Dar música está difícil

por Filipa Rodrigues
Carol Law

O Festival Internacional de Música de Macau está a chegar ao fim. Além do excelente programa, foi mais uma oportunidade para mostrar o desenvolvimento musical local.

Sobre a música tradicional chinesa, Warren Lio, diretor do Grupo Musical Cheong Hong, lembra que apenas existe uma orquestra profissional ligada a este género musical em Macau, o que dificulta o emprego para músicos formados na área que regressam à cidade. A maioria acaba a dar aulas de música chinesa ou escolhe uma carreira completamente diferente. Ainda assim, alguns jovens criam os próprios grupos e mesmo com trabalho em regime de part-time, esperam conseguir criar mais oportunidades. 

Emprego continua a ser difícil

O Grupo Musical Cheong Hong está em Macau há mais de 40 anos e o objetivo tem sido popularizar e promover a música chinesa, organizando há décadas espetáculos deste género musical. O diretor do grupo salienta que nos últimos anos muitos jovens escolhem continuar a estudar música chinesa na universidade, em instituições como o Conservatório Central de Música em Pequim. Todavia, ressalva, havendo apenas uma orquestra profissional de música tradicional chinesa em Macau, não é fácil para estes jovens músicos iniciarem uma carreira depois de terminarem os estudos. Por isso, a maioria trabalha como professores. “É um trabalho rentável mas, para alguém que se formou em música, não é o ideal”. Muitos não têm outra escolha e acabam a aceitar trabalhos em part-time relacionados com a música chinesa. 

“Não conseguem fazer dinheiro a tocar. Muitas vezes, jovens músicos com muito talento perguntam-nos se vale a pena seguir a via da música na universidade. Respondemos sempre que sim. É importante para o caráter de uma pessoa. Porém, escolher esta carreira em Macau é uma decisão que precisa de ser bem ponderada. A sociedade local ainda não se desenvolveu neste sentido. Os músicos não têm quaisquer garantias”, alerta Warren Lio.

Neste contexto também se perdem outros recursos humanos. Apenas um número reduzido de estudantes aprendeu música na escola secundária. Para a maioria trata-se apenas de uma atividade extracurricular, diz. Todos os anos “pelo menos dois terços” dos alunos abandonam o grupo para estudar no estrangeiro. Também não é certo que estudantes de outras áreas continuem a praticar música depois de iniciarem a universidade. Quer sigam ou não a música no ensino superior, podem não conseguir regressar ao grupo e participar nos ensaios por várias razões pessoais. 

“Os que regressam são aqueles que conheço desde pequenos”. Com o impacto da pandemia e os cortes governamentais espera-se também que os apoios aos grupos culturais sejam reduzidos nos próximos anos. “Poderá haver redução no número de concertos organizados e o interesse das pessoas também deve diminuir. Em Macau a maioria dos grupos culturais passa por dificuldades”, assinala.

À procura de novas oportunidades

Em contrapartida, e para contrariar a tendência, um grupo de jovens criou um novo grupo na expetativa de conseguir criar novas oportunidades para a música chinesa. A Associação Feng Ya Song foi criada em 2019 por apenas uma dúzia de membros, todos com experiência no meio musical, e alguns formados em música chinesa. O presidente da Assembleia Geral da associação, Leung Yan Chiu, salienta que, apesar de um numeroso grupo de jovens ter tido contacto com este género musical desde muito cedo, uma parte considerável de estudantes que entretanto regressou a Macau depois de terminar os estudos em música deixou de atuar. O responsável diz acreditar que quem estuda música na universidade o faz porque realmente tem uma paixão pela área. Por isso, acrescenta, o que é necessário é criar mais plataformas e oportunidades. Foi assim que foi criada a Associação Feng Ya Song, juntando jovens músicos que querem atuar e cooperar. “O nosso objetivo foi criar uma associação semiprofissional, que não se focasse apenas em música chinesa, mas na cultura em geral, e por isso misturamos vários estilos tradicionais”, esclarece.

A Presidente-Executiva Cheong Ka Pou afirma que o grupo tem vindo a realizar atuações em diferentes localidades da Área da Grande Baía e estabeleceu acordos para poder participar em algumas atividades locais, como por exemplo no “Festival de Chá de Macau” em setembro, onde se combinou a música chinesa com a cultura do chá, e em outubro, com uma atuação conjunta com a Associação de Dançarinos Regina. “Estas atividades geram rendimento. Todos gostamos de atuar e por isso esperamos que estas plataformas e atividades ajudem a que a música se torne rentável”, aponta.

O vice-presidente Chan Chi Kin admite que outros grupos já organizaram atividades semelhantes, mas não trabalharam em conjunto durante muito tempo. A Associação Feng Ya Song, todavia, pretende continuar a aprofundar esta cooperação. Originalmente tinham sido planeados alguns espetáculos e colaborações na Europa e na Área da Grande Baía, mas com o impacto da pandemia estes planos foram adiados. “Espero não ficar preso em Macau”, afirmou, salientando que a associação não se candidatou a apoio governamental este ano. “Com o passar do tempo devem surgir cada vez mais oportunidades, e uma profissionalização cada vez maior da área”. Cheong Ka Pou concorda: “A primeira coisa que temos de fazer é criar mais plataformas que nos recebam”.

“Interpretamos peças clássicas, mas também compomos e criamos originais. Queremos estabelecer uma ligação entre mais pessoas, organizações e elementos. Protegemos o que já existe e continuamos a criar. Idealmente gostaríamos de ter uma ou duas produções em digressão pelo mundo, mas esse objetivo levará muitos anos a alcançar. Será uma motivação e uma criação para deixar para a próxima geração desenvolver. Estamos apenas a abrir o caminho. Não sabemos o que o futuro nos irá trazer, mas sabemos que iremos continuar a lutar para que os que nos seguem tenham mais oportunidades”, conclui Leung Yan Chiu.

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