Para onde vai o Brasil?

por Filipa Rodrigues
João MeloJoão Melo*

Em princípio as redes sociais nasceram para unir as pessoas mas ao abrir a porta à intimidade as facetas menos simpáticas de cada um ficam expostas. Tornaram-se igualmente um palco de teorias mirabolantes e um dos veículos de clivagem entre cidadãos do mesmo país ou de outros países. Raramente se assiste à discussão de ideias, não há espaço, tempo ou vontade, com frequência denoto convicções, e quando entre portugueses e brasileiros a conversa azeda vêm à tona preconceitos de parte a parte. Tenho dado a minha opinião sobre algumas idiossincrasias dos portugueses hoje aflorarei as dos brasileiros. Desconheço se o chavão do ouro roubado é assim ensinado nas escolas do Brasil ou advém de uma interpretação superficial; o facto é que se revela uma arma de destruição de debates, tem o efeito de uma bomba atómica, equiparável à arma portuguesa usada quando se acabam os argumentos, a ignóbil “vai para a tua terra”.

O que é o “roubo do ouro”? Essencialmente uma teoria similar à da Terra plana. Tanto quanto nos é permitido percepcionar ela assim parece, e para entender a sua esfericidade há mais de 2000 anos Erastótenes precisou de pôr de lado os sentidos e usar a matemática; hoje a simples observação a partir do espaço confirma-o. Também a questão do ouro necessita de uma abordagem mais elevada. O Brasil enquanto nação é uma invenção portuguesa, antes disso era um território pertencente à coroa de Portugal em acordo com as leis internacionais da época. Como se pode roubar o que é legitimamente seu? Seria como o Roberto Carlos processar-se a si próprio por plágio, uma vez que para mim deve ser um dos artistas que mais se auto-plagia. Os habitantes desse território sul-americano eram índios; não direi que a questão do ouro é um “não assunto”, possivelmente é assunto mas não para quem o costuma levantar, porque quem reclama do “roubo” são os próprios ladrões. Na altura da independência havia 3 milhões de portugueses no Brasil, mais do que em Portugal, além de escravos africanos e imigrantes de outros países europeus. A população brasileira foi quase toda importada para aquela terra, reproduziu-se, hoje são mais de 200 milhões e quem lá vivia no século XVI, os verdadeiros autóctones espoliados, são actualmente uma minoria desprotegida.

Em pleno século XXI um presidente eleito pela maioria dos brasileiros, uma personagem saída de uma novela do tempo dos coronéis do século XIX, explora de maneira predatória (uma mentalidade similar à do século XVIII), delapida ou permite a delapidação da Amazónia por interesses privados, contrários ao bem comum, já nem falo da humanidade mas do cidadão brasileiro; no entretanto pretende “civilizar” os índios tal como era norma no século XVI, apenas mudou a religião, dantes era a cristã agora é a “modernidade”. No fundo quer é roubar-lhes o ouro ao qual eles dão importância: a identidade, a terra. De facto os índios sempre desprezaram aquilo que os portugueses exploraram nos seus territórios, há 500 anos só desejavam serem deixados em paz e ao fim deste tempo ainda não aprendemos a tolerar quem é diferente da nossa tribo, não os deixamos viver como querem. A semana passada índios manifestaram-se em Brasília contra a usurpação das suas terras e cultura. Na dinâmica própria das revoltas alguém incendiou uma estátua de Pedro Álvares Cabral… Ui, a ironia. Não sei quem a incendiou, se calhou surgir pelo caminho ou foi escolhida pelo simbolismo, mas quer tenham sido índios ou contra-manifestantes com o intuito de desviar atenções, vai dar ao mesmo: Pedro Álvares Cabral simboliza o início do inferno dos indígenas, representa quem os brasileiros realmente são hoje, os herdeiros dos usurpadores. E se os pais lhes roubaram matérias às quais não davam importância, os filhos ainda são piores, pretendem roubar tudo o que lhes é mais precioso. Do ponto de vista do presidente suponho que olhe para os índios como uma aberração, afinal segue o complexo salvífico dos norte-americanos, não compreende quem não sente o apelo do seu modo de vida.  

Quais as opções dos brasileiros? Em todos os debates nas redes sociais concluo só haver uma: um ex-presidente apelidado de marxista, condenado por corrupção. Não conhecendo nem compreendendo a complexa teia de subtilezas políticas mostradas para o exterior, admito poder ser isto uma convicção: para quem vê de fora, essa teia parece servir sempre o mesmo fim, fornecer margem para desculpas, “eu errei mas tu erraste mais”. Ao poder instalado interessa a bipolarizarização; o país é do tamanho de um continente, compõe-se de vários “Brasis”, portanto convém dividir o rebanho em dois, promover diferenças entre as facções de maneira a controlá-lo melhor. Não há mais opções? Não seria hora de os brasileiros arregaçarem as mangas e assumirem responsabilidades adultas, escolherem o destino por si mesmos sem necessidade de paizinhos, reis, ditadores, capatazes, sindicalistas, coronéis ou modelos estafados? A questão do ouro sugere-me camuflagem da irresponsabilidade de adolescentes, aliás, de crianças no banco de trás do carro que gritam “-mamãe ele me bateu” “-mentira mamãe, ele me bateu primeiro”… A diferença é que aqui não há mamãe dirigindo. As coisas são o que são, até à idade adulta culpam-se os pais por não terem dado isto ou aquilo mas para quem quer fazer alguma coisa da sua vida chega uma altura em que já nada disso importa, pega-se no volante do carro que nos foi legado, bom ou mau, cuidando-o pelo nosso próprio interesse; não é pelos outros, é por nós, já que ninguém vai viver a vida por nós. Preferirão os brasileiros dirigir, deixar que os dirijam numa espécie de auto-piloto, ou culpar A e B por não saberem para onde querem ir? Não seria melhor parar de sonhar com presentes do Papai Noel? Ele não existe. Há 200 anos o Papai Cruel largou o volante, apeou-se e ficaram órfãos; desde aí idealizam um salvador que os dirija, porém o carro vai seguindo desgovernado sem saberem para onde vão. Andam há 500 anos na mesma viatura, era tempo de construirem outra, ou seja um paradigma diferente, têm um potencial gigantesco para liderarem uma nova via, quiçá materializando o 5º Império pensado por alguns dos mais distintos pais. Como a minha pátria é a Língua Portuguesa entristece-me que não olhem para a frente e sigam, por exemplo, esse caminho; têm pais na Europa, irmãos em África, espalhados pelo mundo dispostos a segui-los, e nenhum tem a sua capacidade. Ou então trilhem outro caminho que assumam querer, a “família” teria sempre orgulho neles qualquer que fosse a sua escolha.

*Músico e embaixador do Plataforma

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