Início Mundo João Micaelo, o português amigo de Kim Jong-un: “Fumámos o primeiro cigarro juntos”

João Micaelo, o português amigo de Kim Jong-un: “Fumámos o primeiro cigarro juntos”

É cozinheiro e português. João Micaelo é amigo de infância do ditador da Coreia do Norte, onde já esteve por duas vezes

Já falou sobre o assunto por diversas vezes, mas sempre pela rama. Desta vez decidiu dar uma entrevista de fundo ao jornal em língua portuguesa no Luxemburgo, Contacto. João Micaelo desvenda diversas histórias – algumas inéditas – que envolvem o atual líder da Coreia do Norte, Kim Jong-un, seu amigo de adolescência na Suíça. Cresceram juntos até aos 16 anos.

Para o português de 36 anos, a amizade com o ditador é, até hoje, normal, até porque das duas vezes que esteve em Pyongyang, em 2012 e 2013, mesmo adultos “éramos miúdos outra vez”.

Conheceram-se com 13 anos e com essa idade fumaram juntos o primeiro cigarro. Kim Jong-un era simplesmente Un-Pak, um filho de embaixadores norte-coreanos na Suíça. Nessa altura, um professor mandou o novo estudante coreano sentar-se ao lado de João. Apesar de terem andado às turras nos primeiros tempos, a amizade começou logo ali.

Os progenitores de João estavam ligados à restauração. O pai cozinhava bastante. Por esta altura já Kim Jong-un era visita frequente da casa da família Micaelo. Tão frequente que até refeições fazia por lá. “Lembro-me de uma vez comermos migas e ele se virar para mim e dizer que aquilo era uma porcaria”, revela João ao jornal Contacto.

João também chegou a frequentar a casa do ditador. A família de Kim Jong-un vivia num prédio de tijolo numa urbanização no centro da cidade de Berna. Ali comia sempre churrasco, mas o que mais faziam era jogar consola. “Ele tinha um Sega, eu tinha um Nintendo”, lembra.

Kim Jong-un até pode ser um dos rostos mais temidos do planeta mas, para o alentejano de 36 anos, ele é apenas o melhor amigo da adolescência.

João lembra também que Kim sempre foi fanático por basquetebol. “Tinha o quarto com cartazes dos Chicago Bulls e do Michael Jordan”, conta. O ditador norte-coreano não morava numa casa luxuosa, nem ostentava sinais de riqueza, contudo “usava sempre fatos de treino da Nike e calçava uns Air Jordan”, revela o cozinheiro que garante que Kim era muito competitivo quando jogava basquetebol com os amigos.

A turma do sexto ano na Suíça. João é o primeiro, de pé, à esquerda. Kim é o quinto (Foto do arquivo pessoal de João Micaelo)

Micaelo revela que com Kim viveu três anos espetaculares. Ajudavam-se na escola. Jogavam videojogos e basquetebol. Viam filmes juntos e falavam de miúdas. O norte-coreano, confessa o português, tinha uma atração pela atriz francesa Sophie Marceau, estrela de James Bond e de Braveheart.

Já com 16 anos de idade, e com o 9.º ano a chegar ao fim, Kim chamou João para uma conversa séria. “Fomos para casa dele e contou-me que na verdade não era filho dos embaixadores da Coreia do Norte, mas sim do Presidente do país”, diz Micaelo que, na altura não acreditou no amigo, mesmo tendo visto fotografias dos dois juntos.

Mas, depois disso, tudo mudaria. João não voltou a ver Kim. Até um dia. Três meses depois recebeu um telefonema. Era Un-Pak, que lhe pediu para se encontrar com ele. “Contou-me que ia estudar para a Academia Militar. Repetiu-me que era filho do Presidente norte-coreano. Dessa vez sim, acreditei nele. Perguntou-me pelos meus planos, eu disse que pensava em tornar-me cozinheiro, como o meu pai”, revela o português.

Contra algumas expetativas, Kim Jong-un torna-se o líder da Coreia do Norte em 2011. Tinha então 29 anos. Durante vários anos, Micaelo nada soube do amigo. Continuou a sua vida, entre tachos e panelas, como cozinheiro. Passou por restaurantes com estrelas Michelin, foi chef numa empresa de cruzeiros e cozinheiro num restaurante em Viena, entre outras experiências.

Certo dia, quando estava de visita a casa dos pais, apareceram uns jornalistas japoneses que o quiseram entrevistar sobre Kim Jong-un. “Não contei grande coisa, na verdade, só que ele gostava de basquetebol e dos Bulls”, garante, desconhecendo que, nesse momento, a sua vida acabaria por mudar. Depois disso, veio o circo. Diversos jornalistas montaram cerco à porta dos pais, o que obrigou João a voltar para Viena. “Até a CNN veio falar comigo”, lembra.

Em 2012, três asiáticos entraram no restaurante onde trabalhava. Eram enviados de Pyongyang que só podiam voltar à Coreia do Norte se João os acompanhasse para um jantar com o Presidente. “Fiquei aflito”, assume. Nervoso, embarcou num voo para Pequim no dia seguinte. Chegado à China tinha à espera um avião das linhas aéreas norte-coreanas, exclusivamente fretado para si.

Na capital norte-coreana, esperava-o uma limusina. “Levaram-me para um complexo militar e entrei por um túnel. Subi ao quarto, deram-me cinco minutos para mudar de roupa e levaram-me para uma enorme sala de banquetes. O Un-Pak levantou-se e veio logo dar-me um abraço. Nesse momento, perdi as toneladas de medo que tinha acumulado nos ombros. Ali estava o meu amigo outra vez e era só isso que interessava”, lembra o cozinheiro português em entrevista ao jornal Contacto. João Micaelo relembrou mais um episódio engraçado desse dia: “Ainda gozei com ele por Portugal ter ganho por 7-0 à Coreia do Norte no Mundial da África do Sul. Isso ele não gostou tanto.”

Voltou à Coreia do Norte em 2013, desta vez para ficar por uma semana. “Visitei o país todo, sempre acompanhado por uma comitiva que incluía seguranças, tradutores e cozinheiros. Se havia fome eu não vi, mas acredito que sim”, confessa João que assume que sempre foi bem tratado por todos.

Depois dessa semana, o alentejano não voltou a ver Kim Jong-un. Gostaria de poder falar com ele para lhe comunicar que voltou a viver no mesmo bairro de antigamente, em Berna, e que o filho Luís nasceu no mesmo dia que ele, a 8 de janeiro. O português confessou ainda ao Contacto que não defende nem ataca o regime norte-coreano. Prefere lembrar-se apenas do seu amigo Un-Pak.

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