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Dois apontamentos

Bruno DiasBruno Dias*
Bruno Dias

Primeiro apontamento: as eleições para Presidente da República.

Convenhamos. Nesta campanha houve a fabricação de um aparente unanimismo, com uma elaborada promoção do candidato Marcelo Rebelo de Sousa. E a sua reeleição à primeira volta traduz o resultado expectável dessas operações – para lá da vantagem decorrente do exercício das funções presidenciais.

De certeza que não fui só eu que reparei na atitude de MRS, de desvalorização destas eleições. Não queria fazer campanha. Não dedicou meios de esclarecimento disponíveis. Assumiu uma ensaiada pose austera quanto a meios e recursos de campanha. Também assim se dá uma “ajuda” para uma menor mobilização dos cidadãos para as eleições!

Importa alertar para uma possibilidade real: para lá do que se proclama, o agora reeleito Presidente da República pode vir a exercer um segundo mandato com um alinhamento, daqui para a frente, (ainda) mais explícito com os objetivos e agenda da política de direita – que, diga-se, nunca deixou de estar presente em importantes decisões adotadas no desempenho das suas funções.

Só para recordar o que o João Ferreira tantas vezes sublinhou: ao Presidente da República incube defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição da República Portuguesa – e não animar a sua subversão. É essa a exigência que está colocada ao Presidente eleito!

Mesmo para quem teve outras opções, foi reconhecido por muitíssimos sectores o valor e significado próprios da candidatura de João Ferreira, candidatura que colocou, como nenhuma outra, o valor do trabalho e dos trabalhadores, os serviços públicos, a liberdade e a democracia no centro da sua intervenção. Esta candidatura deu, como nenhuma outra, conteúdo e significado ao que a Constituição da República representa enquanto referência para uma política de progresso social, de garantia e efetivação de direitos, de afirmação de Portugal como nação desenvolvida e soberana.

Facto: a votação obtida por João Ferreira traduz um progresso eleitoral quando comparado com o resultado do candidato apoiado pelo PCP em 2016. O que se verificou foi um aumento de 3,95 para 4,32 por cento e a obtenção de um número idêntico de votos – mas num quadro em que votaram quase menos meio milhão de eleitores! E não menos importante: num contexto marcado por circunstâncias de saúde pública que limitaram a ação de esclarecimento e mobilização e que desmente os que procuram falsamente menorizar o resultado obtido pela sua candidatura.

Este resultado foi tão mais importante quanto se verificou que nela prevaleceram fatores dispersivos – quer sobre a importância das eleições, quer sobre o que de facto nelas se decidia. A isto se juntou uma despropositada centralidade dada a falsas disputas sobre “segundos” lugares. Tivemos uma originalidade: a dramatização para a bipolarização da medalha de prata…

Entretanto, registe-se: mesmo com elevados níveis de abstenção (que alguns bem tentaram promover!), o ato eleitoral desmentiu e desautorizou totalmente as manobras e projetos dos que, a pretexto da epidemia e de uma falsa invocação de saúde pública, ambicionaram impor uma situação de exceção, adiar as eleições e rever a Constituição da República.

Segundo apontamento: a situação do País na epidemia de COVID-19.

A evolução mais recente da epidemia e os problemas e inquietações que suscita, o aproveitamento que dela se está a fazer para impor uma agenda de limitação de direitos e regressão social, a sua instrumentalização para alimentar agendas reacionárias, não encontram da parte do Governo as respostas e medidas que a situação impõe.

Face à epidemia que o País enfrenta, sublinha-se a urgência de medidas que passam pelo rápido reforço da estrutura de saúde pública, por garantir a proteção sanitária nos locais de trabalho e transportes de todos aqueles que todos os dias têm de sair de casa para garantirem serviços essenciais e manterem a atividade económica; pela pedagogia da proteção em torno das normas definidas pela Autoridade Nacional de Saúde e pelo reforço do Serviço Nacional de Saúde em profissionais e meios técnicos, que permita dar resposta ao aumento significativo do número de internados com Covid-19 e a todos os outros doentes com outras patologias.

Um dos maiores condicionalismos à atividade do Serviço Nacional de Saúde é a falta de médicos das várias especialidades, enfermeiros e outros profissionais de saúde. Não sendo uma medida com efeitos imediatos, o aumento do número de médicos, na formação inicial e na especialização é decisiva e inadiável, tal como a formação de enfermeiros e técnicos e outros profissionais de saúde para garantir a prestação de cuidados no serviço público. Assim como concretizar uma decidida política de valorização desses profissionais, quer no plano salarial, quer no das carreiras.

É fundamental que o processo de vacinação avance o mais rapidamente possível e em segurança. E nesse contexto o País deve assumir a opção soberana de diversificar a compra de vacinas autorizadas pela OMS a outras farmacêuticas, bem como a possibilidade de acordos que passem pela produção nacional dessas vacinas.

Num momento em que se renovam limitações à atividade, decorrentes de novos confinamentos e da interrupção das atividades letivas, emerge com particular acuidade a mobilização de meios e recursos. Impõe-se o apoio, a proteção social e salvaguarda da remuneração a 100% para os trabalhadores, dos direitos daqueles em situação de teletrabalho, incluindo o de assistência à família. Impõe-se responder ao futuro de milhares de pequenas empresas, a par de uma decidida aposta no investimento público, capaz de contribuir para a dinamização económica.

*Deputado do Partido Comunista Português (PCP)

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