André Jordan: “Considero o crescimento da China muito positivo para o mundo”

por Guilherme Rego
Gonçalo Lobo Pinheiro

Considerado por muito como “o pai do turismo português”, André Jordan dispensa apresentações. Aos 87 anos, 50 dos quais ligado ao setor, o empresário visonário conversou com o PLATAFORMA sobre quase tudo. O criador dos luxuosos empreendimentos portugueses Quinta do Lago, Vilamoura XXI e Belas Clube de Campo, lançou recentemente o seu livro de memórias de uma vida recheada de histórias e algumas peripécias para contar. A dias das eleições nos EUA, André Jordan assume que não morre de amores pelo atual Presidente dos EUA, considerando que se a vitória de Joe Biden for massiva, Donald Trump não poderá contestar o resultado, contudo “se a vitória for estreita, o mundo entrará numa jornada difícil”

Neste ano de crise, devido à pandemia de Covid-19, investiu forte no Belas Clube de Campo. Porquê?

O André Jordan Group e os nossos investidores resolvemos manter o programa de investimentos em curso, que consiste em 100 unidades de habitação entre apartamentos e townhouses no Lisbon Green Valley, que é a nova etapa do Belas Clube de Campo. Acresce a essas construções, lotes unifamiliares de construção livre dentro dos condicionamentos urbanísticos para ocupação do lote. A primeira fase do empreendimento consiste em 850 habitações e o campo de golfe championship. Também avançámos com a expansão das facilidades do Country Club tanto na área desportiva, que inclui novos courts de ténis e de padel como na restauração. É interessante observar que a localização do Belas Clube de Campo e as características de sustentabilidade do projeto vem ao encontro da nova procura de espaço e contato com a natureza.

Disse um dia que os “os portugueses têm um grande complexo em relação ao turismo”. Que quis dizer com isso?

Portugal tem o culto pelo académico e um complexo em relação às indústrias de serviços. Apesar de tudo o que acontece em relação ao turismo, há ainda um certo preconceito quanto à prestação de serviços, que é a ponta visível da mais diversificada e completa das indústrias, que envolve todos os setores da economia, da agricultura à banca.

Ainda vale a pena investir no Algarve? Como estão a Quinta do Lago e Vilamoura?

Como não estou informado sobre os negócios desses dois empreendimentos, posso afirmar que aparentam estar de boa saúde e continuado desenvolvimento há 50 anos, sempre mais valorizados.

[Sobre Trump] É extraordinário que a nação mais importante do mundo, que desfruta da maior economia, tenha o seu futuro à mercê da constituição psicológica de um narcisista desonesto e louco

E na lusofonia. O André tem investido na lusofonia?

Esclareço que nós somos um grupo que faz grandes projetos de forma artesanal, com toda equipe dedicada ao mesmo projeto e sintonizada nos objetivos. Diga-se que são projetos de longo desenvolvimento e maturação. Tanto a Quinta do Lago como Vilamoura, cuja primeira fase foi da família Cupertino Miranda, começaram há mais de 50 anos. Por isso, não consideramos investir em várias coisas ao mesmo tempo, ainda mais de forma intercontinental.

Como vê um possível desinvestimento da família do magnata Stanley Ho em Portugal, nomeadamente na Estoril-Sol e nos casinos do grupo – Estoril, Lisboa e Póvoa de Varzim? É prejudicial para a diversidade turística?

Como sabe, por estar em Macau, é muito diferente do que no passado em que muitas capitais e estâncias turísticas tinham jogo e algumas ainda têm. No entanto, os jogadores preferem hoje grandes centros que concentram muitos casinos com hotéis e espetáculos. Em Portugal, os frequentadores dos casinos são esmagadoramente portugueses residentes. A grande maioria dos turistas não frequentam casinos. Londres é a única cidade europeia que tem casinos em forma de clubes em que os jogadores são sócios do clube. É um segmento de mercado que já teve melhores dias, até porque muitas pessoas jogam online.

O que é para si ser considerado como uma das 12 pessoas mais influentes do mundo na área do turismo?

Além de ter contribuído para que Portugal fosse reconhecido como sendo um local de turismo de qualidade, cuja simplicidade é uma forma de sofisticação e requinte, fui Vice-Chairman do World Travel & Tourism Council, a organização que congrega as principais empresas do mundo na hotelaria, na aviação, nas grandes operadoras turísticas e demais setores relevantes no turismo. Fui criador do World Travel & Tourism Summit, a Cimeira Mundial do Turismo, cujo primeiro congresso realizámos em Vilamoura. Depois de um segundo congresso também em Vilamoura, a Cimeira passou a ser disputada por capitais e zonas importantes do mundo inteiro, tendo sido realizada nos países europeus, na Ásia, nos Estados Unidos, etc. É o principal evento que reúne as principais personalidades deste setor, com representantes das autoridades oficiais e das instituições financeiras.

O debate sobre os Vistos Gold é nada menos que absurdo. Portugal não vende nacionalidade, mas simplesmente autorizações de residência (…) é ridículo renunciar a um instrumento fundamental para a atração do tão necessário investimento estrangeiro

50 anos de carreira no turismo. Acabado de fazer 87 anos, o que é que o André Jordan ainda pensa que há para fazer?

A minha carreira profissional, depois de ter sido jornalista, foi nas empresas imobiliárias do meu pai no Brasil e na Argentina. Depois do meu pai ter falecido há 53 anos, comecei um percurso internacional que encontrou em Portugal a sua base definitiva. Na verdade, o turismo é uma vertente do meu trabalho na criação de comunidades, tanto enquanto executivo internacional como em Portugal. Seria uma irrealista com esta idade fazer planos para o futuro. O André Jordan Group é liderado pelo meu filho Gilberto Jordan como CEO e o meu filho mais novo Henrique Jordan como diretor financeiro. A ligação ao mundo da cultura, o apoio das mais diversas causas públicas e principalmente ao culto da família e da amizade são os balanços positivos da minha vida, que, como todas as vidas, teve os seus desgostos e as suas dificuldades. O amor, em todas as suas formas, das quais a amizade é uma delas, é o sentimento preponderante da minha existência.

Como vê o crescendo da China no mundo nestes últimos anos?

Considero o crescimento da China muito positivo para o mundo. Penso que neste mundo global em transição, extremamente influenciável pelo desenvolvimento da tecnologia, vai colocar problemas nas economias que ainda são baseadas na mão de obra barata, que é parcialmente o caso da China.

Como vê a pandemia de Covid-19 que assola o mundo? A China é a grande culpada?

Não acredito que a China espalhou deliberadamente o vírus pelo mundo. O que penso é que o governo chinês não entendeu que devia proibir o consumo de todo tipo de animais exóticos por uma população que havia perdido a imunidade natural com o consumo da dieta moderna de hambúrgueres, sushi e pizzas. Acreditando inicialmente que isso poderia ter sido controlado discretamente, o governo chinês reteve as informações necessárias até ser forçado a combater abertamente o vírus e proibir o consumo da dita fauna. É difícil acreditar que uma vacina não testada adequadamente irá interromper milagrosamente a propagação da doença. A ilusão dessa ideia apenas complicará e atrasará o controlo adequado da situação. A maioria dos países do mundo oriental e do Báltico conseguiram conter a propagação pelo simples expediente de medidas que são aconselhadas, mas não devidamente adotadas. As nações que tiveram guerras ou bombardeamentos em seu solo estão acostumadas aos sacrifícios impostos por condições extraordinárias. E passo a contar uma história. Quando entrei num internato nos Estados Unidos aos 14 anos de idade, em 1947, tinha um colega de quarto chinês de Singapura que tinha 19 anos. A razão para isso foi que, durante a guerra sino-japonesa, as escolas ficaram fechadas durante cinco anos. O sucesso económico e social dessas sociedades mostra que elas recuperaram bem. Infelizmente, e talvez por enquanto, essa disciplina é a única maneira bem-sucedida de lidar com esta situação difícil.

Vejo o impacto da Greta não só por ser jovem, mas também por ser mulher. Uma das minhas grandes admirações é o reconhecimento da capacidade das mulheres da gestão do interesse público e também das empresas

E, em particular, no que concerne ao turismo? Muitos países queixam-se que os turistas chineses “não sabem estar”. Concorda?

Portugal não recebe o volume de turistas chineses como se pode ver em Paris e Londres. É evidente que grandes massas de seres humanos a circular no mesmo espaço são por definição predatórias. O Turismo de massas é uma estatística da balança de pagamentos, mas efetivamente não é rentável. É um leilão ao contrário, quem paga menos ocupa mais espaço do que quem paga mais.

Esta pandemia acaba por deixar Portugal em maus lençóis, não só do ponto de vista sanitário, como económico.

Nunca foi tão premente adotar a fórmula keynesiana de injeção massiva na economia através do apoio a corporações e do investimento em grandes obras públicas. Em vez de apoiar despedimentos, os fundos deveriam ser usados ​​para manter as empresas em pleno emprego. Por exemplo, no caso do Algarve, que directa e indirectamente depende integralmente do turismo e do investimento residencial estrangeiro, na atual situação de colapso do emprego que afeta todos os segmentos da economia local, corre-se o risco de agitação social, mesmo de ações violentas que, se o fizerem acontecer, destruirá a imagem de paz e segurança que é o principal argumento para atrair residentes estrangeiros na atual situação mundial. O debate sobre os Vistos Gold é nada menos que absurdo. Portugal não vende nacionalidade, mas simplesmente autorizações de residência. Qualquer estrangeiro, investidor ou não, tem direito a residência por cinco anos, renováveis. Portanto, é ridículo renunciar a um instrumento fundamental para a atração do tão necessário investimento estrangeiro que gera renda permanente e impostos locais e nacionais. É muito interessante notar que o Município de Loulé, por exemplo, é tão próspero que financia um importante programa de habitações subsidiadas.

Para o “pai do turismo português”, como é que se vende (ou deveria vender) Portugal no exterior?

A vertente mais importante do turismo do ponto de vista económico e social é o turismo residencial. É um turismo para quem o mais importante é a segurança, o clima, a comida e a cultura. Pouco temos feito para fixar o turista como residente, que é um mercado que tem estado em crescimento dada a estabilidade política e a sensação de segurança que é indiscutivelmente maior em Portugal do que grande parte dos meios urbanos internacionais. É um turismo muito rentável que incorpora também a utilização de hotéis e estâncias turísticas de qualidade, que não têm contraindicações porque é discreto, gera emprego, paga impostos e não tira nada do país em termos de rendimentos. Da minha longa experiência em Portugal, verifico também que uma parcela interessante dos que vêm aqui viver acabam por também investir em vários setores da nossa economia, porque o homem de negócios não sabe estar parado.

Não acredito que a China espalhou deliberadamente o vírus pelo mundo (…) o governo chinês reteve as informações necessárias até ser forçado a combater abertamente o vírus

Continuamos “muito pobres em oferta cultural” como afirmou há tempos numa entrevista à Visão? Como tornear isso?

A oferta cultural precisa ser potenciada, o que é possível financiar através de estímulos fiscais, como por exemplo a utilização de parte do IVA para este fim. Realisticamente, em comparação com outros países europeus, as nossas atrações nesta área são bastante limitadas.

Como podemos, ainda mais, alavancar as coisas boas que Portugal tem para oferecer como a gastronomia e os vinhos, por exemplo, ou até mesmo a diversidade de paisagem que vai desde a praia até ao campo, passando pela montanha e pelas ilhas?

Para alguém que vive em Portugal há 50 anos, o progresso feito nessas áreas é muito grande. Quando cheguei aqui, entre Albufeira e Faro havia três restaurantes de alguma qualidade. Atualmente, apesar de não conhecer as estatísticas, existem cerca de mil restaurantes nesse mesmo espaço, dos quais talvez uma centena mereça ser frequentada com prazer.

E o Brasil? Tendo vivido alguns anos por lá, como vê o trabalho do presidente Jair Bolsonaro e a grave crise sanitária que o país está a viver por causa da pandemia de Covid-19?

Tive longos períodos da minha vida no Brasil desde que chegámos em 1940, quando tinha seis anos. Muita dessa experiência está relatada no meu recente livro “Uma Viagem Pela Vida”. Neste momento, não me sinto em condições de avaliar a situação no Brasil.

Em Portugal, os frequentadores dos casinos são esmagadoramente portugueses residentes. A grande maioria dos turistas não frequentam casinos (…) É um segmento de mercado que já teve melhores dias, até porque muitas pessoas jogam online

Acredita que Donald Trump será reeleito ou teremos um democrata como Joe Biden no poder a breve trecho? 

É extraordinário que a nação mais importante do mundo, que desfruta da maior economia, tenha o seu futuro à mercê da constituição psicológica de um narcisista desonesto e louco. É minha impressão, a partir de uma observação cuidadosa, que entre os votos que Trump perde dos residentes suburbanos principalmente mulheres e Biden ganhará com a votação massiva da população negra e os jovens que se abstiveram na última eleição, Biden provavelmente ganhará o voto popular, bem como o Colégio Eleitoral. Se a vitória for massiva, Trump não poderá contestar o resultado. Se a vitória for estreita, o mundo entrará numa jornada difícil.

Este ano está a ser um ano totalmente atípico. Para além da Covid-19, estamos a braços com movimentos relacionados com o racismo. Quer comentar?

Portugal e o Brasil são os países menos racistas que conheci. Penso que um dos fatores é a preponderância, consciente ou não, da herança judaica que está em quase todas as famílias portuguesas. Naturalmente, pode eventualmente existir alguma discriminação de ordem económica. Quando comparo o Brasil e Portugal com o racismo profundamente enraizado nos Estados Unidos percebo a verdade da minha afirmação.

Porque é que Portugal tem dificuldade em livrar-se do provincianismo, “da cunha”, do favor, dos “doutores” e “engenheiros”?

A cunha, e os doutores e engenheiros são resquícios do subdesenvolvido, inclusive na educação. Quando Portugal atingir um grau mais completo e abrangente de desenvolvimento, essas características desaparecerão. Pode crer que já há uma enorme evolução social desde o tempo em que cheguei a Portugal há 50 anos. Naquela altura, o mínimo era tratar as pessoas por Vossa Excelência, o que ainda persiste em alguma correspondência.

O Turismo de massas é um leilão ao contrário, quem paga menos ocupa mais espaço do que quem paga mais

Tem preocupações ambientais? Como vê Greta Thunberg?

Somos pioneiros em questões ambientais e de sustentabilidade. Tenho uma enorme felicidade em verificar de que a nossa militância, prática e teórica ganhou raízes e frutificou em Portugal. Temos recebido prémios nacionais e internacionais. Ainda há poucos dias recebemos o Prémio do Imobiliário, uma (organizada pelo Expresso e SIC Notícias) na categoria de sustentabilidade e eficiência energética. Vejo o impacto da Greta não só por ser jovem, mas também por ser mulher. Uma das minhas grandes admirações é o reconhecimento da capacidade das mulheres da gestão do interesse público e também das empresas. O movimento feminista no passado bateu contra a parede por querer erroneamente que as mulheres fossem como homens. O segredo é não serem, e sim utilizarem a sua capacidade de ir direto ao problema e encontrar as soluções. Neste momento, o mundo constata a evidência desta informação.

Há quanto tempo não vai à terra onde nasceu, Lwow, na Polónia, hoje Lviv, Ucrânia?

Estive na Polónia há cinco anos com os meus filhos. Visitámos Varsóvia e Cracóvia a convite do governo polaco. Não fomos a Lviv porque naquele momento havia grandes demoras na passagem da fronteira. Foram emoções mistas, dada a história da minha família durante a guerra e por outro lado verificar que a minha alma polaca continua viva no culto das suas tradições, dos valores e principalmente da sua arte. Deparámos com Chopin em cada esquina.

Considera-se um visionário?

Não sei bem o que é ser um visionário. A minha capacidade de ver mais longe vem de um hábito desde jovem de analisar todos os dados da questão e tendo aprendido ao longo do caminho de correlacionar informações diversas que não são imediatamente aparentes em relação ao problema em análise. Daí chego a conclusões que parecem intuitivas, mas são na verdade o resultado de uma longa experiência de interpretar os pormenores. Sou uma pessoa normal com a preocupação de ser útil.

Pode também interessar

Contate-nos

Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

Plataforma Studio

Newsletter

Subscreva a Newsletter Plataforma para se manter a par de tudo!