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Por que deve ser possível a melhoria de notas num sistema de acesso ao ensino superior completamente retrógrado

Bebiana CunhaBebiana Cunha

Face ao contexto sanitário que vivemos, pelo segundo ano letivo, o Governo fez alterações ao calendário escolar, adiou os  exames nacionais do secundário e a forma como estes têm efeito na classificação e avaliação final do ensino secundário, alterando, consequentemente, as condições de  acesso ao ensino superior. Contudo, mais uma vez veio, incompreensivelmente, inviabilizar o acesso de todos aqueles que pretendem fazer melhoria de nota e, deste modo, melhorar as suas condições no acesso ao ensino superior.

À parte o atual contexto sanitário, importa dizer que a redução da realização de exames para o acesso ao ensino superior já há muito deveria ter acontecido.  É, por isso, evidentemente positiva a redução do número de exames, bem como que, para conclusão do ensino secundário, se dispense os estudantes da realização de exames nacionais.  O facto de esta decisão ser tomada e comunicada a escassos meses da conclusão do ensino secundário, e apesar de se conhecer a solução adotada no ano letivo passado, deixou até ao presente momento muitos estudantes e as  suas famílias numa expectativa de que, com a evolução favorável da crise sanitária Covid-19 – e consequente plano de desconfinamento progressivo – poderia haver um regresso à  normalidade no que se refere aos exames nacionais para efeitos de melhoria de  nota.

Num retrógrado modelo de acesso ao ensino superior, em que cada décima importa e em que os estudantes e famílias são conduzidos a um investimento brutal nas médias desde o 10º ano, ter-se, porém, decidido novamente que os estudantes não podem apresentar-se a exame visando melhorar a classificação interna, é, no fundo, o Governo a tirar-lhes, mais uma vez, o tapete. Sabemos todos que estes exames são essenciais para a obtenção de uma classificação que esteja alinhada com as  expectativas e ambições dos estudantes de virem a frequentar um determinado curso superior no sistema de ensino público. Ora, a melhoria das notas internas constitui o único meio de o estudante poder alterar a classificação  final obtida nas demais disciplinas e melhorar o seu diploma vitalício. Classificação essa que será também  utilizada para efeitos de currículo vitae, para além, claro, do acesso ao ensino  superior. Atualmente, essa melhoria de nota só pode ser feita no ano seguinte à conclusão de  uma disciplina.

Para além disso, tendo como propósito imediato o acesso ao Ensino Superior, estas medidas fazem com que todos os candidatos tenham pelo menos 50% da sua nota de candidatura congelada. Imagine-se um aluno que, ao longo do seu percurso escolar, tenha tido um aproveitamento baixo, por questões pessoais, familiares ou de outra índole. É profundamente injusto, num sistema tão meritocrático quando o português, que se decida que esse aluno não poderá fazer nada para que consiga recuperar, através do seu esforço, metade dos seus resultados passados. Politicamente, esta é uma mensagem errada, que em nada se coaduna com o que deve ser o espírito da política educativa. A possibilidade de fazer melhoria de nota interna é, claramente, um direito e uma vantagem para os estudantes que lhes está a ser retirada.

Diz o Ministério da Educação que permitir a realização destes exames traria muitos constrangimentos sanitários. Este um não nos parece um argumento aceitável, num contexto sanitário que, por si só, tantos constrangimentos nos tem colocado, de que não são exceção os nossos jovens. É incompreensível que o Governo tome de forma ligeira esta decisão política permanecendo indiferente aos anseios destes jovens, também eles tão afetados pelos impactos sociais e ao nível da saúde mental por este surto epidemiológico. Tal como no ano passado teria sido viável, é perfeitamente possível fazer exames de melhoria e fazê-lo em segurança, analisando a forma como decorreram no ano letivo anterior os exames nacionais.

Por outro lado, não menos relevante é o facto de o  Governo ter tomado uma tal decisão sem sequer saber quantos estudantes estariam interessados em fazer melhoria de nota. Segundo uma sondagem,  levada a cabo pela “Inspiring Future”, o número de exames apenas para aumento da classificação interna é  bastante reduzido, já que a grande maioria dos estudantes opta por realizar melhorias que beneficiem ambas as notas da Prova de Ingresso e da nota interna.  Portanto, e uma vez que a possibilidade de melhoria de prova de ingresso continua a ser possível dentro das regras apresentadas, não será esse pequeno acréscimo na estrutura logística dos exames nacionais, nomeadamente de professores alocados, que irá comprometer a realização destas provas.

Acresce que o  Ministério da Educação reiterou que, ao excluir-se os exames nacionais da forma como se dá por concluído o Ensino Secundário, não fará sentido que um exame, que dá acesso ao Ensino Superior, possa vir a alterar a nota de conclusão do aluno. Não obstante, nada impede que o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior retifique o regulamento que define a fórmula de cálculo da nota de candidatura do candidato ao Ensino Superior, para que assuma que esses exames venham a ser contabilizados enquanto melhoria da nota interna.

Neste sentido, as desculpas não podem recair somente sobre questões de saúde pública, de dificuldade logística ou sequer de alegada impossibilidade técnica. Portanto, o Governo que assuma que se trata de uma medida que vem tão somente “porque sim” retirar a capacidade que os estudantes tinham de iniciativa em melhorar os seus resultados através do seu próprio esforço.

*Deputada do partido português PAN

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