Do Mar de Abidjan também se vê a língua portuguesa

por Filipa Rodrigues
Walter MedeirosWalter Medeiros*

Em abril de 1993, a capital económica e administrativa da Costa do Marfim foi palco de uma interminável ronda de conversações para a paz em Angola, que levou a Abidjan delegações do Governo e da UNITA, da troika de observadores, Portugal, Rússia e Estados Unidos, e de dezenas de jornalistas de Portugal e de Angola, para além da estrutura de mediação das Nações Unidas. Durante quase dois meses, a grande metrópole africana de língua oficial francesa foi palco de intensa atividade diplomática em que a língua de Camões, Pepetela ou Mia Couto se sobrepôs ao idioma de Victor Hugo, não tendo faltado até a presença da seleção moçambicana de futebol que, por essa altura, defrontou a congénere marfinense, num jogo de apuramento para o campeonato africano. A festa em bom português contrastou com a copiosa derrota da equipa vinda de Maputo.

Por esses dias, decorreu na residência do Embaixador de Portugal na Costa do Marfim, Nuno Meneses Cordeiro, uma receção em que pontuaram políticos marfinenses, diplomatas portugueses, angolanos e de outras nacionalidades, para além das delegações da UNITA e do governo. Nesse encontro de final de tarde marcou presença o Ministro dos Negócios Estrangeiros da Costa do Marfim, Essy Amara, que viria a anteceder Freitas do Amaral como Presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas, no ano seguinte, em 1994. Quando me foi apresentado pelo Embaixador António Monteiro e tendo em conta que eu provinha de Portugal, não hesitou em afirmar de forma enfática que os portugueses foram os primeiros europeus a aportar naquelas paragens, acrescentando com maior entusiasmo que foram os portugueses a fundar a importante cidade costeira de São Pedro, manifestando uma indisfarçável satisfação por tão recuada relação histórica, sem esquecer que o próprio nome do país terá origem lusa.

Em boa verdade, as referências à presença portuguesa na Costa do Marfim não se limitaram às descrições feitas pelo então chefe da diplomacia marfinense. Em pleno mercado, num bairro pobre dos arredores de Abidjan, acabei por tropeçar num diálogo aceso e ruidoso entre um casal de idosos em que a mulher gritava ao seu teimoso interlocutor a frase bem percetível “Je nete donne troco”, troco aqui entendido não como moeda, mas como conversa, confiança, uma expressão bem portuguesa, deixada naquelas paragens há vários séculos. Nesse mesmo dia tomei conhecimento da existência, no vizinho Mali, de mercados do interior do país, onde os principais produtos ainda tinham nomes portugueses.

São estas referências à relação secular de Portugal com África, feita de encontros e desencontros, que dão esperança ao futuro da Parceria entre a Europa e o continente vizinho, agora em revisão, a caminho de um novo paradigma assente numa relação entre iguais. O papel de Portugal será sempre o de contribuir para a mitigação das assimetrias em áreas como a Educação, Saúde e a organização dos Estados, contando para isso com um conhecimento como poucos têm, da medicina tropical, à agropecuária e a outras áreas.

O papel de Portugal é de tal forma reconhecido, que num curso de verão sobre as relações Europa-África, também integrado no Mestrado em Estudos Internacionais do ISCTE, em 2014, a maioria dos estudantes era proveniente do norte e leste do velho continente e a razão não poderia ser mais clara: reconheciam a mais-valia que Portugal constituía na formulação teórico-prática da relação entre os dois continentes.

Mais do que as condicionalidades, é este conhecimento e a confiança recíproca que dão vantagem à Europa, face a outros players, na relação com África!

*Antigo Jornalista da Antena 1, Técnico Superior do Camões – Instituto da Cooperação e da Língua

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