Da economia planificada ao presente, o papel das cooperativas de abastecimento

por Filipa Rodrigues
Ye Rongrui

Quando se entra em casa da aldeã Jiang Xiufen sobressai o cheiro a lenha queimada, misturado com os odores do porco com picles, que se libertam enquanto são mexidos na panela de ferro. O calor enche toda a cozinha. Este é “o sabor” exclusivo do inverno no nordeste da China.

Quando se empurra a porta da cozinha, virada a oeste, em frente vê-se a fachada do Departamento de Abastecimento e Marketing de Long Yang. No interior do estabelecimento, umas cadeiras de couro estão silenciosas e os bordos do balcão polidos por milhares de clientes a entrarem e a saírem. Ao longo dos anos o espaço foi gerido e operado por Guo Hongfu, marido de Jiang. Ele já morreu, mas as impressões antigas ainda continuam por lá. O certificado do prémio ´Departamento e Grupo Avançado´ emitido pela Federação das Cooperativas de Abastecimento e Marketing continua afixado na parede, como prova da prosperidade do estabelecimento no passado.

A aldeia de Longyang pertence à vila de Erongshan, cidade Fugin, província de Heilongjiang, localizada na margem sul do Rio Songhua. A partir daqui, se o vento da Sibéria rodar 300 quilómetros para o leste, soprará na fronteira sino-russa.

O nome completo e original da Cooperativa de Abastecimento e Marketing é ´Cooperativa de Produção Rural de Abastecimento e Marketing´, um produto da era da economia planificada da China, em que a aldeia era a unidade básica para a venda os meios de produção e subsistência aos consumidores, através da distribuição estatal. 

“Na década de 70 era preciso trocar cupões de comida por cereais ou cupões para panos para comprar tecidos. Os cupões ainda não estavam disponíveis para todos. Eram sorteados pelas equipas de produção e quem os recebesse podia ir à Cooperativa para trocar copões por peças de lã”, recordou Jiang.

Em 1977, aos 25 anos, Guo Hongfu reformou-se do serviço militar na cidade Changchun e regressou à terra natal.

A memória da senhora Jiang mais uma vez em ação.

“Lembro-me que era fevereiro e ainda nevava”, disse, recordando o passado, ainda incapaz de suportar a tristeza. A partir daquele regresso e daí em adiante, Guo foi nomeado para a Cooperativa de Abastecimento e Marketing na vila de Erongshan, e tornou-se funcionário do departamento de alimentação.

Aproveitando a oportunidade histórica de reforma e abertura, as cooperativas em todo o país começaram a aplicar o sistema de responsabilidade contratual, alugando as filiais aos funcionários, e partilhando o lucro. Em 1983, o Departamento de Abastecimento e Marketing de Longyang foi formalmente “criado”, quando Guo estava pela meia-idade. Com as novas funções, expandiu ativamente os canais de abastecimento e recolheu os produtos agrícolas e secundários dos camponeses locais: batata seca, feijão, cogumelos selvagens… Naquela época não havia equipamento eletrónico de pesagem, mas nunca ousou “enganar os clientes”, diz Jiang. Guo caminhava pelas ruas com uma balança na mão e também no coração.

Sempre que nevões mais pesados cobriam os campos, o número de homens, mulheres e crianças que se deslocavam ao ´Departamento de Abastecimento e Marketing´ aumentava rapidamente. 

Mais um ano de cultivo passou e os aldeões precisavam de um lugar para compartilhar a colheita. Também aproveitavam para falar sobre o quotidiano do dia-a-adia até o sol poente se inclinar para oeste. 

“O meu marido acendia sempre um cigarro e sentava-se numa cadeira a escutar as conversas em silêncio. Por vezes, pelo meio de uma conversa lá começava a discutir com um ou outro. A vida era então muito animada”, assinalou Jiang, dando um olhar a fotos antigas penduradas na parede. “Entretanto, com o passar dos anos, muitos dos aldeões foram-se embora, assim como os mais novos. O negócio começou a piorar gradualmente e os stocks de diferentes produtos foram diminuindo. Após a morte do meu marido, penso muitas vezes nesses momentos do passado e sinto-me muito triste”, lamentou. 

Hoje, os estudantes rurais vão para a cidade para obter a melhor educação, e os pais, os então adolescentes que salivavam à frente dos lanches expostos nas prateleiras do ´Departamento de Abastecimento e Marketing´, partiram também para o sul em busca de emprego. Uns foram para cidade, acompanhando os filhos que estudam no secundário, e apenas uma minoria permaneceu nesta terra de solos negros. 

Olhando para toda a região nordeste da China, 1,64 milhões de residentes optaram por sair nos últimos sete anos.

Além da perda de habitantes, o rápido desenvolvimento do comércio eletrónico na China trouxe também um grande impacto sobre o modelo de comércio tradicional, como o seguido pela ´Cooperativa de Abastecimento e Marketing´. 

Em 2020, as transações online totalizaram 1,77 biliões de yuans, mostrando o enorme poder de compra dos consumidores chineses, mas ocultando também uma crise: um a um, o número de ´departamentos´ e ´cooperativas´ diminuiu e precisam urgentemente de se reformar e explorar um caminho criativo virado para um desenvolvimento de economia global.

Em Junho deste ano o Governo central emitiu a “Decisão sobre o Aprofundamento da Reforma Global das Cooperativas de Abastecimento e Marketing”. Se as cooperativas vierem a transformar-se numa “Nova Rede de Serviços de Circulação Moderna na Zona Rural”, isso está dependente de uma execução concreta no futuro. 

Ao mesmo tempo, o ajustamento da estrutura industrial na região nordeste também precisa de acontecer com urgência, com a introdução ativa do setor terciário e o acompanhamento da era da Internet, para que essas terras possam, verdadeiramente, “reter as pessoas”

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