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Eleições Legislativas. Da pandemia e de outros demónios

Marco Carvalho

Previstas para o próximo outono, as eleições legislativas em Macau não deverão colocar em causa a legitimidade das opções governativas tomadas por Ho Iat Seng, mas os analistas são unânimes: o Chefe do Executivo estará sob maior pressão em 2021, com críticas e exigências esperadas de todos os quadrantes.

A grande incógnita do escrutínio para o hemiciclo está em saber até que ponto a pequena bancada pró-democrática se consegue reinventar, num contexto em que as margens de intervenção aparentam poder vir a ser mais curtas e a resposta à pandemia impõe-se como preponderante.

A resposta à pandemia de Covid-19 – e às consequências económicas de longo prazo resultantes do prolongamento da crise de saúde pública – vai continuar a dominar a vida política da Região Administrativa Especial de Macau e poderá ser um aspeto central das eleições para a Assembleia Legislativa previstas para o início do Outono, defendem politólogos e analistas ouvidos pelo PLATAFORMA.

Ho Iat Seng concluiu o primeiro ano de mandato à frente dos destinos do território em estado de graça e com níveis de popularidade inéditos para um líder do Governo, mas a lua-de-mel entre o Chefe do Executivo e a população dever perder intensidade ao longo dos próximos meses, à medida que os diferentes agentes políticos se mobilizam, tendo em vista as eleições legislativas.

Os candidatos a um lugar no hemiciclo deverão exigir do Governo garantias de que a subsistência económica da população não está em causa. O antigo deputado Jorge Fão acredita que o impacto da pandemia será um tema transversal a todas as candidaturas, estejam elas conotadas com sectores mais progressistas ou com os quadrantes mais tradicionais. “Penso que quase todos os candidatos vão fazer o mesmo. A estratégia vai ser quase uníssona e passa por não deixar de falar na pandemia. Os candidatos vão servir-se da pandemia para pedir que o Governo conceda mais benefícios, mais subsídios à população. E isto porquê? Porque é uma retórica que agrada aos eleitores”, sustenta o dirigente da Associação dos Aposentados, Reformados e Pensionistas de Macau (APOMAC).

O eleitorado de Macau, lembra Sonny Lo, favorece tradicionalmente aspetos pragmáticos em detrimento de princípios e ideais e num contexto de crise é pouco provável que a premissa se altere. O analista político espera que os setores tradicionais, alinhados com o Governo, continuem a dominar o hemiciclo e diz, por isso, que o escrutínio não pode ser visto como um desafio à legitimidade do Executivo.

“Os eleitores que votam vão certamente conferir grande importância à questão pragmática de como vai o Governo ajudar os que estão desempregados e as pessoas cujos empregos e negócios estão a ser afetados pela Covid-19. Acredito que a orientação dos eleitores que se desloquem às urnas para votar vai focar-se nos aspetos práticos e pragmáticos do quão eficazes são as soluções do Governo para minimizar o impacto da Covid-19”, assume o académico.

“As eleições em Macau têm sido tradicionalmente um barómetro que permite testar a popularidade do Governo, mas não creio que este ato eleitoral possa constituir um desafio de qualquer espécie à legitimidade do Executivo, até porque a maior parte das pessoas de Macau parecem estar satisfeitas com a performance do Governo liderado por Ho Iat Seng”, complementa Lo.

Um olho na economia, outro nos democratas

A gestão bem-sucedida da pandemia pode, no entender de Eric Chong King Man, prefigurar-se como um trunfo tanto para o Governo, como para forças mais tradicionalistas. O académico de Hong Kong, que há cinco anos publicou um estudo sobre a forma como as práticas de clientelismo influenciam os resultados eleitorais no território, acredita que, em última instância, o foco na pandemia favorece abordagens mais conservadoras e limita o debate político, forçando o pequeno campo pró-democracia a reinventar-se.

“Se alguém criticar em demasia o Governo nos próximos meses, corre o risco de ser visto como um agitador, de querer criar sentimentos anti-governo numa era pós-pandemia que ainda é pautada pela incerteza e pela necessidade de recuperação económica”, sustenta o especialista em administração pública. E acrescenta: “O campo pró-democracia vai continuar a ser uma minoria. De qualquer forma, quem acompanhou o que aconteceu em Hong Kong em 2020-2021, ter-se-á apercebido de que a filosofia promovida pela atual liderança chinesa é a de que qualquer minoria no hemiciclo de qualquer uma das Regiões Administrativas Especiais deve ser isso mesmo, uma minoria. Não há qualquer possibilidade de que possam vir a ganhar mais influência enquanto o Governo continuar a utilizar os meios legais que tem ao dispor para esmagar qualquer fação que comece a ganhar preponderância”.

A forma como as forças pró-democracia se propõem responder aos desafios e às novas dinâmicas com que o ano de 2020 brindou Macau é uma das incógnitas das legislativas do próximo Outono, mas não é, de todo, a única. Em meados de Dezembro, durante uma intervenção à margem de uma reunião no hemiciclo, o secretário para a Segurança abriu as portas à possibilidade de o ato eleitoral não ser organizado na altura prevista.

Wong Sio Chak evocou eventuais “riscos” provenientes de Hong Kong, mas para Eilo Yu a única razão que poderia alegadamente justificar o adiamento do escrutínio seria um improvável agravamento do panorama epidemiológico no território. “Acredito que as eleições legislativas vão decorrer como previsto, tendo em conta a atual situação de Macau. A não ser que o território seja confrontado com um surto de grandes dimensões, não vejo razões para adiar a votação. Julgo que é do entendimento comum de que o adiamento das eleições para o Conselho Legislativo, em Hong Kong, tem fundamentos políticos que vão muito além da gestão da epidemia”, defende o professor associado da Universidade de Macau, para quem a realidade da RAEM não é comparável à da antiga colónia britânica.

Considera ainda que, “nas últimas eleições, o Governo já tinha reforçado a lei eleitoral para impedir candidaturas que pudessem violar a Lei Básica ou que se prefigurassem suspeitas de não ser ´leais ao Estado´”.

“Não me parece que o Governo ou que Pequim possam agir para impedir que alguém se candidate às eleições este ano. Teriam feito isso nas últimas eleições. Parece-me que Pequim não vai colocar obstáculos a que os atuais deputados sejam candidatos”, diz o académico.

Mais do que a manutenção do atual status quo, o grande desafio que o campo pró-democracia tem em mãos é o da renovação. Em 2016, Ng Kuok Cheong, que foi eleito para a Assembleia Legislativa pela primeira vez em 1992, deixou a entender que o corrente mandato seria o último como deputado.

A confirmar-se essa intenção, as forças pró-democratas têm um problema em mãos, considera Leon Ieong Meng U. “Creio que uma das maiores incógnitas em relação a estas eleições será o de quantos lugares o campo democrático poderá conseguir garantir, caso Ng Kuok Cheong e Au Kam San decidam reformar-se, como anunciaram há cinco anos. Se assim for, quem os vai substituir”, questiona o académico, colega de Eilo Yu no Departamento de Governação e Administração Pública da Universidade de Macau. A mesma interrogação inquieta Leung Kai Yin, que receia a incapacidade de renovação da bancada democrata. O especialista em administração pública diz que o eventual adeus de Ng Kuok Cheong e de Au Kam San à política fragiliza o sistema político do território.

“Ambos disseram que tencionavam reformar- se este ano. É muito difícil cultivar uma nova liderança política no campo pró-democrata. Se apenas Sulu Sou e Pereira Coutinho permanecerem na Assembleia Legislativa, será muito triste para a sociedade de Macau. Aos olhos de Pequim, a existência de membros da oposição é um bom exemplo da subsistência do princípio “Um País, Dois Sistemas”. Mostra que o modelo é bem-sucedido em Macau. A existência de três ou quatro membros da oposição não incomoda Pequim”, assume o analista, que se diz convicto de que o número de candidaturas no campo pró- -governo vai disparar.

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