Medicina tradicional chinesa: o progresso dos tempos

por Filipa Rodrigues
Carol Law

No passado dia 5 de junho assinalou-se o “Mangzhong”, uma das 24 divisões do calendário tradicional chinês, altura em que o Sol atinge a longitude máxima de 75 graus. Este período indica também que as temperaturas vão continuar a subir e terá início a época das chuvas. A medicina tradicional chinesa sugere que durante esta altura sejam consumidos alimentos como sementes de lótus e abóbora-d ’água para combater esta humidade.

Pode parecer não existir correlação entre estes factos, mas diferentes peritos indicam que o conceito por detrás da medicina chinesa inclui a adaptação à natureza, a união entre a humanidade e a natureza. “As 24 divisões indicam mudança. Os doze meses do ano estão divididos em 24 termos, como um relógio. Para tomar conta do nosso corpo devemos assim alterar a nossa alimentação conforme o termo, tal como usamos diferentes roupas conforme a estação. É astronomia, é ciência”, diz ao PLATAFORMA um especialista em medicina tradicional chinesa.

Diferença entre medicina chinesa e ocidental: a ciência

Para explicar os 24 termos precisamos de começar pela astronomia. À rota do Sol ao longo de um ano chamamos “eclíptica”, com uma longitude de 360 graus e os 24 termos são a divisão desta rota em 24 partes, cada uma com uma diferença de 15 graus. Yang Juliang, médico de medicina chinesa formado na Universidade de Medicina Tradicional Chinesa de Guangzhou, salienta que esta prática procura a “harmonia entre a humanidade e a natureza”.

Natureza esta que está em constante mudança, cada uma correspondendo aos 5 órgãos vitais de um humano: fígado, coração, baço, pulmões e rins. Explica que esta medicina pensa de forma mais externa, relacionando o corpo humano com a natureza, enquanto a medicina ocidental analisa o interior. “O foco está nas pessoas, não na natureza, analisando cuidadosamente as suas células e ADN”, diz.

Para o médico, a medicina chinesa é uma ciência complexa, é preciso ter vários fatores em conta, como o clima e a constituição física do paciente, algo que difere complemente do método ocidental. “Na medicina chinesa, o “baço” representa transição, mudança de A para B. O verão (entre o sexto mês e nono mês do calendário lunar) é a fase de transição mais acentuada, sendo por isso a altura em que a maioria das pessoas sofre de problemas de estômago. Quando trabalhava no departamento de problemas digestivos de um hospital, um médico alertou-o para esta altura do ano, mencionado que várias pessoas sofrem de hemorragias neste órgão. A sensibilidade no nariz indica também problemas no clima. Assim como a dor do reumatismo, que indica chuva. Não é algo científico? Mais certo que o boletim meteorológico!”, assinala.

A modernização da medicina chinesa: sem nunca perder a essência

A medicina tradicional chinesa é uma herança cultural imaterial. No ano de 2010 a China recebeu a aprovação da UNESCO para a “acupuntura chinesa e moxabustão” como Património Cultural Imaterial da Humanidade. Todavia, este património acompanha também a evolução dos nossos tempos. Yang explica que mais de 30% do que aprendeu sobre medicina na universidade incluiu o método ocidental, designadamente temas como anatomia, patologias e doenças infeciosas. Nunca estranhou estes temas. “O famoso médico Hua Tuo também usaria smartphone se fosse vivo, não? Porque não tirar partido da tecnologia atual? O foco principal é saber se a teoria da medicina chinesa continua a ser usada. Não basta usar medicamentos tradicionais chineses sem seguir os seus conhecimentos tradicionais”, defende.

Por exemplo, o médico explica que o conceito de “anti-inflamatório” tem origem na medicina ocidental, referindo que atualmente muitos medicamentos chineses possuem também esta função.

“Se um paciente estiver a sofrer de uma inflamação no estâmago, receito um anti-inflamatório, que não possui qualquer ligação com os ideais de medicina tradicional chinesa. A medicina tradicional chinesa presta atenção às transições que o baço sofre e procura compreendê-las. Se um método com origem na medicina ocidental é usado na medicina chinesa, o efeito pode ser fraco. Estamos a usar a fraqueza da medicina chinesa e a compará-la à medicina ocidental. Um analgésico é mais poderoso do que os ingredientes com efeitos analgésicos utilizados na medicina chinesa, além de muito mais conveniente e barato para os pacientes. No entanto, a vantagem da medicina chinesa é que esta tem em consideração todo o sistema do corpo humano e as respetivas relações à natureza e emoções. Outro exemplo é o caso da acupuntura, que não possui quaisquer efeitos secundários”, lembra.

Os vários métodos de avaliação da medicina chinesa: o mesmo tipo de profissionais

O doutor Yang explica que atualmente os médicos de medicina tradicional chinesa passam por várias fases de avaliação. O próprio, por exemplo, passou por uma fase de exames rigorosa no continente, com testes práticos e teóricos. “Também inclui medicina ocidental, cerca de um terço. Também passamos por exames clínicos, com um examinador, que avalia como operamos e analisamos o caso do paciente. Depois do período de candidatura, continuamos a ser avaliados, e ainda existe um ano de preparação, revelando a exigência para o exame”, diz.

O desenvolvimento de carreira em ambas as medicinas é bastante semelhante em Macau. Depois do fim dos estudos é preciso ainda um período de estágio antes de qualquer médico poder iniciar atividade num hospital ou clínica própria. “Existem menos oportunidades na nossa área [medicina chinesa]. As pessoas conhecem melhor a medicina ocidental porque esta representa a maioria, os hospitais contratam dezenas de funcionários por ano. Já a medicina chinesa contrata muito poucos profissionais anualmente. A medicina chinesa, tal como a ocidental, contém as mesmas fases de exames e treino de profissionais”, salienta.

Ma Wendi, médico chinês, salienta também que, atualmente os estudantes de medicina chinesa devem ser expostos aos conhecimentos da medicina ocidental em áreas como a anatomia e a nutrição. As novas gerações de profissionais de medicina chinesa conseguem assim entender relatórios médicos que seguem o método da ocidental. “Agora podemos combinar ambas as medicinas. A diferença entre a medicina chinesa da atualidade e das gerações anteriores é o facto de os atuais profissionais possuírem maior conhecimento no que diz respeito a análises laboratoriais e nutrição porque aprenderam também sobre estas áreas. Os seus conhecimentos não se baseiam apenas no que herdaram de gerações anteriores”, acentua.

Formado na Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau (MUST), afirma que, além das disciplinas científicas acima mencionadas, passou ainda por um período de formação geral sobre medicina chinesa e estagiou num hospital. Alguns alunos estudam também em outros locais, conforme a respetiva especialidade. Um sistema de registo para profissionais de medicina chinesa entrará em vigor em outubro deste ano. Ma Wendi acredita que a entrada em funcionamento deste sistema irá oferecer um sentimento de segurança à população. É uma carreira difícil para novos profissionais de medicina chinesa. Os utentes costumam confiar mais em médicos mais velhos, pois acham que falta experiência aos mais jovens. Reconhece que esse tipo de discriminação aconteceu consigo no início da carreira, mas salienta que o mais importante é praticar a medicina de forma meticulosa.

“Os pacientes, depois de verem os efeitos, ganham confiança no médico. Muitos utentes estão agora mais dispostos a aceitar médicos jovens, e notam diferença entre estes e profissionais de gerações anteriores. Médicos mais jovens ensinam também aos pacientes formas de tomar conta do corpo através da nutrição e de um modo de vida saudável. As patologias das pessoas são também mais complexas, beneficiando com novos métodos de tratamento. Um médico que trata um paciente é automaticamente um bom médico, quer seja novo ou velho. O mais importante é praticar medicina com cuidado”, conclui.

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