Conselho de Imprensa timorense critica cobertura de polémica visita de Xanana a ex-padre

por Guilherme Rego

O Conselho de Imprensa timorense pediu hoje aos jornalistas que evitem ser “moços de recados”, referindo-se à publicação de um comunicado sobre a visita de Xanana Gusmão a um ex-padre acusado de abuso sexual, sem identificar fonte.

“Apela-se aos jornalistas para que reflitam sobre o seu papel na sociedade e que recusem a função de meros transmissores passivos de mensagens, de moços de recados”, refere um comunicado divulgado hoje pelo Conselho de Imprensa (CI).

O nota foi distribuída após uma conferência de imprensa para analisar a cobertura dos media timorenses à visita que o ex-Presidente da República, Xanana Gusmão, efetuou no final de janeiro à casa onde o ex-padre Richard Daschbach, acusado de pedofilia e outros crimes, está em prisão domiciliária.

O Conselho de Imprensa refere que cinco órgãos de comunicação timorenses – a agência pública Tatoli, o jornal online Oekussi Post, a televisão privada GMN e os jornais Diário e Independente – deram cobertura à visita, baseando-se exclusivamente “num comunicado entregue pela comitiva de Xanana Gusmão”.

“Os jornalistas replicaram o comunicado, fizeram poucas ou nenhumas alterações à nota de imprensa, não atribuindo a sua origem, e não foram além disso na cobertura”, disse hoje aos jornalistas Virgílio Guterres, presidente do CI.

O CI destaca ainda que em três órgãos de comunicação social (OCS) o texto foi assinado por um jornalista, “o que constitui (…) plágio”.

Para o CI, houve “uma total demissão da atividade jornalística, não verificando, não procurando o contraditório, não diversificando as fontes, não procurando o rigor e a verdade”, violando a lei e o código de ética jornalística e descredibilizando uma atividade que se quer “vigilante dos poderes instituídos e do Estado de Direito Democrático”.

A CI questiona a “ausência de pluralidade”, quando os cinco OCS publicaram textos “iguais”, e o facto de os textos conterem “omissões que tornam a notícia tendenciosa, não cumprindo efetivamente a sua missão de informar”.

Sustenta ainda que o comunicado “visava um objetivo, como todo o ato público, no qual os jornalistas aceitaram participar, optando por defender um interesse particular em vez do interesse público”.

Depois das críticas que as notícias suscitaram, alguns jornais optaram por corrigir a referência a Dasbach de padre para ex-padre, “mas sem qualquer explicação para essa alteração”, apagando ou alterando outros parágrafos.

Os textos publicados apresentam ainda uma longa biografia do visado, “omitindo informações relevantes”, incluindo o facto de ter sido expulso do Vaticano e de ser acusado dos crimes de pedofilia e pornografia infantil.

“Ao referir na sua biografia apenas factos positivos do seu percurso, os meios de comunicação social contribuem assim para veicular uma imagem falsa do visado, desconforme com a realidade, num claro processo de branqueamento”, sustenta.

Além disso, os textos têm referências “que se assumem claramente como recursos retóricos para despertar no leitor sentimentos de compaixão e empatia”.

Virgílio Guterres considera que a cobertura “falhou, ao não apresentar factos jornalísticos relevantes”, sendo “desequilibrada, com intenção de mudar a opinião publica sobre a acusação contra o ex-padre”.

Questionado pela Lusa sobre se os ‘media’ timorense receiam fazer a cobertura deste caso, Virgílio Guterres recordou que esta é a primeira vez “que um membro do clero é levado à justiça”.

O importante papel da igreja católica na sociedade, disse, tem levado a que a reação mediática seja menor do que a esperada, apesar de algumas publicações, como o Tempo Timor, terem sido essenciais para dar a conhecer o caso.

“Reconhecemos que o efeito inibidor do medo existe. Mas agora precisamos de noticiar factos sem medo”, defendeu.

Sobre a cobertura do caso pela Tatoli, o facto de ser uma agência noticiosa pública deve exigir responsabilidades acrescidas, e os seus jornalistas “têm que ter honestidade e humildade para reconhecer os falhanços e erros e aceitar as críticas”, disse.

Na semana passada, a Conferência Episcopal Timorense apelou à comunidade católica em Timor-Leste para que respeite a decisão tomada pelo Papa Francisco de expulsar Daschbach do sacerdócio. Em outubro do ano passado, o representante da Santa Sé em Díli disse à Lusa que o Vaticano “não tem qualquer dúvida” de que o ex-padre é culpado desses crimes.

Daschbach, de 84 anos, detido em 2019, é acusado de abusar de pelo menos duas dezenas de crianças no orfanato onde trabalhava, o Topu Honis, localizado no enclave de Oecusse.

Em setembro do ano passado, o procurador-geral da República, José da Costa Ximenes, confirmou à Lusa que além dos crimes de abuso sexual de crianças, o Ministério Público acusa Daschbach dos crimes de pornografia infantil e violência doméstica.

O código penal prevê penas máximas de 20 anos de prisão por abusos sexuais de menores de 14 anos, agravadas em um terço se as vítimas tiverem menos de 12 anos.

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