Responsabilidade social e diversificação do investimento americano

por Guilherme Rego
Guilherme Rego

No relatório de 2021 sobre o “Clima de Investimento”, realizado pelo Departamento de Estado norte-americano, Macau volta a ter uma avaliação positiva, apesar da crescente tensão entre os Estados Unidos da América (EUA) e a China. Em declarações ao PLATAFORMA, os economistas Fung Kwan, professor na Universidade de Macau, e José Luís Sales Marques, presidente do Instituto de Estudos Europeus de Macau (IEEM), analisam a importância deste reconhecimento externo, à luz da renovação das concessões dos casinos; da diversificação económica; e da responsabilidade social. 

Sales Marques lembra que o documento, que analisa “várias economias do mundo”, demonstra a importância que Macau tem como destino de investimento norte-americano. “Como o relatório indica, o investimento dos Estados Unidos em Macau na última década foi estimado em 23,8 mil milhões de dólares americanos. É um grande volume de investimento”, aponta.  

O presidente do IEEM salienta ainda a conclusão de que a ligação entre os EUA e Macau continua a ser propícia ao investimento e favorável ao desenvolvimento económico da RAEM. “O documento expõe que o Governo de Macau mantém uma economia transparente, não discriminatória e de livre concorrência. Além disso, está decidido a preservar esse ambiente amigável e de facilitação do investimento estrangeiro no Território”.  

Até ao momento existem três operadoras de casinos em Macau controladas por grupos norte-americanos: Las Vegas Sands, Wynn Resorts e MGM Resorts International. O relatório refere que o Governo de Macau está a preparar uma proposta de revisão da Lei do Jogo “para orientar o processo de renovação” das licenças e planeia realizar uma consulta pública sobre essa matéria, no segundo semestre de 2021. Fung Kwan pensa que isso pode ser positivo, tendo em conta que “o desafio presente nos próximos anos será a concessão de licenças de jogo”, comenta. “Desde a liberalização do jogo, em 2002, houve um investimento substancial dos EUA em casinos e hotéis, estimulando o rápido crescimento económico no setor do turismo, jogo e entretenimento que observamos”, explica Kwan.  

Relativamente às crescentes tensões económicas e comerciais entre os EUA e a China, Sales Marques acredita que a indústria do jogo, a grande beneficiária do investimento norte-americano em Macau, continuará à margem do conflito: “Não tenho razões para pensar o contrário”, responde ao PLATAFORMA, acrescentando que “o que irá ser determinante são as decisões que o Governo de Macau terá de tomar para o futuro do setor”, sublinha. Kwan hesita em emitir previsões sobre o futuro, salientando que as licenças irão acabar em menos de dois anos: “Estamos todos cientes do conflito económico e comercial entre os EUA e a China. Esta situação traz incertezas quanto ao futuro da indústria do jogo. Aguardamos todos pela decisão do Governo de Macau que, importa referir, não tem grande poder de decisão sobre o caminho que irá ser traçado pelas duas potências nas vertentes económicas e comerciais. Não acho que vá haver grandes alterações, mas foge do controlo da RAEM”.  

“Menciono nas minhas aulas que este tipo de decisões não são do domínio completo da RAEM. Existem algumas instruções delineadas pelo Governo Central, que orientam a relação económica entre os dois países. O setor do jogo tem grande importância e as concessões passam pelas mãos de Pequim. Isto pode explicar a razão pela qual ainda não existe uma ideia clara por parte do Governo de Macau sobre o assunto. No entanto, quando se fala da transformação da paisagem económica local, o Governo de Macau pode mudar muito”, acrescenta o professor da Universidade de Macau.  

De acordo com os dados divulgados pela Direcção dos Serviços de Estatística e Censos (DSEC) em 2019 – antes da pandemia de Covid-19 -, as empresas de jogo produziam 50,5 por cento do produto interno bruto (PIB) de Macau a preços de produtores, o que representa um aumento de 1,5 por cento em relação a 2018. 

Diversificação e responsabilidade 

“O grande problema de Macau tem sido a falta de diversificação da economia”, lamenta Kwan, acrescentando que o Governo da RAEM “pode e deve fazer mais”. O relatório explica que Macau pretende afirmar-se como uma “plataforma de serviços de cooperação comercial” entre a China e os países lusófonos, bem como “centro regional” de turismo, convenções e exposições. Porém, a estratégia de diversificação económica registou até agora um “sucesso limitado”. O Departamento de Estado dos EUA acredita que o “desempenho” das operadoras ao nível da “responsabilidade social corporativa” (CSR na sigla inglesa) será um dos fatores que as autoridades irão considerar na “renovação” das licenças do jogo. “Ao contrário de 2002, provavelmente, o Governo exigirá que os potenciais operadores de casinos aumentem os esforços de CSR na sua organização em Macau e façam mais para facilitar a diversificação económica”, prevê Kwan. Na sua opinião, a indústria do jogo deve assumir um papel preponderante no desenvolvimento de outras áreas económicas. “No desenvolvimento da economia local, o Governo de Macau tem mais poder do que a China. Com as novas concessões, podem apelar às operadoras a fazerem mais pela diversificação”.  

Sales Marques observa que o investidor norte-americano “não se preocupa” com esta matéria, pois o investimento “é muito centrado no jogo”. No entanto, adianta que se deve procurar uma “visão mais abrangente” sobre a entrada de investimento estrangeiro na Região, bem como as atividades na área do jogo. “O próprio relatório indica que o Governo de Macau tem apelado à responsabilidade social e à diversificação dentro do próprio setor do jogo. É uma componente positiva, pois pressiona as operadoras a diversificar as receitas, fazendo atividades sem relação direta com o jogo”, evidencia.  

Kwan explica ao PLATAFORMA que “as leis e requisitos para as concessões terão de ser revistas para produzir os efeitos desejados. O Governo local sabe que tem problemas mas não sabe como mudar o panorama atual. Com o sistema corrente, será muito difícil diversificar a economia”, alerta.   

“Nos últimos anos, o Governo da RAEM tem pressionado o setor a realizar algumas atividades desfasadas do jogo. Basicamente, temos deixado a responsabilidade nas operadoras. O problema é que estas apenas cumprem as linhas orientadoras, só cumprem o objetivo estipulado, que é pouco”, explica Kwan. “O orçamento que alocam para estas atividades é uma pequena parte das receitas que geram. No futuro, estes acordos terão de ser aperfeiçoados. O problema surge no grau de especialização das operadoras para diversificar a economia do Território. Lembremo-nos qual é o foco das mesmas. Apesar de terem vantagens em promover atividades separadas desta indústria, temos de pedir-lhes que introduzam companhias de renome internacional no mercado local, de maneira a contribuir da melhor maneira para a diversificação da economia”, conclui o professor universitário.  

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