Quem para o ruído?

por Filipa Rodrigues
Carol Law

A lei de “Prevenção e controlo do ruído ambiental” entrou em vigor há seis anos, em fevereiro de 2015. Há quem diga que as entidades reguladoras não têm assegurado o cumprimento da legislação, nem ouvido as queixas sobre ruído em espaços comerciais e industriais, designadamente junto de edifícios residenciais.

Há quem defenda uma revisão da lei para, por exemplo atribuir maior autoridade à fiscalização para um efetivo cumprimento das normas. Reafirmam ainda a importância de aplicar a lei e alertam as entidades responsáveis para analisarem o que terá levado a uma quebra no número de ações legais contra os infratores.

A lei abrange, por exemplo, o ruído do quotidiano, produzido por exemplo em habitações e que é alvo de queixas, nomeadamente junto do Corpo de Polícia de Segurança Pública e aquele que ocorre em edifícios industriais e comerciais, monitorizado pela Direção dos Serviços de Proteção Ambiental (DSPA).

O PLATAFORMA tentou obter junto destas instituições dados relativos a queixas e ações desde a entrada em vigor da lei. Até publicação desta edição apenas obteve resposta da DSPA, e mesmo essa apenas relativa a ocorrências entre 2017 e 2020.

Com os dados disponibilizados é, contudo, possível verificar que as queixas associadas a ruídos do quotidiano representam a maioria, entre 60 a 70%, enquanto outras cerca de 20 por cento estão relacionadas com o ruído que advém de atividades industriais e comerciais.

Em declarações ao PLATAFORMA, a deputada Lei Cheng I, que tem trabalho produzido sobre “como controlar eficazmente o ruído em zonas comerciais adjacentes a edifícios residenciais”, afirma que ao longo dos últimos anos tem recebido queixas de residentes que habitam perto de edifícios comerciais onde se produz barulho até de madrugada, especialmente durante feriados nacionais.

Por vezes, assinala, os residentes apresentam queixa à polícia, embora a autoridade responsável por esse tipo de ruído continue a ser a DSPA. “Ora o que acontece é que quando esta, no dia seguinte à queixa, chega ao local onde terá ocorrido uma eventual violação à lei do ruído, obviamente que este já não existe, complicando todo o processo de intervenção e ação legais”, diz.

Lei Cheng I esclarece que já enviou cartas ao departamento responsável, tendo-se registado progressos em alguns casos, mas admite que para muitos não é possível avançar com ações contra os causadores de ruído. A deputada adianta que “é possível alguma sensibilização para estes casos”, mas reconhece que a lei atual, “de facto, não consegue resolver de imediato a questão dos ruídos em espaços comerciais”.

Lembra que já foram discutidas na assembleia assuntos relacionados, por exemplo, com o ruído de máquinas e equipamentos, mas esse debate “não aconteceu antes das alterações” entretanto introduzidas na lei. Lei Cheng I recorda que o diploma está em vigor há mais de seis anos, lembrando que a revisão de 2019 foi maioritariamente técnica, cobrindo apenas algumas emergências.

“A dificuldade em lidar com casos de ruído quotidiano, como o problema que enfrentamos agora, com barulho de edifícios comerciais e ruído durante a madrugada, é que primeiro deve ser alargada a autoridade sobre estes casos para se poder atuar ou então garantir que as forças policiais podem intervir para lidar no imediato com o problema quando chamadas a um local. A lei distingue entre ruídos quotidianos, de eventos, construção ou espaços comerciais, seguindo todos normas diferentes e sob a responsabilidade de diversos departamentos. Esta área pode e deve ser revista. A última revisão da lei, apesar de ter acontecido há pouco tempo, foi em grande parte técnica. Todavia, em matéria da respetiva regulamentação, assim com das autoridades responsáveis, ainda existe espaço para revisão”, assegura.

Já Ron Lam U Tou, diretor da Associação da Sinergia de Macau, salienta que os números partilhados pela DSPA revelam que o total de ações penais relacionadas com ruído ambiental tem diminuído ao longo dos últimos anos. “Existem mais queixas, mas menos ações penais”, diz.

Acredita que uma das principais razões para esta redução nas acusações resulta de cada vez mais pessoas estarem familiarizadas com a nova lei e saberem por isso como se esquivar à mesma. Outros ruídos que não sejam causados por ar condicionado, ventilação ou obras podem também ser interrompidos de imediato, dificultando a aplicação da lei.

A legislação limita ainda algumas atividades a horários específicos, por exemplo como acontece para espetáculos. E lembra que, de acordo com a lei, “não é permitida a realização, ao ar livre, de espetáculos, de divertimentos ou de quaisquer outras atividades similares, geradores de ruído perturbador, no período compreendido entre as 22 horas e as 9 horas do dia seguinte, de domingo a sexta-feira, e entre as 23 horas e as 9 horas do dia seguinte, aos sábados e vésperas de feriados”, adiantando que esta estabelece também que “não é permitida a realização, ao ar livre, de espetáculos, de divertimentos ou de quaisquer outras atividades similares, geradores de ruído perturbador, a menos de 200 metros de distância de hospitais e de escolas durante o seu período de funcionamento.”

No entanto, assinala, “o nível de ruído não é mencionado”, dizendo-se apenas que é proibido fazer.

“Todos os anos existem dezenas de queixas devido a espetáculos e atividades de entretenimento, mas até agora, de acordo com os números disponíveis, existem zero ações penais. Este é um ponto que merece ser analisado”, desafia Ron Lam U Tou.

Já sobre o ruído de equipamentos utilizados em obras e trabalhos de construção civil, o responsável associativo reconhece que existem algumas queixas avançadas por residentes. Em 2015, depois de a lei entrar em efeito e apesar da proibição do uso de bate-estacas com martelos propulsionados a gasóleo, pneumáticos e a vapor, o uso destes dois últimos continua a ser permitido, em horários específicos, desde que o nível sonoro contínuo equivalente (LEQ) não exceda o correspondente a uma exposição de 20 minutos a 85 dB (A). Todavia, Ron Lam U Tou assinala que para os residentes, esses equipamentos, mesmo que não proibidos por lei, não devem ser utilizados perto dos locais onde residem. Defende por isso que, a Direção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOP), quando aprova os projetos, deve ter em consideração o uso de bate-estacas. Segundo a lei, a DSSOP deve requerer a opinião da DSPA antes de emitir uma licença de obras para trabalhos, lembra.

“Acredito que ainda não existe coordenação suficiente entre a DSSOP e a DSPA, levando a que várias obras usem martelos pneumáticos perto de zonas residenciais, mesmo a distâncias que não respeitam a regulamentação. O problema está no facto de o projeto de construção, originalmente autorizado não prever o uso destes equipamentos? Ou na autorização indevida de um projeto que claramente viola as regulamentações da lei de prevenção e controlo do ruído ambiental? Caso a primeira situação se aplique, as autoridades devem considerar formas de supervisionar estas construções e puni-las. Para a segunda possibilidade, existe claramente um problema de comunicação entre as autoridades, que assumem a responsabilidade de assegurar que a lei é cumprida”, adianta.

Para Ron Lam U Tou, a revisão da lei implicará assim, apenas pequenas alterações, nomeadamente nos horários para utilização de certos equipamentos, embora o mais importante seja garantir a devida comunicação e cooperação entre os diferentes departamentos que têm de cuidar do excesso de ruído.

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