“Ainda existe uma grande diferença entre os desportos tradicionais e os eSports”

por Filipa Rodrigues
Guilherme Rego

Francisco Mascarenhas, natural de Macau, de pai português e mãe chinesa, tem um percurso diferente do resto dos jovens da sua idade. Há sensivelmente seis anos atrás foi introduzido a um jogo de computador, o Counter Strike (CS), e rapidamente percebeu que havia uma vertente profissional que podia explorar.

Francisco Mascarenhas

O Counter Strike é um jogo de primeira pessoa disputado entre duas equipas que se enfrentam com um objetivo. Estas duas equipas são divididas entre grupos de assalto terroristas e antiterroristas, e têm de lutar uma com outra para colocar ou desativar bombas, manter ou salvar reféns, respetivamente. Criado há mais de uma década, continua a reunir consenso como um dos melhores jogos do género. 

“No início não gostava muito do jogo, só jogava para conviver com os amigos”, lembra-se Francisco, que tinha dez anos quando o experimentou pela primeira vez. A realidade é que cerca de três anos mais tarde continuou a jogar e percebeu que poderia profissionalizar-se em eSports – competição profissional de videojogos. “É como o futebol ou qualquer outro desporto. Existem equipas, treinadores, muita coisa por trás”, esclarece. 

A primeira experiência profissional que teve aconteceu quando tinha 14 anos, através de um amigo, que conhecia uma organização francesa que estava a explorar o mercado asiático. “Tivemos de assinar contrato e tudo. Através deles comecei a formar a minha rede de contactos e a ganhar alguma popularidade dentro da comunidade profissional de Counter Strike”, lembra. 

“Logo na primeira mensagem que mandou perguntou-me se queria ir viver para a Índia”

Todo este percurso é capaz de não ser de fácil aceitação para os pais, mas Francisco garante ao PLATAFORMA que, apesar de algumas decisões mais difíceis, sempre o apoiaram. “Antes de assinar o primeiro contrato profissional, já jogava muitas horas por dia. Com essa nova realidade [contrato] pouco mudou. A maior preocupação dos meus pais continuava a ser o balanço entre horas de jogo e os estudos”, explicou. 

Porém, em 2019, já com 16 anos feitos, essa preocupação veio a assumir contornos mais realistas, quando Francisco recebeu um convite para ir viver noutro país. “Há todo um contexto para ter recebido essa proposta. Com 15 anos representava a Brutality, uma equipa indiana que, no momento, tinha o melhor jogador do país. Ele era praticamente uma celebridade, com patrocínios da Redbull e Intel. Nessa equipa cresci como jogador, mas também aprendi muito sobre a construção da minha imagem e, naturalmente, fiquei conhecido pela comunidade indiana. Quando chegou o tempo de abraçar um novo projeto, com que me identificasse mais, surgiu a Entity Gaming”, diz. 

O manager da Entity foi direto ao ponto, lembra Francisco. “Logo na primeira mensagem que mandou perguntou-me se queria ir viver para a Índia, sem contexto algum. Quando percebi que estava a falar a sério tive de envolver os meus pais”, disse. “Não foi fácil, mas já andavam atentos ao que estava a tentar construir para a minha vida e depois de lhes explicar como tudo iria funcionar acabámos por tomar uma decisão em conjunto que me levou para fora de Macau”, explica. 

Francisco Mascarenhas e os colegas da Entity Gaming recebem o prémio monetário de 2.º lugar num torneio realizado na Índia

A 5 de Setembro de 2019 começou a nova aventura, que acabou por ser mais curta do que perspetivava por razões que lhe fugiram do controlo. “O meu visto era de um ano, com múltiplas entradas de três meses, no máximo. A ideia inicial era fazer três meses, voltar a Macau por um período, e eventualmente regressar. No entanto, no início de 2020, com o espoletar da pandemia de Covid-19, tudo se complicou”, assinala, acrescentando que, dadas as circunstâncias, “não fazia mais sentido continuar com a Entity porque não podia regressar à Índia”.

Não foi apenas a pandemia de Covid-19 que veio trazer novas dificuldades para os profissionais de CS, que viram muitos dos torneios e possíveis remunerações serem desviadas para outro jogo, o Valorant. “Uma grande massa de jogadores que estavam no CS migraram. Agora começam a aparecer cada vez menos equipas com boas propostas para os jogadores”, explica. 

Este problema é transversal a qualquer outro videojogo. E pode até acontecer que, com o passar do tempo, um determinado videojogo caia em desuso e, com isso, ameace o sustento dos profissionais que dele dependem. No entanto, consciente dessa realidade, Francisco não vive preocupado. De acordo com o mesmo, o CS é um jogo que sobreviveu aproximadamente 20 anos e não vê um fim próximo para o fenómeno. Porém, com as dificuldades acrescidas, teve de adaptar-se. “Criei em nome pessoal uma equipa, os ArtiSan eSports. Pensei em investir do próprio dinheiro que angariei dos vários torneios em que participei mas, felizmente, encontrei dois investidores dispostos a apoiar o projeto financeiramente. Até agora está tudo a correr bem. Estamos numa liga asiática e estamos em segundo lugar, o primeiro tem um jogo a mais portanto são apenas líderes à condição” [até à data da entrevista]. De realçar que a equipa é constituída por dois jogadores de Macau (a contar com o Francisco), um da Índia, outro da Malásia e, por fim, um brasileiro que reside no Japão. 

Continua a ser um pouco tabu e é visto como um entrave aos estudos

Os investidores são uma componente importante deste desporto e Francisco explica porquê: “Existem duas componentes. A maioria dos meus colegas fazem dos eSports a profissão. É preciso um salário e para isso é necessário investidores dispostos a ajudar nesse departamento. Por outro lado, os investidores exigem uma percentagem dos prémios monetários que recebemos dos torneios e interessa-lhes o mediatismo que tem acompanhado e evoluído com o desporto”. 

Durante os últimos anos esta vertente desportiva tem atraído milhões de pessoas e, com isso, tem havido um grande desenvolvimento das estruturas que acompanham os jogadores, mas Francisco ambiciona mais. Segundo diz, “ainda existe uma grande diferença entre os desportos tradicionais e eSports”. Para exemplificar, recorreu ao futebol: “Sendo uma criança que queira jogar futebol, posso ir para uma academia onde aprenda mais, treine e, eventualmente, chego ao patamar que desejo. Existe um caminho traçado para te tornares profissional. Nos eSports não há nada disso”, reitera. 

Contudo, alguns países começam a aperceber-se dessa lacuna. “A Dinamarca investe muito. Já existem academias onde os pais podem deixar os filhos por umas horas e depois vão buscá-los, mas na Ásia e no resto do mundo continua a ser um pouco tabu e é visto como um entrave aos estudos”, aponta. 

“Há muita coisa que tens de aprender sozinho. Daí achar mais difícil singrar neste desporto. Mas há muita coisa boa que também está a acontecer, que já se vê há muito tempo nos outros desportos, como psicólogos, analistas, treinadores, entre outros”, salienta.     

Neste contexto, o PLATAFORMA quis saber a opinião de Francisco relativamente ao progresso dos eSports em Macau. 

“Primeiro não somos muitos, e um contexto demográfico como o nosso é sempre um obstáculo. No entanto, existem países com realidades semelhantes ao território que conseguem ser competitivos. Uma coisa boa que temos é a cultura de internet cafes, onde as pessoas podem juntar-se e jogar uns com os outros. É um cenário muito asiático e ajuda muito ao desenvolvimento deste desporto. Nos países de terceiro mundo, dadas as dificuldades em possuir um computador, a maioria dos jogadores profissionais começaram por aí. Mas aqui não tem a mesma importância e dinamismo que tem na Índia, Indonésia ou Malásia, que são as realidades que conheço melhor. Realizam vários torneios e até para fases de qualificação para torneios asiáticos maiores acontecem nesses locais. Gostava de ver Macau seguir esse caminho, mas a maioria dos jogos que atraem as pessoas são de telemóvel e muito centrados para a comunidade chinesa”, explica.

Para um futuro próximo, Francisco confidencia ao PLATAFORMA que, além de terminar o secundário, espera atingir um marco importante com a nova equipa. “Uma expetativa realista é chegar ao Top10 da Ásia e manter essa posição. Daqui a três meses devemos atingir esse objetivo. A equipa é forte e estamos a trabalhar muito para isso”, conclui. 

Francisco Macarenhas

Nascido em Macau, é filho de pai português e mãe chinesa. Com 17 anos de idade frequenta o 10.º ano da Escola Portuguesa de Macau, depois de uma pausa de ano e meio para se dedicar exclusivamente na carreira em eSports. Para já quer terminar o 12.º ano e ainda não definiu se quer prosseguir os estudos. Entre os desportos tradicionais gosta de jogar ténis de mesa.

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