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Quanto vale afinal o nosso Património Mundial?

Inês de Sousa RealInês de Sousa Real*

O nosso país tem paisagens inigualáveis, que formam um património natural, cultural e histórico de reconhecida importância não apenas nacional, mas para a humanidade. Sintra e o Douro são dois exemplos icónicos, separados pela distância, mas semelhantes na singularidade e beleza que os definem. São lugares como estes que contribuíram para o boom turístico que marcou nos últimos anos o crescimento económico do nosso país.

Bem sabemos a importância que as receitas do turismo tiveram na recuperação económica e estamos plenamente conscientes do grave impacto da crise sanitária neste setor: estima-se que as receitas turísticas em 2020 tenham caído 57% face a 2019, sendo que as expectativas para 2021 não se avizinham muito animadoras. Mas o peso deste setor não pode significar deixar para trás aspetos tão importantes como a preservação ambiental, histórica e patrimonial  e menos ainda que se ponha em causa lugares únicos do nosso país.

Incompreensível também é o que se passa em Sintra, a primeira paisagem cultural europeia a ser classificada como Património Mundial, em 1995. O Turim Palace Hotel, localizado em pleno centro histórico da vila, com os seus 5.555 m2 de área de construção, veio desvirtuar completamente a autenticidade deste local.

Infelizmente, é precisamente isto que está a acontecer no Alto Douro Vinhateiro e em Sintra, dois exemplos de locais emblemáticos que neste momento estão em risco de serem retirados da lista de Património Mundial em prol da construção de equipamentos hoteleiros.

O Alto Douro Vinhateiro adquiriu o estatuto de Património Mundial em 2001, tendo também sido classificado como Monumento Nacional em 2010, o que lhe confere um regime de gestão e proteção especial. Ora, é dever do Estado proteger e preservar este e outros patrimónios classificados, fazendo cumprir os requisitos desta classificação. Esta zona protegida encontra-se agora ameaçada pela construção do Douro Marina Hotel, cujo estudo de impacte ambiental refere explicitamente que o projeto constitui uma “dissonância” na paisagem cultural do Alto Douro Vinhateiro e que irá conduzir a um “impacto negativo, direto, certo, permanente, irreversível, imediato, local e muito significativo”. É um projeto que vai interferir com o fluxo natural de águas em direção ao rio, bem como destruir espécies protegidas de fauna e flora, o que é absolutamente incompreensível.

Incompreensível também é o que se passa em Sintra, a primeira paisagem cultural europeia a ser classificada como Património Mundial, em 1995. O Turim Palace Hotel, localizado em pleno centro histórico da vila, com os seus 5.555 m2 de área de construção, veio desvirtuar completamente a autenticidade deste local. Sendo que um dos critérios para Sintra ser Património Mundial é o facto de ser um exemplo único do Romantismo Europeu que mantém a integridade cultural com as suas vilas, quintas, jardins e parques, este projeto, a ser concluído, vem comprometer seriamente esta classificação.

Conceder que ambos os projetos hoteleiros avancem é uma ameaça à permanência do Alto Douro Vinhateiro e de Sintra na lista de Património Mundial, sob a égide da indiferença por parte do Estado que, mais uma vez, coloca os interesses económicos à frente daquilo que é o património histórico e natural do país.

Estas e outras atuais ameaças ao Património Mundial em Portugal devem-se, sobretudo, ao fechar de olhos à aplicação da regulamentação nacional e das recomendações e acordos internacionais, e a uma inversão de prioridades entre o que são futuras receitas do turismo e a preservação do que é nosso. E que fique claro: o Governo falha redondamente ao demitir-se de intervir para travar estes projetos.

Faço, no entanto, a minha declaração de interesses: desde 2006 que trabalhei em Sintra e nada me dava maior prazer do que chegar pela manhã e ver a Serra ainda marcada pela neblina ou percorrer as ruas da vila, serpenteadas pelo verde que a rodeia. Trago Sintra no meu coração. E mesmo não sendo natural do Douro, consigo perceber o que sentem as suas gentes ao ver o seu património natural ameaçado e o porquê de a páginas tantas se desejar que permanecesse desconhecido. 

A melhor vista sobre estes locais é aquela que perdura livre no tempo, de geração em geração, e não pode ser cercada por cimento e limitado o seu acesso a alguns, fazendo prevalecer interesses financeiros. Para além da ousadia de destruir parte de um património que deve ser intocável e cujo valor é inestimável, é o mesmo que dizer que um património imaterial mundial, afinal, vale muito pouco

*Líder do grupo parlamentar do partido Pessoas-Natureza-Animais (PAN) – Portugal

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