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Quando sair à rua e raptar alguém se torna banal

Rute CoelhoRute Coelho*

Jessica Pequeno, 27 anos, filha de um casal proprietário de um restaurante em Matola, cidade nos arredores de Maputo (Moçambique), saiu de casa como habitualmente na segunda-feira passada, perto das 8h00 da manhã e numa fração de segundos foi enfiada dentro de um carro por desconhecidos e levada para parte incerta. A jovem veio a ser libertada pelos raptores esta sexta-feira mas o seu rapto levanta muitas questões a que urge responder.

Pela primeira vez nos já costumeiros raptos a empresários em Maputo – portugueses, asiáticos, moçambicanos e de outras origens – foi levada a filha de um alvo que nem sequer é milionário. É família de classe média, proprietária do restaurante Burako da Velha, em Matola. Aliás, todos os elementos da família trabalham no espaço, incluindo Jessica e o marido, pasteleiro chefe. E se trabalham não estão podres de ricos, seguramente.

Este foi o 10ºrapto a vítimas do setor empresarial de Maputo só este ano. Mas e se o critério dos criminosos para escolherem um alvo estiver a ser cada vez mais aleatório? E se à ousadia de perpetrar um ato destes se juntar o desespero de precisar de uns trocos porque a crise económica causada pela Covid-19 desiquilibrou o já frágil tecido social moçambicano?

Quando sair à rua e raptar alguém , qualquer um, se torna banal, é preciso confrontar o governo de Moçambique e os seus órgãos de polícia criminal para a sua aparente ineficácia em debelar um fenómeno que já tem muitos anos anos e que se tem vindo a agravar. Nada se ganha com a banalidade do mal.

“Ninguém faria prever que seriam pessoas alvo, significa que ninguém está livre de ser colocado nesta situação”, como comentou Alexandre Ascenção, presidente da Associação Portuguesa de Moçambique.

A polícia de Moçambique não tem meios suficientes para investigar a criminalidade violenta, é um dos argumentos mais ouvidos. Então investigue-se o que é que a polícia, com os meios disponíveis, tem realmente feito para por cobro aos raptos. Não se deixe pedra sobre pedra para perceber se há eventuais ligações de elementos da autoridade ao crime organizado. Recorram à ajuda especializada de países terceiros e cooperantes, como Portugal, se necessário for.

Mas Maputo não pode ficar à espera passivamente até ao próximo cidadão ser enfiado à força dentro de um carro ou baleado em pleno dia à entrada para o escritório como aconteceu com Agostinho Vuma, o presidente da principal confederação patronal do país, em julho. Ninguém deseja que aconteça na capital de Moçambique o que aconteceu em Caracas. A capital da Venezuela chegou a ter há uns anos uma média de três raptos por dia e algumas das vítimas foram empresários portugueses, gente que suou as estopinhas na panificação para ter uma história de sucesso de emigração para contar.

Todas as dificuldades, da fraca capacidade da polícia ao facto de os raptos já não serem feitos só pelo crime organizado mas também por oportunistas, estão diagnosticadas pelo menos desde 2013. Está mais do que na hora de agir, de definir o combate a este crime como prioritário e de o governo de Filipe Nyusi envolver a Procuradoria-Geral da República e até o Parlamento no processo.

*Jornalista do Plataforma

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