade política raramente se determina por um único fator. Ou seja, o corporativismo é apenas uma das circunstâncias da pacificação de Macau.  

Na obra “A Estabilidade do Regime de Macau na Perspetiva do Corporativismo”, Meng U Ieong explica o seguinte: “De um ponto de vista meramente histórico, a explicação do corporativismo é bastante convincente. Contudo, se analisarmos a estabilidade política de Macau numa perspetiva interdisciplinar, detetamos falhas nos estudos anteriores. A análise assente na teoria da política autoritária – “Corporativismo de Macau” – era apenas uma forma de cooptação da elite. O Governo britânico de Hong Kong utilizou esse mesmo método e a Lei Básica – Hong Kong e Macau- foi criada para dar continuidade ao sistema criado pelos governos coloniais. Tal como demonstra Fong Chi Hang, a instabilidade em Hong Kong após a transferência de soberania, deve-se em parte ao facto de a elite não ter assumido a sua função de intermediação entre o Governo e a sociedade civil. 

Casos semelhantes, em que intermediação não foi assumida, também existem em Macau. Exemplo disso são os protestos de 2014; razão pela qual existe um conflito lógico na interpretação do “corporativismo característico de Macau”. Não faz sentido que um mesmo axioma teórico seja, nuns casos, fator de sucesso; e, noutros, de falhanço. Há outros elementos que tornam Macau e Hong Kong tão diferentes no respeita à estabilidade – ou instabilidade – política. Parece mais razoável assumir que a cooptação das elites é condição necessária para a estabilidade do regime. A partir daí analisam-se então outros fatores relevantes. Ou seja, é necessária uma nova estrutura teórica. 

As explicações encontradas com base nos estudos interdisciplinares são mais convincentes. Embora a situação de Macau possa ser comparada à de outras regiões, a abordagem interdisciplinar é crucial para se melhor se perceber o regime que verdadeiramente vigora em Macau.  

*Macaology

Pode também interessar

Contate-nos

Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

Plataforma Studio

Newsletter

Subscreva a Newsletter Plataforma para se manter a par de tudo!