Whisky da ilha a que os portugueses chamaram Formosa descobriu Portugal

por Filipa Rodrigues

Em Taiwan, a maturação do whisky no barril é acelerada por causa do clima tropical. O grupo industrial King Car garante que esse é um dos segredos da qualidade do Kavalan. Mas a água pura que desce da Montanha de Neve também ajuda

Quase ninguém em Portugal tinha ouvido falar do Kavalan quando em 2012 foi publicada uma reportagem sobre esse whisky que ganhou alguns prémios surpreendentes. “Whisky asiático?”, foi a reação. Agora, descobre-se que em supermercados e garrafeiras de Lisboa não só vários tipos de Kavalan têm clientes fiéis como lá longe, em Yilan, onde está a destilaria, se preparam para lançar dois whiskies envelhecidos em barris comprados em Portugal.

“O whisky Kavalan é um produto de Taiwan vendido no mundo inteiro e o conteúdo, que tem a água como alma, é proveniente de puras nascentes na Montanha da Neve. Estou feliz por, na primavera de 2021, serem lançadas duas linhas que fazem a fusão com Portugal, sendo uma envelhecida nos cascos do vinho do Porto e outra nos do Madeira”, diz Vivia Chang, que lidera o Centro Económico e Cultural de Taipé, baseado em Lisboa.

O artigo publicado há nove anos no DN intitulava-se “E se um whisky falasse mandarim?”. Sim, porque apesar de politicamente separada da República Popular da China desde 1949 (e reivindicada por esta), Taiwan tem como língua oficial o mandarim (até mantém os caracteres clássicos, ao contrário da China continental) e a cultura entronca na civilização chinesa – basta ver os mercados de rua em Taipé ou os tesouros do Museu do Palácio Nacional, com as obras trazidas por Chiang Kai-shek quando se retirou com as tropas, funcionários e famílias para a ilha, após ser derrotado pelos comunistas de Mao Tsé-tung.

Mas o whisky Kavalan presta homenagem também àquilo que é muito próprio de Taiwan, pois o nome é o de uma tribo aborígene, populações que já viviam na ilha quando o grosso do povoamento chinês começou no século XVII.

As montanhas cobertas de verde em redor da destilaria, aberta em 2008, com a neblina a impedir que se vislumbre a Montanha da Neve que, com 3.886 metros é o segundo pico mais alto da ilha a que os navegadores portugueses de Quinhentos chamaram Formosa, elogia a paisagem que ainda hoje está bem conservada.

A reportagem de 2012 começava assim: “Podia dizer-se que esta chuva miudinha cheira a Escócia não fosse os pingos caírem mornos. E as montanhas à volta também seriam uma boa imitação das highlands escocesas se Taiwan não tivesse cumes acima dos três mil metros, mais do que qualquer ponto das Ilhas Britânicas. Mas a destilaria Kavalan não quer imitar o whisky original, ambiciona superá-lo”. Seguia-se a explicação que foi dada por Jim Swan, perito britânico que o grupo King Car contratou para lançar o Kavalan: “A água de nascente que corre das montanhas é extremamente suave, doce e cremosa, influenciando o paladar do nosso whisky. E o clima subtropical acelera a maturação do Kavalan, produzindo um excelente single malt”.

Apesar do prestígio dos muitos prémios conquistados (até em provas cegas contra marcas escocesas, como uma organizada pelo Times) e da qualidade comprovada, não é possível um Kavalan com, por exemplo, 12 anos. A tal maturação acelerada, que também é acompanhada por evaporação, faz que, esperando-se 12 anos na hora de engarrafar pouco líquido restaria no barril.

Ao lado de Swan, no lançamento do whisky taiwanês, esteve Ian Chang, master blender nascido na ilha. E o segredo do sucesso, já evidente então e hoje reforçado, é a cevada importada da Europa, a água puríssima de Taiwan e os cascos de carvalho que já serviram para envelhecer bebidas clássicas como xerez, porto ou madeira.

Taiwan, com uma população com alto nível de vida e gosto pelo whisky, aposta no Kavalan para conquistar os mercados orientais, cada vez mais atraídos por luxos do ocidente. Mas tal como os whiskies japoneses, que ganharam grande prestígio mundial, o Kavalan está a afirmar-se em todas as latitudes e longitudes, com direito a artigos elogiosos desde o Le Monde ao The New York Times.

Para a ilha de 24 milhões de habitantes que é a 21.ª economia mundial (e que apesar da covid-19 cresceu quase 3% em 2020), o sucesso do Kavalan é sobretudo sinónimo de espírito empresarial (de Lee Tien-tsai, ou Lee TT, dono do King Car), pois a tecnologia continua a ser o essencial das exportações.

“Em Portugal, made in Taiwan, os produtos mais vendidos são de tecnologia, como ACER, Asus, TSMC, Foxconn, Garmin. Também existem outros, como bicicletas de alta gama que uma empresa taiwanesa já está a fabricar aqui”, sublinha Vivia Chang, a representante em Portugal de Taiwan, oficialmente a República da China.

Um Kavalan single malt em Portugal é vendido por preços a rondar os 50 euros. Mas há variantes do whisky taiwanês, como o Kavalan Solist Moscatel Single Cask Strenght, que podem atingir mais de 400 euros por garrafa.

Para reforçar a personalidade taiwanesa do Kavalan, o grupo King Car adotou um formato bem distintivo de garrafa: as formas arrojadas são inspiradas no Taipé 101, que até 2009 foi o arranha-céus mais alto do mundo.

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