Vacina chinesa no centro da polémica

por Filipa Rodrigues
Carolina de Ré

Dezenas de pessoas foram até a Avenida Paulista, uma das vias mais conhecidas de São Paulo, a maior cidade do Brasil, no dia primeiro de novembro, num protesto que questionou a obrigatoriedade de uma futura imunização contra a Covid-19 e colocou em causa a vacina em fase final de testes do laboratório chinês Sinovac, a CoronaVac, aplicada em milhares de voluntários brasileiros numa pesquisa em parceria com o Instituto Butantan.

Além de realizar os testes, o Instituto Butantan, que pertence à Secretaria de Saúde do estado brasileiro de São Paulo, participou da negociação de um contrato para a compra antecipada de 60 milhões de doses e o acesso à patente para produzir o medicamento no país se o mesmo comprovar eficácia contra o novo coronavírus e for aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) do Brasil.

Apoiantes declarados do Presidente Jair Bolsonaro, os manifestantes do passado domingo não exigiam apenas o direito de escolher se vão ou não vacinar-se contra a covid-19, levaram cartazes a atacar o governador de São Paulo, João Doria, e a “vacina chinesa”, adicionando um novo capítulo na disputa entre o chefe de Estado e o principal opositor na política doméstica. 

Para o analista político Rodrigo Prando, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, a crise do novo coronavírus antecipou as divisões internas na direita brasileira que deverá ter Dória e Bolsonaro como os dois candidatos em 2022.

“Existe sim a politização da vacina e acontece especialmente porque desta maneira o Presidente Bolsonaro mantém a base de apoio, nas redes sociais ou nas ruas, bastante eletrizada. A politização dá-se por uma questão ideológica e porque Bolsonaro quer distanciar-se, quer marcar posição em relação aoprincipal adversário, que é o governador de São Paulo, João Dória”, considerou Prando.

O investigador também destacou a importância da linguagem no processo, que inclui referencias xenófobas e uma cópia do discurso utilizado nos Estados Unidos em relação à China.

“Bolsonaro segue muitas vezes o que diz Donald Trump, que usa o termo ‘vírus chinês’. Aqui no Brasil muita gente tem usado o termo ‘vacina chinesa’, quando na verdade a vacina é uma parceria entre um laboratório chinês e o Instituto Butantan”, disse.

Para o analista, “a politização está no nível da linguagem porque ninguém fala no telemóvel chinês, na roupa chinesa, no ténis chinês, mas a China exporta tudo isto. Querem marcar uma posição ideológica e usam o termo ‘vacina chinesa’. O termo foi adotado pelos bolsonaristas e pelo próprio Presidente. Eles foram os responsáveis por esta politização”.

No Brasil, o acesso ao atendimento de saúde é gratuito e garantido pelo Sistema Único de Saúde (SUS), que mantém hospitais e diferentes tipos de unidades de atendimento financiadas de forma direta e indireta com recursos dos municípios, estados e Governo central. 

O SUS também é responsável pelo planeamento e compra de medicamentos usados na vacinação gratuita da população dentro do programa nacional de imunização. Embora seja responsável por liderar as estratégias de distribuição das vacinas em todo território quando houver algum medicamento aprovado contra a covid-19, o Governo central do Brasil teve uma resposta contraditória em relação à CoronaVac, considerada uma das dez vacinas mais promissoras em desenvolvimento no mundo pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

A 19 de outubro o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, confirmou em carta enviada ao Instituto Butantan que iria comprar 46 milhões de doses da CoronaVac e incluiria o medicamento no programa nacional de vacinação.

Após este anúncio nos ‘media’, Bolsonaro foi criticado por aliados e apoiantes e usou as redes sociais para dizer que o Governo não compraria mais a vacina e iria cancelar as conversações sobre o assunto. “A vacina chinesa [é] de João Dória. Para o Governo, qualquer vacina, antes de ser disponibilizada à população, deverá ser comprovada cientificamente pelo Ministério da Saúde e certificada pela Anvisa”, escreveu o Presidente no facebook.

“O povo brasileiro não será cobaia de ninguém. Não se justifica um bilionário aporte financeiro num medicamento que nem sequer ultrapassou a fase de testagem. Diante do exposto, a minha decisão é a de não adquirir a referida vacina”, acrescentou.

O Ministério da Saúde também divulgou um comunicado dizendo que houve um mal-entendido e um erro de interpretação das declarações do ministro Pazuello e que a tutela não havia confirmado a compra do medicamento.

Uma semana depois, o vice-presidente do Brasil, Hamilton Mourão, declarou à revista Veja que o Governo tinha sim intenção de comprar a vacina da farmacêutica Sinovac. “Essa questão da vacina é uma ‘briga’ política com o João Doria. O Governo vai comprar a vacina, lógico que vai. Já colocamos os recursos no Butantan para produzir essa vacina. O Governo não vai fugir disso”, disse Mourão.

Inicialmente, as negociações da CoronaVac envolveram o governo de São Paulo e a Sinovac, sem participação do Governo central, que por sua vez injetou recursos para comprar outro imunizante contra o novo coronavírus, também em fase final de testes, desenvolvido pela Universidade de Oxford e o laboratório AstraZeneca.

Se a CoronaVac for incorporada pelo Ministério da Saúde no plano nacional de vacinação e enviada a todos os estados brasileiros será financiada com recursos do Governo central. Se não, o governador de São Paulo disse que pagará pelas doses já encomendadas.

Pode também interessar

Contate-nos

Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

Plataforma Studio

Newsletter

Subscreva a Newsletter Plataforma para se manter a par de tudo!