China quer aprender com Évora e Macau a conservar património de influência ocidental

por Filipa Rodrigues
Vítor Quintã

A Universidade de Soochow quer aprender com Macau e Évora  como utilizar tecnologia para conservar edifícios históricos de influência ocidental. A instituição acolhe desde novembro um laboratório conjunto, para o qual já convidou outras universidades chinesas.

Foi inaugurado em meados do último mês na cidade de Suzhou, no leste da China, o Laboratório Conjunto China-Portugal das Ciências de Conservação do Património Cultural, uma parceria entre a universidade local, a Universidade de Évora e a Universidade Cidade de Macau.

“Nos primeiros anos após o estabelecimento da República Popular da China, estávamos tão ocupados a construir cidades que nos esquecemos de proteger o património”, disse ao PLATAFORMA.

O coordenador do programa de Planeamento e Design Urbano da UCM acredita que muitas cidades da China continental “querem aprender sobre as práticas de conservação do património de Macau, que são de facto únicas”.

Apesar de a China ter uma história milenar, as ciências do património são ainda uma área “bastante jovem” no país, disse ao PLATAFORMA Pan Yiting.

A vice-diretora do Grupo de Pesquisa em Arquitetura Histórica e Conservação do Património da Universidade de Soochow esteve, aliás, entre os pioneiros a frequentar a primeira licenciatura em conservação de património arquitetónico criada na China, em 2003 na Universidade Tongji, na vizinha cidade de Xangai.

A universidade de Suzhou foi a quarta na China a aventurar-se na área do património, mas Pan Yiting admite que o conhecimento no que toca às tecnologias de conservação “não é ainda muito forte”.

A professora da Escola de Arquitetura  acredita que será a Universidade de Évora a liderar o laboratório nos aspetos técnicos, porque “têm excelentes instrumentos e instalações para fazer análise materiais”.

O laboratório Hércules da Universidade de Évora, dedicado às ciências do património, “é um dos mais bem equipados da Europa”, confirma António Candeias, vice-reitor da universidade e antigo diretor do laboratório.

A instituição portuguesa pode ajudar a Universidade de Soochow a realizar avaliações, usando métodos que evitem danos ao património construído, refere Pan Yiting. É já possível enviar amostras de materiais de construção utilizados em edifícios históricos para serem analisados em Évora, acrescenta a investigadora.

Assim que a pandemia de Covid-19 permitir, o Hércules irá enviar um laboratório móvel para realizar campanhas na China continental, revelou António Candeias.

A Universidade de Évora pode analisar como é que o material se vai deteriorando, explica Pan Yiting. O objetivo é desenvolver químicos ou outras substâncias para “limpar” os edifícios históricos sem os danificar ou então encontrar formas de abrandar a deterioração. 

Edifícios de influência estrangeira

Entre 1997 e 2000, oito dos 69 chamados jardins clássicos de Suzhou foram classificados pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO, na sigla inglesa) como Património da Humanidade.

É este tipo de construção tradicional chinesa que o Laboratório Conjunto China-Portugal quer estudar em detalhe e não apenas em Suzhou. Para isso, diz Pan Yiting, a Universidade de Soochow quer que mais instituições de ensino superior e centros de investigação chineses se juntem ao laboratório.

A investigadora revelou que já foram convidados a Universidade de Tecnologia de Taiyuan, na província de Shanxi, no norte da China, a Universidade de Arquitetura de Anhui, no leste do país, e o Instituto de Formação e Investigação sobre o Património da Humanidade para a Região da Ásia, um centro da UNESCO situado em Suzhou.

Mas o Laboratório Conjunto China-Portugal está aberto ao eventual interesse de outras universidades lusófonas além de Évora, diz Pan Yiting. Isto porque também quer apostar na conservação de património arquitetónico “com influências tanto chinesas como estrangeiras, como os edifícios em Macau”, diz a académica.

“Podemos tornar-nos uma referência em termos de políticas e tecnologia para ajudar as cidades da China continental a aprender com as práticas de Macau”, defende Li Chaosu (ver caixa).

Um tipo de arquitetura que se encontra em muitas das cidades portuárias chinesas cedidas a países ocidentais após as Guerras do Ópio, no século 19, e até no campus principal da Universidade de Soochow, fundada em 1900.

Uma Faixa, Uma Rota

O primeiro contacto entre as universidades de Suzhou e de Évora aconteceu em Outubro de 2016, quando António Candeias visitou a cidade chinesa e assinou um memorando de entendimento. “Foi o início da nossa relação amigável e o estabelecimento de um modelo geral de cooperação”, recorda Pan Yiting.

Na altura o objetivo do acordo com Évora era promover o intercâmbio em torno da língua e cultura portuguesas, diz a académica. O interesse em cooperar também na conservação do património surgiu à medida que a Universidade de Soochow decidiu reforçar a capacidade de investigação nesta área.

A instituição chinesa contactou então a Universidade de Évora e a Universidade Cidade de Macau, tendo as três partes trabalhado em conjunto para preparar uma proposta entregue no ano passado ao Ministério da Ciência e Tecnologia chinês.

O ministério aprovou o projeto no início deste ano, diz Pan Yiting, e em setembro passado incluiu o Laboratório Conjunto China-Portugal numa lista de projetos prioritários de cooperação internacional.

No âmbito da iniciativa chinesa Uma Faixa, Uma Rota, as autoridades encorajaram as universidades e centros de investigação locais a procurar parceiros internacionais nos países que faziam parte da histórica Rota da Seda, sublinha a académica.

Embora Portugal não faça oficialmente parte de Uma Faixa, Uma Rota, foi o primeiro país da Europa Ocidental a assinar um acordo de cooperação com a iniciativa chinesa, em dezembro de 2018, durante uma visita de Estado do Presidente da China, Xi Jinping.

Ligação rápida Évora-Macau

A ligação à universidade de Suzhou surgiu através de uma parceria já existente entre a Universidade de Évora e a Universidade Cidade de Macau (UCM), diz António Candeias.

A instituição de Macau vai financiar uma cátedra dedicada ao desenvolvimento sustentável do património cultural em Évora.

Um conceito que junta três dimensões – económica, ambiental e social –, diz Li Chaosu. Ele dá como exemplo “a atual política do Governo de Macau, segundo a qual o investimento na conservação do património tem de criar valor, seja financeiro ou para a sociedade”.

A Faculdade de Inovação e Design da UCM tem já um mestrado em planeamento urbano, mas não tem qualquer curso de conservação do património. “No futuro talvez possamos lançar um programa conjunto de licenciatura ou mestrado” com a Universidade de Évora, diz Li Chaosu.

Um primeiro passo seria um curso de verão que possa juntar estudantes de Macau e de Évora, um plano que está dependente da evolução da pandemia.

A covid-19 tem também adiado a deslocação de um investigador português para começar a montar em Macau um laboratório instrumental afiliado ao laboratório Hércules, num projeto que recebeu financiamento da Fundação Macau. “Esperemos que ele possa vir no próximo verão”, diz Li Chaosu.

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