Por um Orçamento do Estado que não deixe para trás as pessoas LGBTI

por Filipa Rodrigues
Inês de Sousa RealInês de Sousa Real*

Desde há muitos anos que nos habituámos a ver a luta pelos direitos das pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersexo (LGBTI) nas ruas do nosso país, em ações de reivindicação pública. Com avanços e recuos, esta longa luta foi entrando pelas portas da Assembleia da República e, passo a passo, conquistando a igualdade perante a lei.

Desde 2015 que nos orgulhamos de participar no processo de eliminação de grandes discriminações históricas patentes até então na lei portuguesa, com o reconhecimento do direito à autodeterminação da identidade de género e proteção das características sexuais, da igualdade de direitos no acesso à adoção e apadrinhamento civil por casais do mesmo sexo e ainda da possibilidade de acesso às técnicas de Procriação Medicamente Assistida por parte de mulheres solteiras e casais de mulheres.

Mas se há algo que a crise associada à COVID-19 nos veio trazer foi o ampliar das fragilidades de algumas das respostas sociais. Exemplo disso são os contextos frágeis de muitas camadas da população LGBTI, que não escaparam às já precárias redes de apoio e de suporte, associadas à fraca implementação da igualdade nos contextos sociais, educativos e laborais e à proliferação de movimentos extremistas anti-LGBTI. A perda de segurança laboral e a obrigação de confinamento provocaram o regresso a contextos inseguros por parte das pessoas LGBTI, refletindo-se num grande aumento dos pedidos de apoio às Organizações Não-Governamentais LGBTI, que carecem elas próprias de recursos humanos e materiais.

Foi com os olhos voltados para esta realidade, e depois do apelo de várias organizações de defesa e proteção das pessoas LGBTI, que apresentámos, em sede de discussão na especialidade do Orçamento do Estado para 2021, propostas especificamente direcionadas para as pessoas LGBTI e/ou para as associações que as representam. Destas, destacamos a criação de uma Rede de Centros Temporários de Acolhimento de Emergência específicos para pessoas LGBTI. Atualmente, existem apenas duas instalações associativas financiadas pelo Estado: a Casa Arco-íris, em Matosinhos – Casa de Acolhimento de Emergência Para Pessoas LGBTI Vítimas de Violência Doméstica – e um apartamento de autonomização da CasaQui para jovens – Reajo, Resposta de Autonomização para Jovens LGBTI. Uma resposta manifestamente insuficiente. Para trás ficam, por isso, inúmeras pessoas que a dada altura da sua vida ficaram sem casa ou que tiveram de fugir de contextos de violência doméstica. Pessoas para as quais existem pouquíssimas respostas adequadas à realidade da violência de género no nosso país.

Mas é preciso também reforçar as verbas e as respostas específicas do Serviço Nacional de Saúde para as pessoas LGBTI, nomeadamente as pessoas trans, de modo a garantir a implementação de uma estratégia de saúde governamental, que, por ora, permanece na gaveta devido à fraca alocação de verbas e ao desinvestimento por parte do Governo.

E, precisamente, porque o trabalho de proteção social das pessoas LGBTI não se faz sem meios, propusemos um programa de apoio e reforço das verbas atribuídas às Organizações Não-Governamentais LGBTI, para que, protegendo os seus recursos humanos, possam continuar o seu trabalho de forma digna e com a maior estabilidade possível, num cenário de grande crise em que uma vez mais, se substituirão a uma responsabilidade que é do Estado, tantas vezes enfiada na gaveta do “fica para o ano”. O direito à igualdade não pode ser uma mera proclamação que continuamos a invocar de vez em vez, recordando a nossa Constituição ou as Convenções Internacionais. A igualdade tem de ser um direito que se efetiva no dia-a-dia e que não fica de fora do Orçamento do Estado.

Para além dos tempos difíceis que vivemos, temos todas e todos de envergar uma bandeira arco-íris, algo que continua a ser aos dias de hoje um ato de coragem, de libertação ou de resiliência. Apesar do caminho já percorrido em matéria de igualdade, enquanto eleitas e eleitos, temos também a responsabilidade política e cívica de levantar essa bandeira e de ter a coragem de tudo fazer para pôr fim à discriminação das pessoas LGBTI. Só assim poderemos estar do lado certo da história.

*Deputada do partido português PAN

Pode também interessar

Contate-nos

Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

Plataforma Studio

Newsletter

Subscreva a Newsletter Plataforma para se manter a par de tudo!