OE 2021: a contas com um futuro mais justo e sustentável

por Fernanda Mira
Inês de Sousa RealInês de Sousa Real *

O Orçamento do Estado é, sem dúvida, um dos momentos mais importantes de cada sessão legislativa na Assembleia da República e para a dinâmica do país. Este ano assume uma importância ainda maior, uma vez que atravessamos uma das maiores crises sanitárias de que há memória, que, por sua vez, gerou uma crise social e económica de proporções ainda desconhecidas.

Não podemos encarar este Orçamento do Estado apenas como mais um Orçamento para 2021, mas sim como um instrumento que deve alicerçar a recuperação do país e a transição ecológica cada vez mais urgente, de modo a fazer face aos maiores desafios do nosso tempo.

Há muito que se exigia um maior investimento do Estado em áreas absolutamente fundamentais para o país como a saúde, a educação, a habitação, os transportes, o acesso ao emprego, entre outras. A crise sanitária veio evidenciar mais do que nunca as fragilidades que têm persistido até aqui.

Efectivamente, este é um daqueles momentos essenciais para pensar e avaliar as reais necessidades do país e das pessoas, procurando dar resposta às necessidades dos profissionais de primeira linha – como sejam os profissionais de saúde -, aos empresários mais afectados pela crise; evitar o agravamento do desemprego e da precariedade, nomeadamente entre os mais jovens, cuja taxa de desemprego ultrapassa os 26%;  assegurar o acesso universal ao Serviço Nacional de Saúde; responder à crise climática; garantir uma adequada gestão florestal e assegurar uma justa protecção aos animais, entre tantos outros desafios da nossa sociedade. 

Mais importante do que o documento que foi apresentado e votado na generalidade é o caminho que temos agora a oportunidade de fazer na especialidade, com a faculdade de propor respostas para os desafios e lacunas que ainda persistam, de modo a que a emergência socioeconómica não se agudize, sobretudo entre as pessoas em situação mais vulnerável.

Infelizmente as más opções que têm sido feitas não têm tido a coragem de tocar em sectores até aqui intocáveis, como a banca (pese embora finalmente as injecções de capitais no Novo Banco terem ficado de fora do Orçamento, continua-se sem pôr em cima da mesa a possibilidade de renegociar o contrato), as PPP’s rodoviárias que são absolutamente ruinosas para o país ou actividades poluentes, como a aviação ou navegação, que têm desequilibrado os pratos da balança, com prejuízo das pessoas, do bem-estar comum e de um novo modelo de  desenvolvimento sustentável, quer do ponto de vista social, quer do ponto de vista ambiental.

Neste sentido, o Orçamento para 2021 deverá reflectir, em primeiro lugar, um forte compromisso com o combate às desigualdades sociais e regionais que ainda persistem – e que são exacerbadas por crises como a que vivemos ou a crise climática – e às múltiplas formas de discriminação, em particular junto da população mais vulnerável, como as pessoas em situação de sem abrigo, as crianças, as pessoas idosas ou as mulheres. Também os jovens merecem respostas mais adequadas neste Orçamento, que os afaste do caminho da precariedade, que foi precisamente o caminho que os tem deixado desprotegidos, fruto de estágios mascarados de “primeiro emprego”.

Mas uma das matérias mais estruturais nas quais este Orçamento fica muito aquém do desejado diz respeito à crise climática, uma crise que existe em paralelo com a actual crise sanitária. Um país que se diz comprometido a combater a crise climática não pode, como tem feito, fechar os olhos a quem mais polui com o argumento de que a economia assim o exige, ou esbanjar dinheiros públicos em opções altamente prejudiciais para o planeta, como as estufas que têm proliferado pela  Costa Vicentina – comprometendo através da promoção da agricultura intensiva e superintensiva os solos, um recurso não renovável –  ou avançando com a construção de um novo aeroporto no Montijo, pondo em causa um ecossistema único e de relevância internacional, bem como a qualidade de vida das populações, com a produção de mais ruído e poluição. Em simultâneo, é fundamental exigir mais a quem continua ostensivamente, no âmbito da sua actividade, mais explora os recursos naturais e polui o que é de todos nós, sem respeito pelas presentes e futuras gerações, como a pecuária intensiva e superintensiva.

Também em matéria de protecção animal são necessários avanços mais aprofundados e uma mudança estrutural nas políticas públicas, para que episódios como a tragédia de Santo Tirso não caiam no esquecimento colectivo e nos mobilizem para a mudança, conferindo aos animais uma maior protecção. 

Nesta fase da discussão do Orçamento do Estado na generalidade, na nossa consciência deve prevalecer o cumprimento de um compromisso global: que no final de todo o processo o orçamento que saia do Parlamento não seja o mesmo que ali entrou. E, para que assim seja, reforçamos, este não é o momento de os partidos se esconderem atrás de divergências políticas e de se colocarem à margem de todo este espírito que deve ser de comprometimento e de responsabilidade para com todos nós, pelo contrário, devem fazer parte activa de uma solução colectiva, porque só assim poderá resultar um bem maior. Tanto mais que, não tenhamos dúvidas, estamos perante a emergência de mudança de paradigma e de assentarmos o desenvolvimento do país em modelos mais sustentáveis e éticos, não só do ponto de vista ecológico, como também social. E tal envolve o empenho e o compromisso de todos e todas nós. Da nossa parte não faltaremos a esse desafio. 

*Deputada e Líder do Grupo Parlamentar do PAN

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