Ecocídio – Inoportuno é deixar a casa a arder!

por Filipa Rodrigues
Inês de Sousa RealInês de Sousa Real*

A Assembleia da República rejeitou na passada sexta-feira a iniciativa que visava recomendar ao Governo que promovesse junto do Secretário-geral da ONU a consagração do crime de ecocídio no elenco do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional (TPI).

Nas últimas décadas temos assistido à destruição dos ecossistemas e ao declínio da biodiversidade, a uma velocidade avassaladora e irreparável, sem que os diferentes países se mobilizem para resgatar o nosso maior bem comum: o Planeta. 

Imaginemos uma lei que tem uma autoridade moral mais alta… uma lei que põe as pessoas e o planeta primeiro.”. Polly Higgins, advogada britânica e autora desta frase, dedicou a sua vida ao reconhecimento do ecocídio (destruição em massa de ecossistemas) como o 5º crime contra a paz previsto no TPI, para que qualquer pessoa ou entidade que cometesse um crime contra o ambiente fosse responsável pelas consequências desse crime. 

Infelizmente, Higgins morreu no ano passado sem sequer um vislumbre do que pode ser uma verdadeira justiça climática

Dia após dia, são praticados vários crimes graves sobre o planeta, os ecossistemas, a biodiversidade, de forma impune: desde  a Amazónia, o “pulmão do planeta” que continua a ser destruída e desflorestada para fins económicos relacionados com explorações agrícolas e pecuárias e também para a extração de madeira; à Ásia, onde se continuam a destruir vastos habitats para a exploração de óleo de palma; ao Pacífico onde existe uma ilha rodopiante, do tamanho do estado no Texas, com 100 milhões de toneladas de pedaços de plástico, que gira no sentido horário do Havaí ao Japão; à Nigéria, onde já se somam cinquenta anos de extração de petróleo e as comunidades indígenas lutam para viver da terra e da água, envenenados por anos de derramamentos de óleo e colheitas destruídas devido à chuva ácida, entre tantos outros exemplos.

Destruir o Planeta não pode ser um direito. Até quando vamos desresponsabilizar os Estados, países, empresas ou indústrias que reiteradamente cometem crimes atrozes contra o ambiente? Estamos perante uma enorme lacuna na lei internacional.

Qualquer Estado-Parte da Convenção, através de proposta à ONU, pode propor essa alteração, mas a falta de consenso levou a que o crime internacional de ecocídio até hoje não esteja expressamente consagrado no Estatuto de Roma do TPI.

Foi esta a proposta que esteve em cima da mesa: que o Governo português faça a sua parte e interceda junto das instâncias internacionais para que o crime de ecocídio seja consagrado. Contudo, esta proposta foi rejeitada, com os partidos conservadores que têm oscilado na governação a manterem uma postura negacionista e mais incompreensível a considerarem que tal proposta é (sic) “panfletária”, “radical” ou “inoportuna”, em contraciclo com os milhares de cidadãos e centenas de cientistas que há muito alertam para a emergência climática e reclamam pelo reconhecimento do crime de ecocídio! 

É que inoportuno mesmo é deixar a casa a arder! A sustentabilidade do Planeta está ser ameaçada em larga escala. E a nossa própria espécie precisa com urgência de mudar o paradigma de desenvolvimento em que vivemos e de encontrar novos modelos de desenvolvimento sustentável, que respeitem o meio ambiente e os animais e que preservem e recuperem os ecossistemas. A consagração do crime de ecocídio pode ser o empurrão necessário para uma economia mais verde e para uma civilização global mais pacífica. Se o instinto de sobrevivência não nos compele a mudar de comportamento, se governos ou indústrias antes de cometerem um crime contra o planeta, não se perguntarem a si mesmos “Irei parar a tribunal por causa disto?”, dificilmente iremos deixar de lutar contra o ponto de não retorno e passar a construir mais pontos de esperança.

*Deputada e Líder do partido político português PAN

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