Início » Refeições escolares e o direito à alimentação em tempos de confinamento

Refeições escolares e o direito à alimentação em tempos de confinamento

Alexandra VieiraAlexandra Vieira*
Deputada do Bloco de Esquerda à Assembleia da República Portuguesa, eleita pelo círculo de Braga

Como é evidente e sem margem para dúvidas, a pandemia expôs múltiplas vulnerabilidades que já existiam e que se agravaram. Uma delas diz respeito à questão da pobreza infantil e de como a perceção desta realidade continua ausente do radar político, não obstante estarem consignados um conjunto de direitos cuja observância é mais premente em tempos de crise económica e social.

No momento em que vivemos um segundo confinamento e em que as escolas estão novamente encerradas, destacamos um desses direitos: o direito à alimentação das crianças e jovens abrangidos pela Ação Social Escolar (ASE) e que têm acesso a refeições nas escolas. No primeiro confinamento, e também neste segundo, as famílias destes alunos, apesar de informadas, optaram por não recolher as refeições a que tinham e têm direito, respeitando o dever de confinamento ou por falta de transportes para a escola com cantina aberta ou escola de acolhimento que providencia as refeições. No entanto, as respostas caritativas, assistencialistas e voluntárias tiveram de crescer exponencialmente a sua oferta para poder fornecer alimentos e refeições a famílias com filhos em idade escolar e com direito a refeições através da Ação Social Escolar.

A piorar a situação, com o agravamento da crise económica e social, as famílias, em lay off ou em situação de desemprego, também tiveram e ainda têm dificuldade em garantir este direito à alimentação dos seus filhos. Afigura-se desde já necessário atualizar os critérios de atribuição da ASE de refeições de modo a incluir, também, estas crianças e jovens no âmbito da ASE de modo célere e sem burocracias.

As respostas, escassas e desiguais, para garantir este direito foram essencialmente de três tipos. As escolas ficaram à espera da procura dos alunos que nunca vieram ou vieram em número reduzido. Algumas autarquias locais, conscientes da emergência social, criaram mecanismos de distribuição das refeições através de pontos de recolha. Outras autarquias não mobilizaram nem articularam a garantia deste direito e descarregaram a responsabilidade, que também é sua, nas respostas assistencialistas, caritativas e voluntárias.

Nesta questão em particular, a do direito à alimentação, impõe-se que haja solidariedade e bom senso no desenho de respostas. Desde logo, e seguindo alguns bons exemplos, através da articulação entre as escolas e as autarquias locais. Em alguns casos, raros, há a articulação informal entre concelhos, quando um grupo de alunos é oriundo de um outro concelho, sendo contactada a escola local no sentido de providenciar a refeição a quem a ela tem direito.

A resposta em articulação pode ser tipificada num modelo simples. Aproveitando a capilaridade das escolas do 1º ciclo e em articulação com as autarquias locais, a refeições são distribuídas por esses estabelecimentos, que funcionam como ponto de recolha, seja para as crianças daquele estabelecimento, seja para qualquer jovem que seja aluno daquele agrupamento.

O problema que é visível em muitos concelhos do país é de duas ordens. Primeiro a autarquia não revela nenhuma sensibilidade para a questão e rejeita a responsabilidade de cuidar dos seus munícipes mais jovens. Em segundo lugar, as autarquias não foram capazes de articular com as diferentes entidades, colaborando e criando as sinergias necessárias de modo a garantir que nenhuma criança ou jovem esteja em situação de carência alimentar.

A solução deste problema resume-se a duas palavras: responsabilização e articulação. Dada a heterogeneidade de respostas e as situações, que não serão assim tão poucas, em que os responsáveis autárquicos negam essa responsabilidade, a pergunta que se impõe é a seguinte: a quem cabe a iniciativa de despoletar o trabalho em articulação para garantir o direito à alimentação de milhares de crianças e  jovens, criando um modelo que possa ser replicado em todo o território?

*Deputada do Bloco de Esquerda à Assembleia da República Portuguesa, eleita pelo círculo de Braga

Contate-nos

Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

Plataforma Studio

Newsletter

Subscreva a Newsletter Plataforma para se manter a par de tudo!