Crime de Alcàsser aconteceu há 28 anos e causou profunda comoção em Espanha

por Guilherme Rego

Testes de DNA confirmaram que ossos encontrados recentemente pertencem a uma das adolescentes assassinadas no infame caso Alcàsser

Alcàsser, 13 de novembro de 1992. Três jovens foram raptadas, violadas, torturadas e assassinadas, num crime com contornos, considerados por muitos, estranhos. O evento mediático envolveu o povo espanhol na década de 1990.

Antonia Gómez, Desireé Hernández e Miriam García, adolescentes com idades entre os 14 e os 15 anos, desapareceram nos arredores de Alcàsser, localidade do município da Comunidade Valenciana, em Espanha.

As três jovens estavam a caminho da discoteca Coolor localizada na cidade vizinha de Picassent quando, de acordo com informações oficiais, a meio do caminho pediram boleia e entraram num carro Opel Corsa branco ocupado por, pelo menos, dois homens. Nunca mais voltaram para casa.

Depois de montada uma campanha de busca sem precedentes, a 27 de janeiro de 1993, três meses após o desaparecimento, dois apicultores encontraram os cadáveres das jovens num lugar conhecido como La Romana, a cerca de 50 quilómetros da cidade de Valência, perto do pântano de Tous. Os corpos, já em avançado estado de decomposição, mostravam sinais de agressão sexual e tortura.

Anos depois, o caso voltou aos holofotes com a estreia, a 14 de junho de 2019, da série da Netflix “El Caso Alcàsser”. O documentário, dividido em cinco partes, analisa o processo de investigação, as diferentes teorias que surgiram e o papel da imprensa na cobertura do episódio, que tornou-se num dos casos policiais mais mediáticos em Espanha.

Desde o primeiro momento, com o desaparecimento das jovens, estabeleceu-se uma forte concorrência entre os meios de comunicação, com o intuito de obter o máximo de detalhes sobre as adolescentes e as suas famílias. E essa exploração foi feita para lá dos limites considerados aceitáveis pelo bom senso.

Equipas de produção televisiva deslocaram-se até Alcàsser, uma localidade de apenas oito mil habitantes, para entrevistar os pais, parentes e amigos das adolescentes. O circo estava montado.

A situação atingiu tais proporções que a imprensa anunciou a descoberta dos três corpos antes mesmo de alguns membros das famílias terem sido notificados. A mãe de Miriam Garcia, por exemplo, ficou saber pela televisão que o corpo da filha tinha sido encontrado, enquanto o marido Fernando estava a tentar deligências internacionais no Reino Unido, junto da Scotland Yard.

Na verdade, Alcàsser tornou-se um estúdio de televisão ambulante em que todos falavam sem pudor sobre o estado dos corpos e as condições em que tinham sido encontrados. Imagens e depoimentos foram transmitidos vezes sem conta sem qualquer tipo de ética.

Miguel Ricart e Antonio Anglés, culpados ou bodes expiatórios?

Miguel Ricart, o único condenado no caso, teve uma pena 170 anos de prisão. Contudo, já foi libertado de forma condicional em novembro de 2013, encontrando-se em paradeiro reservado. O outro suspeito de envolvimento no crime, Antonio Anglés, fugiu quando ia ser preso – e continua foragido. Há testemunhas que terão visto Anglés, imagine-se, na Costa da Caparica, uma vez que a própria polícia confirmou, na altura, que tinha fugido para Portugal. Entretanto há relatos de ter sido visto na Irlanda e no Uruguai, embora existam teorias de que já possa ter morrido.

O pai de Miriam, Fernando Garcia, nunca desistiu de apurar a verdade. Durante anos, ele próprio com a ajuda de terceiros, investigou o caso até à exaustão. Chegou mesmo a afirmar publicamente que o caso seria maior do que se imaginava e que haveriam nomes importantes da sociedade e da política espanhola envolvidos na morte das três adolescentes, considerando que os homens acusados seriam simplesmente bodes expiatórios.

No ano passado, depois da estreia do documentário, uma fã da série deslocou-se até La Romana e encontrou diversos pedaços de ossos, que entregou posteriormente às autoridades. Depois de analisados, o DNA dos restos mortais foi comparado ao do pai de Miriam, tendo dado positivo. Acredita-se que os pequenos fragmentos, principalmente ossos de dedos, tenham sido deixados para trás durante a investigação.

O laudo pericial de 1993 indicava que faltava a uma das meninas “parte do dedo indicador, médio, anelar e mínimo”. Agora, o enigma está completo, embora, como a Guardia Civil admitiu, o caso não se tenha aproximado de uma resolução definitiva, que continua, efectivamente, por resolver.

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