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Trinta anos de Ensino Profissional – E agora?

Alexandra VieiraAlexandra Vieira*

Em Portugal, o Ensino Profissional, criado em 1990, é das medidas de política educativa mais perenes no sistema educativo português. É também possível que seja uma das medidas mais importantes da nossa democracia, uma vez que correspondeu à necessidade de dar resposta a jovens que de outro modo não prosseguiriam estudos após a conclusão do 9º ano escolaridade.

Nessa medida, o Ensino Profissional tem vindo a criar técnicos em diferentes áreas, num esforço digno de registo. Permite que jovens prossigam os seus estudos sem ser no designado ensino regular, que, essencialmente é uma etapa preparatória para o ensino superior, numa vertente mais técnica e profissionalizante, mantendo a possibilidade de prosseguir estudos na universidade.

A criação dos cursos profissionais, em articulação com dinâmicas locais, tornou possível o surgimento de escolas profissionais, um pouco por todo o país, em vilas ou em pequenas cidades, estrategicamente não dependentes totalmente do Ministério da Educação, autónomas, de pequena dimensão, com uma oferta de cursos que articulam a procura de técnicos numa determinada área, num dado território com os objetivos profissionais dos jovens. Paralelamente, as escolas do ensino secundário começaram a ter oferta de cursos profissionais, generalizando-a  por todo o território.

Afigura-se como essencial a desconstrução crítica das orientações da Comissão Europeia, quer no que ao Ensino Profissional diz respeito, quer às políticas para a juventude

Recentemente, emanaram da Comissão Europeia dois documentos[1] que merecem atenção e discussão, sobretudo naquilo que podem contribuir para desvirtuar o modelo. Por exemplo, o confinamento a que a pandemia obrigou é considerado como uma oportunidade para substituir algumas práticas de aprendizagem e em contexto de trabalho por formas de realidade aumentada, simuladores e de digitalização de ofertas de cursos e dos métodos de aprendizagem e formação.  

Ora, além de esta ideia apontar para o desvirtuar do modelo, desvaloriza uma dimensão fundamental para a socialização, inclusão e sucesso dos alunos e alunas do ensino profissional que é a relação interpessoal presencial, seja com os professores e formadores, seja em contexto de estágio, seja entre pares.

Após 30 anos, o ensino profissional necessita de avaliação, não tanto daquela de caráter tecnocrática, processual e meramente burocrática, mas de uma outra, que integre, por exemplo, as visões de quem teve oportunidade de frequentar um curso profissional ou que resulte do acompanhamento dos primeiros anos do exercício da profissão de uma amostra de jovens técnicos. Se, por um lado, nunca houve a preocupação do acompanhamento dos jovens após conclusão do curso, por outro, nunca mais se voltou a auscultá-los sobre o que gostariam de ver como escolha nos cursos profissionais. Trinta anos depois, os jovens mudaram e não são os mesmos[1]. Com chegada da escolaridade obrigatória de 12 anos, e talvez até antes, há fortes indícios de que esta deixou de ser uma escolha para passar a ser a saída possível para aqueles alunos que revelam um percurso escolar de menor sucesso e de dificuldades de integração na designada cultura escolar e com expectativas baixas em relação à escola.

A avaliação do modelo implicará, por certo, redefinir critérios de criação de cursos profissionais, a sua localização no território e o questionamento do modelo rígido, de carácter economicista, que obriga à criação de turmas de 20 alunos, o que tem consequências, mais tarde ou mais cedo, no excesso de oferta de técnicos numa determinada área. Esses critérios, que agora são rígidos e burocráticos, podem e devem ser questionados no sentido de serem adotados outros mais versáteis, ágeis e dinâmicos que permitam a diversificação, pelo menos dentro do mesmo território, correspondendo de modo mais próximo às expectativas dos alunos, com um espectro mais amplo e com enfoque maior na cidadania e num tronco comum científico-prático. Não parece fazer sentido que várias escolas do mesmo concelho ofereçam cursos de informática, por exemplo, ou que não abra o curso de apoio à infância por não ter 20 alunos interessados e por se afirmar que vivemos uma depressão demográfica. Neste momento, regras rígidas impedem que se abram cursos onde eles são mais necessários ou os cursos de menor procura, o que não deveria ser um critério absoluto em ambos os casos. Neste momento, a oferta condiciona as escolhas e está desconectada das realidades dos territórios e das suas necessidades. Assiste-se a paradoxos tais como profissões em extinção por não haver cursos profissionais e cursos profissionais com excesso de formandos.

Nesse sentido, afigura-se como essencial a desconstrução crítica das orientações da Comissão Europeia, quer no que ao Ensino Profissional diz respeito, quer às políticas para a juventude. Colocar todo o processo do ensino profissional na tónica da empregabilidade tem efeitos perversos, como aquele a que assistimos no momento atual. De há anos a esta parte abundaram os cursos de profissionais de turismo um pouco por todo o país. A crise pandémica e económica está a afetar sobretudo o turismo. Em prol da empregabilidade, a expressão mais vaga criada pela Comissão Europeia nos idos anos noventa do século passado e de forte pendor neoliberal, puseram-se praticamente todos os ovos no mesmo cesto e o resultado está à vista.

Mesmo tendo em conta a articulação das políticas educativas transnacionais, até por causa da certificação comum, não é despiciendo pensar que Portugal pode continuar a ter um modelo próprio, mais justo, inclusivo, menos reprodutor das desigualdades sociais, que desejavelmente responda a uma escolha efetiva e que seja capaz de enveredar por novos caminhos.

*Deputada do Bloco de Esquerda (BE) – Portugal

[1] Como nos chama a atenção Joaquim de Azevedo, num artigo recente, publicado pelo Conselho Nacional de Educação.

[1] Cf. https://ec.europa.eu/education/policies/eu-policy-in-the-field-of-vocational-education-and-training-vet_pt

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