Cabo Delgado: Apoio internacional dá esperança a quem sonha voltar a casa nos centros de acolhimento

por Guilherme Rego

Sawege Farque perdeu a mãe fugindo dos ataques à sua aldeia há um ano e hoje a esperança de visitar a campa da defunta ganha asas, com o apoio internacional a Moçambique para travar o terrorismo em Cabo Delgado.

“Eu quero voltar para casa para visitar o local em que enterrei a minha mãe”, conta à Lusa Sawege Farque, a escassos metros da sua palhota improvisada com colmo, num dos centros de acolhimento que partilha com cerca de 200 famílias deslocadas em Metuge, a cerca de 42 quilómetros da capital provincial de Cabo Delgado (Pemba).

A mãe de Farque morreu após tropeçar quando uma multidão fugia a um ataque armado em Mecoju, no distrito de Macomia, em agosto do ano passado, e o filho só encontrou o corpo dias depois para o enterrar, mas desde lá nunca mais visitou a campa da falecida.

Hoje, as notícias que dão conta de que Moçambique tem apoio internacional para combater o terrorismo devolvem a esperança ao antigo agricultor, que sonha em voltar para Macomia para prestar homenagem à sua mãe.

“Eu vou visitar o local onde ela está enterrada”, frisa Sawege Farque.

No limiar da miséria e com a responsabilidade sobre uma família de seis membros, a vida de Sawege Farque no centro de acolhimento resume-se em ver o tempo passar, à espera do apoio de uma organização não-governamental ou famílias de boa vontade, o que nem sempre acontece.

“O nosso sonho é voltar para as nossas zonas de origem”, declarou Farque.

A vontade de voltar para casa não é só de Sawege Fraque em Metuge: há outras centenas de pessoas que buscaram abrigo neste distrito nos últimos anos e que continuam a sonhar em voltar para as suas terras de origem, embora estejam cientes de que perderam o pouco que tinham lá na sequência dos ataques armados.

O pequeno agricultor Abu Sefo, 52 anos, também está nesta longa lista: fugiu de Mocímboa da Praia há um ano com a sua família deixando para trás tudo o que construiu durante a sua vida, mas hoje a esperança volta a ganhar espaço, após o anúncio de que a força conjunta de Moçambique e do Ruanda recuperou a vila sede daquele distrito, por muitos considerada a base dos insurgentes.

“Gostei de saber [que a força conjunta controla Mocímboa da Praia] porque eu quero voltar. Aqui [no centro de acolhimento] eu estou a dormir no chão e para comer é um grande sacrifício”, diz à Lusa o antigo agricultor que vivia em Mangoma, a 15 quilómetros da vila sede de Mocímboa da Praia.

Tal como Sefo, Daúde Ossemane, 62 anos, fugiu de Mocímboa com a sua mulher e oito filhos e, há quase um ano, a família partilha o mesmo quarto na pequena palhota sustentada por uma tenda doada pela Organização Internacional das Migrações em Metuge.

“Este é um sofrimento, a minha mulher e eu dormimos com os meus filhos. É difícil. Eu sei que em minha casa eles [os insurgentes] já destruíram tudo, mas eu quero voltar”, declarou.

Mas o sonho de Sefo e Ossemane não está tão próximo como aparenta, na medida em que apesar de as forças governamentais terem tomado, em 08 de agosto, a vila sede do distrito onde os ataques começaram em outubro 2017, as autoridades esclarecem que as operações de limpeza continuam e não há condições para o regresso das populações, dado o nível de destruição deixado pelos rebeldes.

A vila, a 70 quilómetros a sul da área de construção do projeto de exploração de gás natural liderado pela Total, tinha sido invadida e ocupada por rebeldes em 23 de março do ano passado, numa ação depois reivindicada pelo grupo ‘jihadista’ Estado Islâmico, e foi, em 27 e 28 de junho daquele ano, palco de longos confrontos entre as forças governamentais e os grupos insurgentes, o que levou à fuga de parte considerável da população.

Enquanto o sonho de voltar para casa espera, aos deslocados sobra uma realidade cruel com o drama humanitário nos centros de acolhimento cada vez mais grave.

Além do Ruanda, Moçambique tem agora apoio da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), num mandato de uma “força conjunta em estado de alerta” aprovado em 23 de junho, numa cimeira extraordinária da organização em Maputo que debateu a violência armada naquela província, havendo militares de alguns países-membros já no terreno

Na sequência dos ataques, que aterrorizam a província de Cabo Delgado desde 2017, há mais de 3.100 mortes, segundo o projeto de registo de conflitos ACLED, e mais de 817 mil deslocados, segundo as autoridades moçambicanas.

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