“Comida macaense deve ser disciplina obrigatória na escola de Turismo”

por Filipa Rodrigues
Solange Safrão

Marina Senna Fernandes, 61 anos, natural de Macau, foi empresária, administradora e trabalhou quase 11 anos no departamento dos assuntos jurídicos de uma das concessionárias do jogo em Macau. Em 2019, decidiu demitir-se e dedicar-se às atividades da Associação dos Macaenses (ADM). Hoje é gestora da cantina da ADM, onde servem pratos macaenses e ajuda também a promover eventos da associação. Numa conversa com o PLATAFORMA de Sabores, Marina Senna Fernandes deixou a opinião acerca do estado atual e futuro da gastronomia macaense.

“Já não queria trabalhar mais. Nunca gostei muito de jogo. Sempre gostei e sempre mais de cozinhar. Os meus filhos já estão todos crescidos e formados, então pensei… porque não deixar de trabalhar a tempo inteiro e dedicar mais tempo ao que realmente amo fazer: cozinhar “, explica.

Marina sente-se satisfeita por dirigir a cozinha da associação apesar de notar que a comida macaense tem sido esquecida pela sociedade.

“Apesar de não me considerar uma chef ou cozinheira, amo cozinhar e adoro cozinhar a nossa comida, a comida macaense”, afirma.  

Viveu em Portugal por um período de cinco anos e foi lá que percebeu que apesar de Portugal e Macau terem laços culturais e históricos, os portugueses desconhecem totalmente Macau e a culinária macaense.

“É uma pena, que quando estava em Portugal muitos questionavam a minha nacionalidade. Alguns não entendiam porque tinha nacionalidade portuguesa. Os portugueses desconhecem Macau e a conexão com Portugal”, conta. 

Enquanto estava em Portugal, fez vários trabalhos para promover a culinária macaense. Escreveu receitas macaenses para livros da Annabel Jackson, inglesa sediada em Hong Kong há mais de 20 anos, autora de 11 livros, incluindo quatro de receitas. O interesse é a relação entre a culinária e a cultura, como evidenciado em livros como o Vietname num Prato (Vietnam on a Plate) e Sabor de Macau (Taste of Macau). Participou no livro Fat Rice, do chefs Abe Collon e Adrianne Low

Acredita que a culinária local em Macau está em crise simplesmente porque a comunidade macaense, os verdadeiros “conhecedores da comida”, tem sido ignorados pelo governo e pela sociedade. 

“Temos muitas limitações para mostrar os verdadeiros sabores da gastronomia macaense. Primeiro, não somos chefs de cozinha, não estudamos culinária e por isso nunca somos chamados para eventos ou exposições da culinária macaense”, revela.

Outro motivo da crise, diz, resulta de não se ensinar a gastronomia macaense como disciplina na escola de turismo. Marina sente que isso é uma grande falha do Instituto de Formação Turística de Macau (IFTM). Acredita que Macau tem todas as condições para promover a culinária local, e deixa uma sugestão: “tem de partir de nós e isso implica investir na gastronomia macaense”.

“Temos muita gente disposta a ensinar as técnicas e temos os ingredientes. Penso que esta faltar uma boa iniciativa do Governo em investir mais na culinária macaense, que é um património de Macau”, declara. 

Marina Senna Fernandes também acredita que para a culinária macaense ser mais valorizada, devem formar-se chefs e cozinheiros que saibam preparar os pratos de Macau. Defende que o IFT deve fazer da comida macaense uma “disciplina obrigatória” para os alunos. 

Está satisfeita com o empenho do Instituto Cultural de Macau (ICM) em valorizar e preservar a cultura e a gastronomia macaense através de pesquisas e iniciativas como o “Homemade Macanese recipes challenge”. 

O desafio é uma iniciativa do PLATAFORMA de Sabores que se aliou ao turismo de Macau para enriquecer o arquivo histórico da gastronomia macaense. O desafio é simples. A diáspora macaense está convidada a gravar, na totalidade, receitas de diferentes pratos tradicionais da gastronomia macaense. Acredita que o ICM pode fazer muito mais mas que estão num bom caminho. 

Admira a complexidade da cozinha macaense e apela que aos verdadeiros conhecedores seja dada a oportunidade para ensinarem a interpretar a comida de Macau, pois é uma culinária de fusão que precisa de ser melhor estudada. 

“Para interpretar a cozinha macaense, temos de conhecer a cozinha portuguesa, indiana, malaia e chinesa. A nossa cozinha é tão rica porque usamos todas as técnicas possíveis, desde assar, fritar, cozer em banho-maria, etc. Usamos as técnicas da culinária chinesa e indiana. A nossa cozinha é completa”, assinala.

No final da conversa, Marina Senna Fernandes afirma que a cozinha está sempre a evoluir, mas que é importante para a nova geração conhecer a história da gastronomia macaense para que possam também evoluir e criar outras receitas através das técnicas utilizadas na culinária local. 

Apela, por isso, para que todos aqueles que tem poder para fazer alguma coisa, nomeadamente o Governo do território, o turismo e a escola de culinária reconheçam que a comunidade macaense pode ser uma grande ajuda para a valorização e preservação da gastronomia local porque são os macaenses que a dominam e estão dispostos a colaborar para dar um futuro brilhante à comida da cidade. 

Na opinião de Marina Senna Fernandes, a gastronomia macaense não está representada na sua verdadeira conceção e o que existe em Macau são receitas de fusão que não espelham a sua verdadeira essência. Considera que ainda há verdadeiras heroínas, como Florita Alves, Antonieta Manhão, Rita Cabral, Ana Manhão, entre outras.

Há restaurantes locais que apresentam comida macaense, mas é uma distorção das receitas tradicionais como por exemplo, o bacalhau à Braz, onde apresentam puré de batata com o bacalhau desfiado e batata palha e o denominam como receita tradicional. 

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