PGR timorense denuncia falta de fiscalização a instituições de acolhimento de menores

por Guilherme Rego

As instituições privadas de acolhimento de crianças vítimas de maus tratos, abusos ou abandono em Timor-Leste funcionam na quase total ausência de fiscalização, com potenciais riscos de “vulnerabilidades incontroláveis” para os menores, segundo o Ministério Público.

“Não é concebível que instituições privadas de acolhimento de crianças possam funcionar sem o licenciamento ou prévia autorização do departamento governamental que tutela a área de proteção social, o Ministério da Solidariedade Social (…), nem é admissível que o funcionamento dessas instituições privadas se processe à revelia dos organismos públicos com competência em matéria de proteção das crianças”, considera a Procuradoria-Geral da República (PGR), num livro que acaba de ser publicado.

A opinião está expressa no livro “O Ministério Público e a proteção da família e dos menores no contexto timorense”, que foi lançado na passada sexta-feira em Díli, por ocasião do 20º aniversário do Ministério Público (MP).

O texto nota que em Timor-Leste não há “instituições públicas de acolhimento de crianças vítimas de maus tratos, abusos, exploração ou abandono ou, por outros motivos, privadas de cuidados parentais”.

Um “vazio” que “tem sido ocupado por instituições privadas de solidariedade social, comummente designadas de ‘casas abrigo'”, e que apesar de serem exemplo da solidariedade da comunidade, “não deve[m] fazer esquecer a responsabilidade que cabe ao Estado e aos organismos públicos”.

Notando que “raros são os casos de casas abrigo que obtiveram o estatuto jurídico de utilidade social”, a PGR considera que a institucionalização de crianças “não deve ser vista segundo uma lógica meramente assistencialista”, apontando os riscos de o processo de proteção não ser devidamente acompanhado.

“A institucionalização de crianças, desenquadrada da lógica de cuidados e dos critérios exigidos por lei, pode ensejar vulnerabilidades incontroláveis e consequências nefastas para a vida das crianças”, sustenta o MP.

Situações em que podem ocorrer “dramas humanos inimagináveis”, alerta o MP, lembrando a possibilidade de, “sob a aparência de atitudes altruísticas”, poderem estar “propósitos profundamente egoísticos ou mesmo criminosos”.

“Tudo isto é indicativo de uma ampla e intolerável omissão do Estado, quando é certo que a constituição lhe impôs o indeclinável dever de proteger as crianças onde a proteção familiar deixa de ser efetiva”, considera.

“Um sistema de proteção não se concebe sem estruturas de apoio, sem equipamentos sociais e sem recursos humanos especializados. E este é um compromisso que o Estado deve cumprir no limite dos recursos disponíveis”, enfatiza.

Como exemplo dos riscos, o livro refere-se ao caso do orfanato Topu Honis, no enclave de Oecusse-Ambeno, criado em 1993 por um religioso, e que está agora no centro do caso do ex-padre Richard Daschbach, condenado pelo Vaticano por abuso de crianças, e que já foi acusado dos mesmos crimes e de pedofilia pelo Ministério Público timorense.

O livro refere que as notícias já publicadas sobre o caso – o próprio Vaticano confirmou à Lusa a condenação de Daschbach e a expulsão vitalícia do sacerdócio – “permitem inferir, com bastante segurança, que sucessivas gerações de crianças abrigadas nesse orfanato terão sido vítimas de abusos sexuais, perpetrados pelo promotor e diretor dessa instituição”.

No texto, o MP dá conta das denúncias iniciais e dos indícios de que os crimes “talvez tenham atingido a generalidade das crianças que passaram por esse orfanato”, explicando que duas crianças vítimas foram acolhidas por outras famílias.

“Dezenas e dezenas de outras crianças que passaram por esse orfanato não tiveram igual sorte e o mais provável é que as sequelas de atos tão atrozes as acompanhem para sempre”, refere-se no livro.

“As casas abrigo continuam a funcionar sem fiscalização adequada e, em verdade, ninguém pode afirmar, com absoluta certeza, que o acontecimento no orfanato Topu Honis seja um drama isolado e sem paralelo no país”, escreve a PGR.

A PGR considera que este caso deve servir de lição e contesta a visão de assistencialismo, “fragmentada, reducionista e unilateral do atendimento” de muitas das casas abrigo a que muitas das crianças chegam “por vias informais”, sem o crivo das autoridades.

Pode também interessar

Contate-nos

Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

Plataforma Studio

Newsletter

Subscreva a Newsletter Plataforma para se manter a par de tudo!