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Vegetarianismo e veganismo: Educação na base da mudança

Guilherme Rego e Filipa Caeiros Rodrigues

Simpson Lee é membro da Associação da Cultura Vegetariana em Macau e diz-se vegan por razões éticas e ambientais. Acredita não ser necessário matar animais para que a comida tenha sabor e esteve à conversa com o PLATAFORMA a propósito do estudo, agora publicado, sobre “Dietas Vegetarianas em Macau”, e encomendado pela associação ao Centro de Pesquisa Macau. Salientou que apesar de hoje em dia existirem muitos documentários a exporem a crueldade e a insustentabilidade da indústria pecuária, poucas são as pessoas com conhecimento para poder atuar e fazer mudar o mundo.

Tendo a Associação da Cultura Vegetariana em Macau uma missão muito específica, gostaria de partilhar connosco quais os objetivos da associação
Simpson Lee – O principal objetivo da associação é promover as dietas vegetarianas, mais concretamente a dieta vegan que não incluiu nenhum tipo de produto animal, por razões morais e de saúde, bem como ajudar a inclusão dos vegetarianos na sociedade. O campo de ação da associação são as instituições públicas (escolas, creches, prisões, etc.), através da divulgação e promoção da importância deste tipo de alimentação, já que raramente são oferecidas escolhas vegetarianas nestes estabelecimentos. Como associação, sentimos que há necessidade de mudança comportamental. É um longo caminho e vai demorar.

No estudo encomendado ao Centro de Pesquisa Macau cerca de 31 por cento dos entrevistados revelam que consomem uma refeição vegetariana pelo menos uma vez por semana. Destes, 60 por cento alegam fazê-lo por razões de saúde. Por outro lado, 17 por cento das pessoas admitem não consumir qualquer refeição vegetariana, salientando a mesma razão. Não existe aqui uma dicotomia de ideias, quando apenas 49 por cento dos entrevistados acreditam que se pode levar uma vida saudável através de uma dieta vegetariana? Como explica essa diferença?
S.L. – Existe uma posição muito bipolarizada em relação ao vegetarianismo e aos efeitos na saúde. Creio que a falta de informação fidedigna e ideias pré-concebidas de que o ser humano precisa de carne e produtos animais na dieta são as principais razões para esta diferença de opinião. Outras pessoas têm a mente mais aberta para novos estudos e informação que comprovam exatamente o contrário.
Na associação, percebemos que os passos têm de ser dados com calma. Primeiro, tem de haver consenso sobre o facto de que comer mais vegetais é bom para a saúde.

Ainda relativamente ao estudo publicado, a maioria dos entrevistados apontam como principais dificuldades em seguir uma dieta vegetariana, a falta de sabor da comida e o défice nutricional da mesma. Como se muda a percepção das pessoas de que a comida vegetariana não é tão saborosa ou saudável?
S.L. – Algumas pessoas tornam-se vegetarianas por razões morais ou ambientais. A comida não tem o mesmo sabor, é óbvio. Mas existem, hoje em dia, vários produtos vegetarianos semelhantes à carne. E algumas marcas conseguem replicar o sabor do que comíamos antes. Como associação, queremos convidar os restaurantes a participarem num festival de comida vegan e aguçar a curiosidade das pessoas a, pelo menos, experimentarem este tipo de comida.

– Governo também parece ter algumas reservas quanto a este tipo de alimentação. Ao leong U, Secretária para os Assuntos Sociais e Cultura, referiu o ano passado que a introdução de dietas vegetarianas nos hospitais, por exemplo, pode ter um impacto negativo na saúde das pessoas. Ou seja, a promoção destas dietas por parte do Governo também não é a ideal, segundo os entrevistados. Concorda? Sente que o Governo funciona como barreira à implementação do vegetarianismo na sociedade local?
S.L. – A reação de Ao Ieong U só vem demonstrar como precisamos em Macau de mais diálogo e discussão sobre o valor nutricional do vegetarianismo e do veganismo. E para o Governo, optar por eliminar certos grupos alimentares nas refeições disponíveis nos serviços públicos, é uma posição muito radical. Não acedito que seja essa a via. O ideal é tornar a discussão pública. Esse é o primeiro passo a dar.
A Academy of Nutrition and Dietetics, a maior organização de nutrição e alimentação do mundo, representa mais de 100.000 especialistas da área. Em 2009, publicaram um estudo com a posição sobre o veganismo, referindo que esta opção alimentar é saudável e de valor nutricional adequado a todos, desde crianças, grávidas a idosos. Defenderam, ainda, que pode prevenir e tratar algumas doenças crónicas como a diabetes, obesidade ou pressão arterial alta. Existe por isso consenso científico nesta matéria.
O que precisamos é de fomentar o diálogo com o Governo. Algumas entidades já mostraram abertura para falar connosco. A exposição pública que agora temos, também ajuda. No fundo, a educação da população é a base de tudo. Estamos a desenvolver projetos onde convidamos especialistas, com pontos de vista imparciais sobre o tema. A imparcialidade é muito importante porque a maioria dos nutricionistas aconselha dietas equilibradas e variadas. Mas se perguntarmos se o vegetarianismo é uma opção viável, creio numa resposta positiva.

– Ainda relativamente à intervenção governamental, a associação defende a introdução de leis que facilitem o acesso a dietas vegetarianas nos locais de trabalho, como acontece em Portugal com “a obrigatoriedade de existência de opção vegetariana nas ementas das cantinas e refeitórios públicos”. Qual o impacto de leis desta natureza na cultura alimentar da região?
S.L. – Não consigo ver como poderia ter um impacto negativo. A lei não proíbe refeições com carne. Apenas permite às pessoas com outro estilo de alimentação comerem no local de trabalho ou de estudo. Mas ao implementarmos uma lei, como a portuguesa, terá de haver um período de adaptação. As instituições teriam de contactar fornecedores, especialistas, chefes de cozinha, etc.
E não devemos esperar que essas mudanças sejam implementadas apenas pelo Governo. Temos de aumentar o número de pessoas consumidoras de produtos vegetarianos porque a oferta aumenta com a procura.

– O resultado do estudo sobre “Dietas Vegetarianas em Macau”, que a associação apresentou, contou com a participação de 313 pessoas. Equacionam realizar no futuro um segundo estudo com uma amostra maior?
S.L. – Potencialmente, sim. Atualmente, todas as atividades da associação são financiadas pelos membros. O alcance deste estudo foi consequência dos fundos limitados que possuímos. Queremos chegar às entidades que estejam dispostas a financiar este tipo de pesquisas, para que possamos fazer outras mais profundas e conclusivas. Perceber, por exemplo, a razão de haver pessoas que não querem uma refeição vegetariana semanal. Ao entendermos as pessoas, podemos prestar um melhor serviço.

– O estudo estabelece ainda uma comparação interessante com Hong Kong. Refere um relatório da Green Monday, onde cerca de 34 por cento dos entrevistados fazem regularmente refeições vegetarianas e três por cento são vegetarianos (contra os 31 por cento e 1.3 por cento em Macau, respetivamente). Acha importante compreender o comportamento de sociedades vizinhas? Porquê?
S.L. – Hong Kong e Macau são muito semelhantes na língua e na alimentação. A razão pela qual mencionamos Hong Kong é pelo sucesso, maioritariamente conseguido através do trabalho realizado pela organização sem fins lucrativos Green Monday, e que desde 2012 realiza parcerias com restaurantes para implementar opções vegetarianas. Macau é mais pequena. Achamos que pode ser mais fácil introduzir mudanças aqui e fazer o mesmo tipo de trabalho que a Green Monday desenvolve em Hong Kong.

– Na transição para uma dieta vegetariana há perigos associados. Foi esse o sentido da publicação da pirâmide alimentar vegan no website da associação?
S.L. – Os médicos não são preparados para recomendar uma determinada dieta. Tratam doenças, como a anemia. Para se ter uma dieta saudável e equilibrada, esta deve ser planeada por um nutricionista. No meu caso, por exemplo, sou vegan há quase dois anos. Antes comia muita carne e alterei a minha dieta da noite para o dia. Nos primeiros dias senti-me um pouco fraco, mas porque não estava a ingerir calorias suficientes. A carne tem mais calorias que os vegetais, que são compostos maioritariamente por água e fibras. A associação publica toda a informação que considera importante ou de interesse para quem opta por este tipo de alimentação. É o caso da pirâmide alimentar vegan por ser a mais completa.

– Lançaram recentemente o mapa vegetariano. Que resultados esperam desta iniciativa?
S.L. –
O mapa vegetariano foi publicado em abril. Por agora, temos 58 locais vegan friendly de Macau (restaurantes e lojas de produtos) sinalizados. No futuro, consideramos incluir restaurantes com ofertas vegetarianas porque a ferramenta deve ser utilizada também por pessoas que gostam deste tipo de comida.

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