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De percalço em percalço

Marco Carvalho

Um revés passageiro para uns, um contratempo que mergulha em incerteza as perspetivas de recuperação da economia do território para outros. O ressurgimento da pandemia de Covid-19 na província de Guangdong deixou concessionárias de jogo e operadores turísticos à beira de um ataque de nervos. Para os especialistas e académicos consultados pelo PLATAFORMA, apenas a vacinação generalizada da população de Macau pode colocar a cidade definitivamente na senda da recuperação económica. Mas como convencer os reticentes? Começando, desde logo, por uma melhor estratégia de comunicação.

As autoridades de saúde de Guangdong não diagnosticaram qualquer novo caso de infecção local por Covid-19 nas vinte e quatro horas que mediaram entre terça-feira e quarta-feira desta semana, mas hotéis, casinos e outros agentes da indústria turística de Macau ainda não estão em posição para respirar de alívio, defendem economistas e analistas do setor em declarações ao PLATAFORMA.

Desde 21 de Maio, as autoridades da vizinha província continental registaram uma série de surtos que resultaram na identificação de mais de uma centena de casos locais, uma circunstância que tornou inevitável a adopção de restrições à mobilidade interna e o regresso a políticas mais estritas de controlo da pandemia.

Depois de dois meses em que as receitas das salas de jogo e a taxa de ocupação dos hotéis do território deram alento aos agentes da indústria turística, a disseminação, do outro lado das Portas do Cerco, de uma variante mais infecciosa do novo coronavírus desabou como um balde de água fria sobre o combalido pilar da economia do território, sustenta o economista Henry Lei.

“Numa altura em que a indústria turística de Macau depende exclusivamente de quem é proveniente do Continente e em que mais de 50 por cento desses visitantes são provenientes de Cantão, o surto de Covid-19 na província afectou muito seriamente o frágil setor turístico de Macau”, defende o especialista.

Para o professor da Faculdade de Gestão de Empresas da Universidade de Macau, “o número diário de visitantes que assomam à cidade caiu para menos de 20 mil, o que constitui um passo atrás na tendência de recuperação da indústria turística, que se traduziu por uma quebra nas despesas dos turistas e nas receitas dos casinos do território. Este cenário deve continuar a afectar continuamente Macau de forma adversa, até que o panorama da Covid-19 esteja completamente sob controlo em Guangdong”.

Os dados revelados nos últimos dias pela Administração Nacional de Saúde da República Popular da China apontam para a normalização progressiva do cenário epidémico na vizinha província continental, mas se há algo que os últimos meses ensinaram a Glenn Mccartney é que, num contexto de pandemia, as perspetivas podem alterar-se de um dia para o outro, inviabilizando quaisquer prognósticos de longo prazo.

“Falo regularmente com os agentes da indústria das hospitalidades e aquilo de que me tenho apercebido é de um optimismo cauteloso. Até ao mês passado, as perspetivas vinham a melhorar progressivamente, mas basta um surto inesperado ou aparecimento de uma nova variante para que a indústria turística sofra um retrocesso”, admite o especialista em turismo, companheiro de Henry Lei na Faculdade de Gestão de Empresas da UMAC.

E acrescenta: “Penso que o que Macau fez bem ao longo de todos estes meses foi ter promovido uma abertura cautelosa. Tivemos um certo número de visitantes a atravessar a fronteira, o que colocou Macau numa situação de risco-recompensa. Ninguém quer em Macau que o risco seja elevado ao ponto de comprometer a recuperação económica, até porque se houve algo que eu pude observar ao longo do último ano e meio em relação ao impacto que a Covid-19 tem na indústria do turismo é que o panorama muda de dia para dia. É extremamente difícil fazer previsões para daqui a quatro ou cinco meses porque num cenário de pandemia é tudo incerto”.

Dias de indeterminação

Para o académico britânico, indeterminação é ainda a palavra de ordem. O docente da Faculdade de Gestão de Empresas da maior das instituições de ensino do território, que esta semana publicou na revista “The Lancet Regional Health – Western Pacific” uma análise à resposta do Governo perante a pandemia, acredita que o ressurgimento do novo coronavírus na província de Cantão arrefeceu os ânimos dos agentes da indústria turística local, mas também incentivou casinos e unidades hoteleiras a conceber soluções alternativas para os meses de Verão que se avizinham.

“Uma das posições a que eventualmente vamos assistir é a uma nova aposta na ideia de ‘staycation’, de férias em casa, com muitos dos hotéis, possivelmente a fazer um esforço para atrair os residentes na cidade. Eu diria que não há muitas mais alternativas, até porque estamos dependentes de visitantes chineses e destes, uma parte significativa é proveniente da província de Guangdong. Depois de os hotéis terem avançado tanto, em grande medida é incomportável sofrer um retrocesso. A grande preocupação das unidades hoteleiras tem sido, preferencialmente, evitar esse retrocesso e, é por isso, que esta ideia das ‘férias em casa’ é importante”, assume McCartney, especialista na área do turismo.

Posição distinta assume Carlos Siu Lam. O investigador do Centro Pedagógico e Científico na Área do Jogo do Instituto Politécnico de Macau reconhece que os surtos que paralisaram parcialmente várias cidades da vizinha província de Cantão confrontaram concessionárias de jogo e operadores turísticos com novos desafios e novas fontes de preocupação.

O analista acredita, no entanto, que o reaparecimento da Covid-19 em Guangdong não é mais do que um “revés temporário” no longo e acidentado percurso rumo à recuperação económico.

“Parece-me que se trata apenas de uma perturbação temporária no longo caminho para a recuperação. Dados o posicionamento mais estrito da China face ao jogo, não me parece que o jogo VIP possa contribuir com metade das receitas de jogo geradas por Macau, como acontecia no passado. E caso isto se verifique, Macau necessita de diversificar a economia, de se tornar um destino de jogo verdadeiramente diversificado. Esse é o grande desafio com que o território se depara”, assume Carlos Siu.

Para o especialista, “os casos diagnosticados em Guangdong terão reforçado as preocupações dos visitantes e fizeram com que muitos permanecessem em casa”.

“No entanto – prossegue – parece-me que os operadores turísticos de Macau andam a preparar há muito tempo os meses de Verão e vão fazer o melhor para garantir que as instalações permanecem limpas e livres do coronavírus. Parece-me evidente que houve um impacto negativo, mas é um impacto de curto prazo”, assinala, convicto, o professor do Instituto Politécnico de Macau.

Problema de comunicação?

O sucesso alcançado pelas autoridades chinesas no controlo de anteriores surtos de Covid-19 leva Henry Lei a acreditar que o impacto que o ressurgimento da pandemia na província de Cantão teve na economia de Macau não seja mais do que “um choque transitório no processo de recuperação”.

O professor da Universidade de Macau acredita que o surto estará totalmente controlado a tempo de permitir que os visitantes oriundos da República Popular da China encham os hotéis nos meses de Julho e de Agosto.

Henry Chun Kwok Lei admite, ainda assim, que o território não está imune a novos sustos e que a recuperação definitiva só se fará tangível quando a população se inteirar de que a vacinação é o caminho mais rápido para que a RAEM possa colocar a pandemia atrás das costas.

“Até certo ponto, parece-me que a experiência bem-sucedida de Macau no combate à Covid-19 constitui um entrave ao processo de vacinação. Dado o baixo risco de incentivo, os residentes de Macau têm muito poucos incentivos para ser vacinados, dada a incerteza que ainda prevalece em relação aos efeitos secundários da vacina”, alerta o economista.

E adianta: “Aquilo a que temos assistido nos últimos dias é a um aumento do número de pessoas que se registam para ser vacinadas, à medida que novas infecções iam sendo confirmadas em Guangdong. Os residentes de Macau, parece-me, começam a reconhecer a importância de se ser vacinado. Espero que a taxa de vacinação continue a aumentar nos próximos meses”.

Para Glenn McCartney, o sucesso das autoridades de Macau na contenção da pandemia e a consequente noção de que os riscos com que a população se depara são mínimos explicam, em parte, as reticências dos residentes do território face ao processo de vacinação, mas no entender do especialista em gestão turística, há outras razões que justificam tamanha hesitação.

Repetido à exaustão desde há quase um ano e meio, o chavão “Vamos todos persistir” poderá não ser suficientemente eficaz para convencer uma franja considerável da população a vacinar-se.

“Um dos aspectos para os quais tenho andado a olhar é para as estratégias de comunicação do Governo. Tenho lido alguns estudos sobre a forma como governos de diferentes partes do mundo têm vindo a lidar com as estratégias de comunicação em termos de saúde pública neste contexto da pandemia. Em Macau temos cartazes em que as pessoas são convidadas a vacinar-se. Talvez haja um problema em termos de mensagem. Talvez seja necessário convencer cada vez mais pessoas sobre os benefícios da vacinação”, admite o investigador e docente da Faculdade de Gestão de Empresas da UMAC.

“Vejo cartazes por todo o lado, mas desconheço se há ou não uma estratégia de comunicação para as redes sociais. Não sei se há investigação a ser feita sobre a eficácia das estratégias de comunicação direcionadas para a comunidade e sobre a eficiência das mensagens que estão a ser promovidas, mas seria importante como as estratégias de comunicação são percecionadas.  Talvez o Governo deva mudar a mensagem de tempos a tempos, de forma a que os apelos possam chegar à população com mais eficácia”, remata o especialista britânico.

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